Esta semana, o Observatório do Conhecimento, o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) e o Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apresentaram a primeira fase de resultados da pesquisa “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”, que trouxe dados alarmantes sobre a segurança para fazer Ciência no Brasil. Dos 1.116 cientistas que participaram da pesquisa, 58% afirmaram que conhecem experiências de pessoas que já sofreram limitações ou interferências indevidas em suas pesquisas ou aulas.
O questionário ficou disponível para pesquisadores entre agosto e dezembro de 2021, e tinha perguntas objetivas e discursivas. De acordo com a pesquisa, 27% dos respondentes já limitaram aspectos da própria pesquisa com medo de alguma consequência negativa, e 43% consideram ruins ou péssimos os procedimentos disponibilizados por suas instituições para lidar com denúncias de ameaças à liberdade acadêmica.
“Temos uma impressão nítida de que a liberdade acadêmica está em risco no Brasil”, resumiu o deputado federal Professor Israel (PSB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação. “Isso pode gerar um apagão de ideias no Brasil. Porque com os cortes no financiamento à pesquisa e a preocupação com retaliações, muitos pesquisadores se autocensuram”, explicou. Seu temor é que o cenário acentue uma fuga de cérebros do país.
“Estamos em um cenário em que docentes e pesquisadores estão acuados, amedrontados e desvalorizados”, falou a cientista política Mayra Goulart, vice-presidente da AdUFRJ e coordenadora do Observatório do Conhecimento. Segundo ela, a principal justificativa para a autocensura é o temor de perder o financiamento. “O ensino e a pesquisa não encontram uma autonomia e estabilidade de financiamento que garanta a esse professor as condições necessárias para fazer seu trabalho”, explicou Mayra, reiterando a importância do financiamento em Ciência e Tecnologia.
A segunda fase da pesquisa será qualitativa, desenvolvida a partir das respostas das perguntas discursivas. Ela vai focar no relato dos professores que sofreram algum tipo de censura ou autocensura. “A próxima fase vai dizer respeito a essas respostas abertas. Um dos nossos objetivos é analisar os dados qualitativos e produzir uma espécie de cartilha para definir e orientar os pesquisadores sobre como identificar ou o que fazer em caso de censura”, contou a professora Mayra. A intenção é que, a partir desses produtos, sejam propostas peças legislativas que tipifiquem o cerceamento acadêmico.
CENÁRIO DE FRAGILIDADE
“Certamente a nossa legislação protege a liberdade acadêmica”, disse o deputado Professor Israel.“O que nós percebemos é que é preciso minuciar esse assunto. Definir de maneira mais precisa os procedimentos para concessão de recursos para pesquisa. Para isso estamos contando com as instituições que produziram a pesquisa para nos ajudar a fazer uma melhor regulamentação”, complementou.
A pesquisa sobre liberdade acadêmica retrata um momento de fragilidade dos docentes. O professor Pablo Ortellado divulgou esta semana o resultado de uma pesquisa feita pelo Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPoPAI) da USP, coordenado por ele. Após entrevistar 2.308 pessoas em São Paulo, o grupo apurou que 64% dos bolsonaristas convictos (ou seja, que votaram em Bolsonaro em 2018 e repetirão o voto este ano) concordam com a afirmação “professores estão abordando temas que contrariam os valores das famílias”. A proporção cai para 37% entre os “bolsonaristas arrependidos” (que votaram em Bolsonaro em 2018 e não repetirão o voto no candidato este ano) e 16% entre não bolsonaristas.
Para Mayra Goulart, o resultado apresentado por Ortellado vai ao encontro das conclusões da pesquisa de Liberdade Acadêmica. “Estes dados expõem a associação entre o governo Jair Bolsonaro e as ameaças à liberdade acadêmica, reforçando a importância da reunião da comunidade universitária em prol da sua derrota eleitoral”, defendeu.