Professores que ocupam ou ocuparam cargos de gestão acadêmica analisam a crise orçamentária da UFRJ e os problemas de infraestrutura que castigam o cotidiano de docentes, estudantes e técnicos. Experientes e integrantes de diferentes grupos políticos da universidade, eles ponderam sobre a greve e possíveis estratégias para resolver essa teia de problemas que hoje ameaça aulas, compromete pesquisas e impacta o futuro de milhares de jovens
MÁRCIA ABRAHÃO
Presidenta da Andifes e reitora da Universidade de Brasília
Há situações muito diversas de infraestrutura nas universidades federais brasileiras e um quadro de desfinanciamento aprofundado de 2016 a 2022. Em 2023 houve melhora no orçamento, mas ainda insuficiente. A UFRJ é uma universidade muito antiga, tem problemas específicos, por exemplo, de dificuldades em obras em prédios tombados, enquanto as novas não têm prédios. Não é má gestão. É falta de financiamento e de previsibilidade. Até agora a gente não sabe o que vem no PAC, cada ano é uma surpresa no orçamento. A Andifes defende um orçamento mínimo constitucional, de forma que seja possível o planejamento das ações. Essa previsibilidade ajuda muito o gestor.
CÁSSIA TURCI
Reitora em exercício da UFRJ e professora do Instituto de Química
A pauta da greve é justa. A gente está com salários defasados, tanto docentes quanto técnico-administrativos. Mas eu acredito em outra saída que não a greve, porque, em geral, muita gente não participa dos movimentos e considera como um momento de férias. Isso esvazia a instituição. É muito grave. Estamos sofrendo ainda as consequências da pandemia. Sempre defendi uma universidade pujante, populosa. Os estudantes estão começando a voltar agora. Temos discutido na Andifes essa questão da greve com a Fasubra e com o Andes. Os salários do MEC são os mais baixos de todos os ministérios, então é uma justa pauta. Mas precisamos nos unir. Temos que cuidar da UFRJ e a greve não resolve nossas questões.
CARLOS FREDERICO ROCHA
Diretor do Instituto de Economia e ex-reitor da UFRJ
Há dois pilares que explicam como chegamos a esse momento. Houve uma redução constante de orçamento desde 2013. A entrada do governo Lula cessou a redução, mas não recompôs o orçamento. O segundo ponto é que quando tivemos recursos, não tivemos boas gestões. Elas falharam em recuperar nossas infraestruturas. Apostamos demais na expansão, que não foi efetiva porque boa parte dos prédios não foi concluída. A boa gestão e a obtenção de recursos adicionais são caminhos importantes para a gente recuperar a universidade. Pela primeira vez desde a pandemia temos salas de aula cheias. Temos que colocar essas pessoas do nosso lado.A greve vai nos afastar de quem demanda nossos serviços.
EDUARDO RAUPP
Professor do Coppead e ex-pró-reitor de Planejamento e Finanças
Os problemas atuais não são novidade. O que existe de novo é que havia uma expectativa de que, mudando o governo, os problemas seriam magicamente resolvidos. O governo anterior apostou em desacreditar a universidade e transformá-la em algo irrelevante. A gente não pode perder de vista esse contexto. A gente vai resolver nossa relevância social, as questões de infraestrutura e de financiamento com a greve? É preciso discutir o modelo de financiamento, a inserção das universidades nas políticas públicas, a carreira docente e dos técnicos. Para fazer esse tipo de propostas, as universidades precisam estar abertas. Não sou contra a greve, mas nossos problemas vão muito além do que uma tática de greve pode solucionar.
DENISE PIRES
Presidente da Capes, professora e ex-reitora da UFRJ
Minha gestão foi dificil. Muito difícil. Enfretamos a pandemia, o governo e cortes sucessivos no orçamento semestralmente. Não havia diálogo com Brasília e existia um cenário de morte no Brasil. Mesmo assim, conseguimos manter a universidade aberta. Devo isso à minha equipe técnica e aos elos de solidariedade de professores, técnicos e estudantes da UFRJ. Espero que esse ambiente de solidariedade e excelência siga marcando a identidade da nossa Minerva.
RODRIGO FONSECA
Diretor da AdUFRJ, professor
e ex-diretor do NUPEM/Macaé
Tivemos 9% de reposição ano passado e temos proposta de 9% parcelados nos próximos dois anos, mas não temos ainda uma resposta em relação ao presente ano. Apesar disso, sou contra uma greve longa, com pouca mobilização e que tradicionalmente envolve não dar aula na graduação, mas a continuidade da pós-graduação e das pesquisas. Essa estratégia afeta mais os alunos cotistas. O que fazer então? Chamar atenção da sociedade com formas mais modernas de pressão, demonstrar a força e a importância da Universidade e utilizar a greve somente como última alternativa. Parando agora, corremos um sério risco de desmobilizar nossa comunidade acadêmica e de esvaziar ainda mais a UFRJ.
JOSÉ ROBERTO MEYER
Professor do Instituto de Bioquímica Médica e ex-pró-reitor de Graduação
Entendo que o Andes está fazendo o jogo que não interessa às forças comprometidas e democráticas da universidade. A greve neste momento talvez seja mais política do que justa. Um ponto de análise é que estamos há bastante tempo sem aumento salarial e o governo Lula não está sendo sensível a isso. É preciso reconhecer. Outro ponto é que a UFRJ não cabe em seu orçamento de custeio. A matriz Andifes é extremamente injusta com as especificidades da UFRJ. No entanto, sabemos que há uma questão também de gestão. Não dá para responsabilizar só o orçamento. Qualquer greve nesse momento desestabiliza o governo.
VANTUIL PEREIRA
Decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
A UFRJ sempre teve dificuldade de planejamento e execução de projetos. Isso é um dado. Outro, é o esgarçamento do orçamento. Também houve mudança no perfil dos estudantes, o que requer mais recursos. A era Bolsonaro atacou a universidade e seu lugar de produtora de conhecimento. Por outro lado, várias promessas do governo Lula não foram cumpridas: o orçamento foi insuficiente, esse ano é de reajuste zero, há dificuldade de diálogo. São elementos que fortalecem o argumento da greve. Uma contradição é que a greve tende a esvaziar a universidade, que é um espaço que precisa ser politizado. Ficar parado, por outro lado, também não ajuda nesse debate. A questão tem vários ângulos que precisam ser analisados.