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734aa217 9578 43d3 9d35 32ae9ea275f7Francisco Procópio

Dez dias após a tentativa frustrada de golpe de 8 de janeiro, boa parte dos envolvidos nos ataques vai sendo identificada e presa, desvendando uma rede criminosa que vai desde as pessoas que atacaram fisicamente os Três Poderes até as forças de segurança que se omitiram, os mentores e os financiadores da empreitada. Até agora, 354 pessoas estão presas preventivamente e outras 220 tiveram liberdade provisória decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Esta semana, a Polícia Federal deflagrou a Operação Ulysses, em busca dos líderes e financiadores dos atos de 8 de janeiro. Três pessoas foram presas, e outros 52 acusados e sete empresas tiveram seus bens bloqueados. São, em sua maioria, comerciantes do Centro-oeste, Sul e Sudeste, empresários do agronegócio e colecionadores de armas.
Também esta semana, o Ministério da Justiça anunciou a preparação de um novo arcabouço de leis para punir responsáveis por atos antidemocráticos. O pacote deve ser entregue pelo ministro Flávio Dino ao presidente Lula na semana que vem. Caso Lula dê andamento ao processo, o pacote deverá ser apreciado pelo Congresso. Enquanto a nova legislação não vem, o Jornal da AdUFRJ ouviu três especialistas da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ para que avaliassem as condutas das autoridades federais no caso e em que crimes podem ser enquadrados os golpistas. Tudo à luz da lei.

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BONIZZATO

Professor de Direito Constitucional da FND

Do ponto de vista técnico, se você tem um ataque à democracia, sobretudo ao que chamo de nossas macro-instituições, nossos Três Poderes, acho que o presidente escolheu certo pela intervenção federal, dentro das suas prerrogativas constitucionais. E passou pelo crivo da Câmara dos Deputados. Talvez tenha sido a menos gravosa para a sociedade brasileira, assusta menos que um estado de defesa ou um estado de sítio. E foi decretada em apenas uma área, a da Segurança Pública do Distrito Federal, como foi feito anos atrás no Rio de Janeiro (no governo do ex-presidente Michel Temer).
No caso do Supremo Tribunal Federal, ele é regido pelo princípio da inércia, só pode se mover se for provocado. Pode acontecer em um ato que a gente chama de ofício. Um ministro toma uma decisão sem a necessidade de um pedido da parte, mas esse ato tem que ocorrer em conformidade com as normas processuais. Em relação aos atos de 8 de janeiro, isso foi feito com os todos os presos em flagrante.
Sobre a possibilidade de enquadramento dos presos por crime de terrorismo, temos que avaliar a lei 13.260, de 2016. O objetivo dela foi regulamentar o artigo quinto, inciso 43, da Constituição. Esse artigo estabelece que são considerados crimes inafiançáveis e não suscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. O artigo segundo da lei 13.260 diz que o terrorismo consiste na prática, por um ou mais indivíduos, dos atos previstos no artigo em razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio e paz pública.
Veja: por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça. Aqui eu trago um ponto de interrogação. Eu acho que a gente tem que ter muito cuidado para aplicar a lei a essa ideia de terrorismo. A gente tem que ver se a causa ensejadora foi xenofobia. Ou então preconceito de raça ou religião. O terrorismo pode ser enquadrado desde que na presença dos pressupostos que estão aqui. Eles tinham a finalidade de provocar terror social? Realmente eles tinham. Alguém se enquadra especificamente no que estabelece a lei? Vamos ter a possibilidade de verificar isso respeitando o devido processo legal, entender se estamos diante de uma prática terrorista.
Há também a lei do Estado Democrático de Direito, que traz uma série de edificações para crimes contra a soberania nacional. Os atos podem ser mais facilmente enquadrados nessa lei.
Temos que ser muito criteriosos. Antes de dizermos “olha, fulano cometeu uma prática terrorista”, eu acho que temos de ver o que a lei diz. Qual foi a razão do crime? O que deu causa a ele? Se foi xenofobia ou discriminação de raça, a gente consegue enquadrar. Mas o ordenamento jurídico está aí para ser respeitado, assim como o devido o processo legal. Eu evito aqui qualquer tipo de posição política de minha parte.

