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WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.06.02Alexandre Medeiros, Francisco Procópio e Silvana Sá

O ato golpista do domingo tentou atingir o coração da democracia brasileira, mas não ficou sem resposta. Ao contrário, a atuação rápida e conjunta do Executivo, Legislativo e Judiciário no desmantelamento da ação e na busca pelos financiadores e orquestradores continua rendendo novas descobertas. A mais recente, a minuta do golpe, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, homem de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro. O documento previa a decretação de Estado de Defesa no Supremo Tribunal Federal — o que é inconstitucional — com o objetivo de invalidar a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Torres chegou a afirmar que o documento era parte de arquivos que seriam destruídos. O ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou a prisão do ex-ministro, que está na Flórida com Bolsonaro desde 2 de janeiro. Caso ele não retorne ao Brasil até a próxima segunda-feira (16), o ministro da Justiça, Flávio Dino, informou que pedirá a extradição do acusado.
Para compreender os desdobramentos da tentativa de golpe e da reação nacional e internacional em defesa da democracia, o Jornal da AdUFRJ buscou análises de cientistas políticos da UFRJ. Para Mayra Goulart, vice-presidente da AdUFRJ, as instituições brasileiras precisam assumir sua parcela de responsabilidade com o que aconteceu. “A trajetória de Jair Bolsonaro é marcada, desde sua origem, por uma franca adesão ao regime ditatorial e por um antagonismo com a divisão de Poderes e com a Democracia Constitucional”, pontua. “Existiam mecanismos para que ele fosse responsabilizado por esses posicionamentos, como a quebra de decoro parlamentar, mas em nenhum momento esses processos foram à frente”, observa a professora do IFCS.WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.30.57
Paulo Baía, também professor do IFCS, destaca que o governo Lula se fortaleceu a partir de domingo. “Ganhou unidade e tratou a questão como deveria ser tratada, com a intervenção na área de Segurança Pública do Distrito Federal”, analisa. “Foi muito importante não decretar a Garantia da Lei e da Ordem, que era tudo o que os militares queriam, pois eles entrariam como os pacificadores da situação”.
Fernanda Barros dos Santos, do NEPP-DH, reconhece que o país está dividido, mas observa que a democracia foi preservada. “Existe um Brasil dividido, mas ainda existe um Brasil democrático que quer a ordem, a garantia dos seus direitos e a garantia da governabilidade de quem foi eleito democraticamente”. Confira abaixo mais análises de especialistas.

WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.27.56Mayra Goulart
Cientista política e vice-presidente da AdUFRJ

É necessário que as instituições assumam sua parcela de responsabilidade na trajetória de Jair Bolsonaro, que é marcada, desde sua origem, por uma franca adesão ao regime ditatorial e um antagonismo com a divisão de Poderes e com a Democracia Constitucional. Existiam mecanismos para que ele fosse responsabilizado por esses posicionamentos, como a quebra de decoro parlamentar, mas em nenhum momento esses processos foram à frente. Houve pelo menos seis acionamentos à Comissão de Ética da Câmara, o primeiro deles em 1999, pelo então deputado Antônio Carlos Magalhães. Depois, na Presidência da República, Bolsonaro e seus ministros tiveram trajetórias marcadas por contestações a outros Poderes e ao sistema eleitoral, também não punidas pelas instituições. Em paralelo a isso, a proliferação de fake news e apoiadores que replicavam ataques às instituições também poderiam ter sido objeto de investigações e não foram. Há a criação de uma bolha de dissonância cognitiva com pessoas que vivem em uma realidade paralela, sendo alimentadas por mentiras, durante quatro anos, no mínimo. Isso gera uma consequência. Além das estratégias de financiamento que, por não terem sido refreadas, se tornaram muito ágeis. No entanto, me preocupa haver uma desmedida repressão na tentativa de tentar compensar uma eventual negligência anterior. Falo isso porque não considero que tenhamos que cair numa sanha punitivista desmesurada. Isso não é o que caracteriza a esquerda. O governo não pode se perder neste personagem punitivista. Não quer dizer que eu não ache que essas pessoas devam ser punidas, mas considero que a atenção do governo nesses cem primeiros importantes dias não pode ser drenada por esse episódio. A movimentação golpista criou uma janela de oportunidade para o governo Lula atrair franjas que se descolam do bolsonarismo que se desidrata progressivamente e se transforma num movimento ultraminoritário e ultrarradical. Para que não aconteçam outras tentativas golpistas no Brasil, é preciso que o sistema jurídico responsabilize com maior rigor os financiadores, organizadores e autoridades coniventes. Em paralelo, é preciso atuar junto à sociedade civil em processos pedagógicos que expliquem o que é democracia, o que é liberalismo, a importância das instituições e dos valores republicanos.

WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.27.56 1Paulo Baía
Sociólogo e cientista político

Os episódios de 8 de janeiro mostram uma direita no Brasil com caráter insurrecional e revolucionário no sentido clássico do termo leninista que procura, por meio das massas, obstruir a cadeia de comando do governo e do poder. Tentaram fazer isso com a invasão do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, e queriam permanecer lá dentro. Não tiveram sucesso nisso, mas queriam essa permanência para que isso repercutisse em invasões a tribunais de Justiça nos estados, a palácios de governos estaduais e casas legislativas. Ao mesmo tempo também se planejaram as invasões de centros de distribuição de energia, de refinarias e locais estratégicos, como torres de energia. O caráter insurrecional da extrema-direita está típico nessas ações. Eles estão seguindo um passo a passo de manual marxista-leninista de insurreição e, creio, de maneira consciente. Com núcleos de comando, divisão de tarefas, financiamento. Mas com os episódios de domingo, o governo Lula ganhou unidade e tratou a questão como deveria ser tratada, com a intervenção na área de Segurança Pública do Distrito Federal e a criação de uma cadeia de investigação que não foca apenas no agitador profissional de rua, mas que chegue aos financiadores, aos planejadores, aos ideólogos desse processo. Foi muito importante não decretar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que era tudo o que os militares queriam, pois eles entrariam como os pacificadores da situação. Com isso, o Poder Civil se afirmou, com o fortalecimento dos três Poderes, além de um pacto federativo que se mostra muito forte. Contudo, o bolsonarismo não acabou, está enraizado na sociedade brasileira. Ele passará a ter outro nome e alguns nomes passaram a disputar a herança do que foi o bolsonarismo, entre eles a Damares Alves, o Tarcísio de Freitas e o general Hamilton Mourão.

WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.27.56 2Fernanda Barros dos Santos
Cientista política

A convocação de todos os governadores mostra uma perspectiva de unificação dos três Poderes. Este foi um ato muito importante, do ponto de vista simbólico, contra os atos golpistas. Do outro lado, há uma extrema-direita que não obedece aos três Poderes, que tem uma leitura fascista, extremamente totalitarista da realidade, que não adequa suas ações dentro dos quadros normativos, que trabalha com a ideia do terrorismo. Caso os atos antidemocráticos continuem acontecendo no longo prazo, pode haver uma espécie de fragilização das instituições democráticas. Então, essa resposta enérgica dos três Poderes é o mais importante neste momento. Há o fortalecimento da democracia, mas, em paralelo, ainda há processos frágeis. Não se trata de atos terroristas independentes. Existe um bastidor desse “subpoder” que está presente também no Legislativo, com alguns partidos, nas forças policiais e que tem conivência de alguns governadores. É preciso haver ações enérgicas voltadas a todos aqueles que fizeram parte desse processo. A principal ideia desses bolsonaristas é criar um caos social para que seja necessário o acionamento de uma força maior. No entanto, o movimento se viu isolado também internacionalmente. As principais potências mundiais se manifestaram contra os ataques. Começa a ser desenhado um cenário de que a derrubada de um governo eleito democraticamente traria consequências econômicas que não seriam positivas para nenhum dos grupos. Também em oposição ao ato terrorista, a resposta das ruas foi fundamental. Os movimentos sociais no Brasil têm um histórico de participação contínua na nossa sociedade, principalmente em momentos mais decisivos da história. O bastião da Constituição de 1988 está sendo revitalizado pelo atual governo, pelos movimentos sociais e por parte da sociedade civil. Eu gostaria de pontuar também o papel das universidades nessa resistência. Isso de fato é a democracia. Existe um Brasil dividido, mas ainda existe um Brasil democrático que quer a ordem, a garantia dos seus direitos e a garantia da governabilidade de quem foi eleito democraticamente.

WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.27.56 3Josué Medeiros
Cientista político

Acredito que o saldo foi positivo para democracia e para o governo Lula, porque a sociedade se manifestou de modo majoritário contra a tentativa de golpe. Ao mesmo tempo, a resposta das instituições, com a unidade nacional entre Executivo, Legislativo, Judiciário, partidos políticos, governadores, prefeitos, imprensa, empresariado, movimentos sociais também fortalece o governo. Há uma frente ampla em defesa da democracia que se mobilizou contra os golpistas. Em 1º de janeiro, tivemos a foto histórica da sociedade passando a faixa para o presidente Lula. No dia 9, há a segunda foto histórica do mandato, com o presidente caminhando até o STF. É uma foto que mostra a unidade nacional que isolou o bolsonarismo. Por exemplo, havia no horizonte uma eleição para a presidência do Senado complicada porque o PL, que é o partido do ex-presidente Bolsonaro, tinha um candidato, Rogério Marinho, contra o atual presidente da casa (Rodrigo Pacheco). Marinho é um senador bolsonarista e essa candidatura perdeu muita força depois de domingo. Este é um exemplo de conflito no Legislativo em que o bolsonarismo perde a capacidade de fazer oposição porque está sem legitimidade. Eu acredito, inclusive, que uma CPI sobre os atos antidemocráticos tende a fortalecer mais a frente ampla e a base do governo no Legislativo. Considero a votação unânime que aprovou o decreto de intervenção do presidente Lula na segurança do Distrito Federal um marco histórico. O PL fez 99 deputados. A gente tem mapeamento que metade desta bancada é bolsonarista. Sem dúvida, foi histórico que este bolsonarismo não tenha conseguido levantar a voz contra a intervenção. No Senado, houve oposição com oito senadores contrários. Dentro do governo, acredito que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, sai enfraquecido, mas tendo a achar que o presidente Lula vai mantê-lo no cargo. É preciso ver o trabalho dele na relação com as Forças Armadas. A extrema-direita no Brasil pode enfraquecer se a CPI avançar sobre os parlamentares desse campo e sobre Bolsonaro. Vejo uma disposição das instituições para responsabilizar quem financiou, estimulou e liderou aquela tentativa de golpe. É preciso que a sociedade continue pressionando.

WhatsApp Image 2023 01 13 at 20.27.56 4Thais Aguiar
Cientista política

É muito alarmante o que aconteceu no domingo. Não se esperava que aquelas pessoas chegassem com tanta facilidade ao coração do poder. O episódio mostra mais do que omissão e leniência. Mostra uma aliança com as forças de segurança, especialmente Polícia Militar e Exército. A Guarda Palaciana não atuou. Isso mostra a vulnerabilidade do atual governo e o tamanho da tarefa junto às polícias e aos militares. A opção pelo ministro da Defesa José Múcio Monteiro aponta para um movimento de conciliação. É um campo problemático para o PT desde o governo Dilma, que quis atualizar os currículos militares e deu força às Comissões da Verdade, mas se intensificou com o bolsonarismo. Se, por um lado, é preciso manter o diálogo, por outro, é preciso provocar mudanças no militarismo, mas uma ação muito contundente pode gerar insubordinação, já que as tropas, principalmente, foram politizadas com discursos de extrema-direita. Há sinais de que isso pode acontecer. Na ocasião da posse do ministro Bruno Dantas como presidente do TCU, o Gabinete de Segurança Institucional se retirou da cerimônia porque o general Hamilton Mourão não estava lá. É um pequeno episódio que demonstra a força dessa insubordinação. Quiseram romper com a ordem constitucional e o governo foi hábil em não cair na armadilha de decretar a Garantia da Lei e da Ordem. Agora, é preciso agir no rigor da lei, mas não ultrapassar limites, já que a motivação política foi retirada da lei antiterrorismo, por exemplo. Em paralelo, é preciso pensar no que fazer para que isso não volte a acontecer. O episódio golpista do domingo não tem paralelo em nossa história recente. As forças progressistas e pesquisadores ainda não entenderam como a extrema-direita atua hoje. É preciso conhecer a fundo a racionalidade por trás do uso das redes sociais que transforma uma pessoa comum num militante radical. Se a extrema-direita se alastrar mais, perderemos não só a democracia, mas valores civilizacionais.

CRONOLOGIA DA TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO

As falhas na proteção do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto produziram duas respostas imediatas: uma intervenção federal na área de segurança do Distrito Federal, decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite do dia 8 e aprovada por unanimidade pela Câmara dos Deputados, e o afastamento do governador Ibaneis Rocha (MDB), por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Desde o ano passado, as autoridades locais já recebiam alertas sobre possíveis mobilizações golpistas. Acompanhe a cronologia da tentativa de golpe.

2022
Logo após o resultado das eleições, com a vitória de Lula, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) enviou alertas às autoridades do Distrito Federal sobre a mobilização massiva para o ato de cunho golpista de 8 de janeiro.

2 de janeiro
O então secretário Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, viaja aos Estados Unidos para encontrar o ex-chefe.

3 de janeiro
Redes bolsonaristas intensificam a convocação de apoiadores do ex-presidente para tomar Brasília, orientando os próximos passos.

7 de janeiro
- Secretário em exercício não acompanha o ingresso de mais de cem ônibus no Distrito Federal.

- Um dos líderes do acampamento em frente ao QG do Exército inflama a multidão para o dia seguinte.

- Plano inicial para fechar a Esplanada dos Ministérios é alterado pelo governo do DF. Ministro da Justiça, Flávio Dino questiona a medida, mas é ignorado.

- Gabinete de Segurança Institucional da Presidência dispensa reforço, mantém apenas 36 homens na contenção aos golpistas e não equipa policiais com armamento para dispersão de massas.

8 de janeiro
- Ainda pela manhã, Abin informa novamente sobre intenção de invasão dos prédios públicos. Secretário em exercício minimiza relato e afirma que a “manifestação é pacífica”.
- Depois de caminharem por mais de uma hora escoltados pela polícia, milhares de manifestantes ultrapassam o primeiro bloqueio e invadem a Esplanada dos Ministérios.

- Diante da total falta de comando das forças de segurança, os terroristas passam por aproximadamente 20 policiais legislativos e ingressam no Congresso.

- Com apoio de PMs, os bolsonaristas alcançam o plenário da Câmara.

- Mesmo com o primeiro prédio invadido e ainda sem policiamento adequado, outro numeroso grupo consegue entrar no STF e inicia a destruição.

- Palácio do Planalto é tomado e destruído pelos bolsonaristas, também sem resistência policial. O presidente Lula afirma, ao ver as imagens de segurança, que as portas estavam abertas.

- O presidente Lula assina decreto de intervenção na segurança do GDF

9 de janeiro
- Câmara aprova, por unanimidade, decreto de intervenção de Lula.

- Lula se reúne com presidentes da Câmara e do Senado e com 27 governadores e vice-governadores das 27 unidades da federação. Na saída, caminha em comitiva do Planalto ao STF.

- Ministro Alexandre de Moraes afasta o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por 90 dias.

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