05a7b12b 7401 4bd8 a31f c3cff1244bfeANTONIO SANTORO
Professor de Processo Penal da FND

O governo federal não precisaria tomar nenhuma medida se a Procuradoria-Geral da República tivesse tomado tempestivamente as medidas necessárias. Porque essa não é efetivamente uma tarefa do Poder Executivo. Por outro lado, diante da omissão do procurador-geral da República, ou ao menos uma demora demasiada para tomar atitudes, então o governo federal tomou as medidas adequadas.
A verdade é que Bolsonaro já devia estar sendo investigado. Não entro no mérito se já há motivo para prendê-lo, acredito até que juridicamente não, mas para investigar obviamente há. Então a gente tem aí mais uma demora demasiada da PGR. Em relação às decisões do Alexandre de Moraes, são decisões corretas. Está claro para mim que todas essas pessoas que invadiram a Praça dos Três Poderes atentaram contra o Estado Democrático de Direito, tentaram praticar um golpe de Estado. E eu não vou nem falar do dano ao patrimônio público, porque, embora seja relevante, me parece estar absorvido por crimes maiores.
Eles estavam em flagrante e há motivos para que sejam presos preventivamente. Já até passaram pela audiência de custódia. As investigações demonstram que o movimento era articulado e que não foi um rompante da multidão. As omissões de certas autoridades também devem ser compreendidas, investigadas e punidas caso a caso. Do secretário de Segurança do Distrito Federal e de boa parte da cúpula da Segurança, porque obviamente não tomaram as medidas preventivas a fim de evitar o que aconteceu. E me parece uma omissão dolosa, mas aí a investigação é que irá revelar.
A ação de busca e apreensão na casa do secretário de Segurança que não estava no Brasil encontrou uma minuta de intervenção no TSE. Há motivos suficientes para a prisão preventiva. Ele disse que era para ter jogado fora a minuta. Interessante porque jogar fora uma minuta que constitui uma prova é motivo de prisão, portanto até a própria declaração dele que ele iria jogar fora enseja uma prisão preventiva.
O afastamento do governador do Distrito Federal do cargo também está correto, tem previsão legal no artigo 319 do Código de Processo Penal. Minha única ressalva é que me parece sinceramente que houve demora demasiada na atuação da PGR. Aliás, é importante deixar claro que foi uma demora do procurador-geral, porque os próprios procuradores enviaram ofício ao chefe se posicionando e cobrando uma atitude. Então não é adequado generalizar para todo o Ministério Público Federal, mas especificamente para o procurador-geral da República.
Qualquer articulador ou financiador é tão autor quanto qualquer um que tenha tentado fisicamente o golpe. Eles são tão golpistas quanto. É o crime de golpe de Estado, previsto no Código Penal. Possivelmente tenham pena agravada por serem mentores ou financiadores.

2a43dfa5 a0fa 4d20 bd43 2c282236a7edCAROLINA CYRILLO
Professora de Direito Constitucional da FND

Juridicamente, até o momento, não é possível falar no enquadramento em crime de terrorismo. Retoricamente pode se falar em terrorismo, mas quem é técnico, como eu, não pode usar essa nomenclatura. O crime, até agora apurado, é de abolição violenta do Estado Democrático de Direito previsto no artigo 359 - L do CPP.
O governo federal agiu corretamente. A intervenção na Segurança Pública do DF foi a medida mais adequada até o momento, ativando as forças de segurança nacionais e conseguindo apoio de todos governadores. As ações do Alexandre de Moraes foram duras, mas estão no âmbito de discricionariedade possível numa leitura do Código de Processo Penal, principalmente o afastamento temporário do governador do DF.
Duvido que alguém seja enquadrado em terrorismo pois falta o elemento previsto na lei de terrorismo que é a motivação por racismo, xenofobia etc.
Os parlamentares envolvidos devem responder criminalmente e também ter o mandato cassado.
Sobre Bolsonaro, o PGR já pediu a inclusão dele no inquérito. Pode ser preso e, se condenado, pode perder direitos políticos. Também pode ficar inelegível por questões eleitorais por causa daquela “minuta do golpe”.
Os golpistas foram contidos, presos e as instituições não pararam de funcionar. Acho que inclusive estão fortalecidas e com mútuo apoio.

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