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WhatsApp Image 2022 05 27 at 18.04.56Reprodução internetDa Redação

Eram 4h da manhã de 24 de maio, quando o silêncio da madrugada foi rompido pela violência. Moradores da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, foram acordados no susto, temendo por suas vidas, de suas crianças, de seus pais, amigos, amores. Mais uma vez, cidadãos que residem em favelas do Rio de Janeiro tiveram direitos básicos negados. A segunda maior chacina do estado matou 23 pessoas, durou 12 horas e aconteceu um ano depois da mais letal da história, com 25 mortos, no Jacarezinho. Testemunhas viram marcas de tortura em muitos corpos, e ferimentos de faca, práticas conhecidas do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, o BOPE, um dos agentes da ação. A Polícia Rodoviária Federal também atuou. Ninguém sabe a razão.

A comunidade tem uma Unidade de Polícia Pacificadora, cujo comando foi trocado seis dias antes da operação. No dia da chacina, a Polícia Militar substituiu 96 agentes da UPP. As coincidências dão uma pista de que essas chacinas não acontecem por acaso. “Infelizmente, há um segmento pequeno da sociedade que apoia esse tipo de ação. É o mesmo segmento que votou no atual presidente da República”, analisa o professor Michel Misse, do IFCS, um dos maiores especialistas em segurança pública do Brasil. “Esse setor da sociedade dá respaldo a esse tipo de policiais, que eu considero criminosos”, critica.

“Políticas públicas, via de regra, devem se assentar num diagnóstico feito a partir de dados e evidências, têm que estabelecer objetivos e devem ser avaliadas no curso de suas ações para eventuais correções”, pondera o professor Daniel Hirata, do Departamento de Sociologia da UFF. “Uma série de pré-requisitos básicos não faz parte do léxico das ações da área de segurança no Rio de Janeiro já há algum tempo”, critica.

Hirata é um dos pesquisadores que assinam uma análise sobre as chacinas do Rio de Janeiro entre os anos de 2007 e 2021. Os números são alarmantes: 593 operações policiais no período resultaram em chacinas com 2.374 mortes. “A letalidade policial já vinha aumentando no Rio desde 2014. Quando inicia o governo Witzel, do ‘tiro na cabecinha’, há um aumento muito grande”, avalia o pesquisador. “[Houve] uma leve queda em 2020 por conta da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das favelas, que restringiu as operações policiais na pandemia”, conta. “Mas quando o governador Cláudio Castro assume, ainda interinamente, nós começamos a observar um desrespeito à decisão do STF, um aumento das operações policiais, da letalidade policial e das chacinas”.

Para o docente, o aumento dos assassinatos se deve à falta de controle democrático nas ações policiais. “A atividade policial tem que ser exercida nos limites estritos da Lei e dos seus marcos normativos. O uso ilimitado da força e a disposição ilimitada sobre a vida são próprios dos regimes autoritários”, garante. “Não temos pena de morte estabelecida em Lei, e mesmo se ela existisse no Brasil, não caberia às forças policiais fazer o julgamento e execução da sentença”.

Ativistas de Direitos Humanos condenaram a chacina. Em nota, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos repudiou a violência da ação. “É inaceitável que, em um regime democrático, uma ação oficial do Estado resulte em um número tão elevado de vítimas letais e tantas violações de direitos humanos”. O documento ainda denuncia a “política” que “sob a falácia da guerra às drogas” segue como “um dos principais agentes da morte da população preta, pobre e favelada” no estado.

A CDH da Alerj também acompanha o caso. “Oferecemos todo o suporte possível às famílias. Também faz parte desse atendimento buscar, na esfera institucional, respostas sobre as motivações e o planejamento da ação que resultou nessa tragédia”, declara a deputada estadual Dani Monteiro, presidente da comissão. “As mortes na Vila Cruzeiro ocorreram quando ainda tentamos esclarecer episódios igualmente violentos e traumáticos, como a chacina do Jacarezinho, em maio de 2021”.

DEPOIMENTO
“Aquele tiro poderia ter me acertado”

Thainã Medeiros,
39 anos. Assessor
parlamentar e ativista

“Sou nascido na Vila Cruzeiro. Conheço bem a região. Fui representar o mandato da deputada Renata Souza e estava lá também pelo Coletivo Papo Reto, porque fazemos esse tipo de acompanhamento e atendimento das famílias para tentar garantir o mínimo de direitos humanos nesse tipo de situação. Estava na região da Vacaria. Tinha um corpo ali. Ele estava com marcas, aparentemente, de tortura, com um pó muito branco na cara. Os moradores disseram que a polícia o fez comer cocaína. A morte supostamente foi por faca. Estávamos querendo ver se alguém chegava ali. Da família, para encontrar o corpo, mas também outras pessoas, porque poderiam desfazer a cena (do crime).

Era por volta das 11h, a operação tinha começado pelas 4h. De repente, começou um baita tiroteio. Nosso lado começou a ser alvejado, e nós nos escondemos. Depois passaram os caras do Bope e começaram a provocar. Começou um bate-boca entre eles e uma menina, mas alguém a afastou dali e os soldados do Bope sumiram. Então, um voltou e deu um tiro na nossa direção. Passou a coisa de um metro de mim. O soldado que atirou foi embora normalmente. A ideia era só nos intimidar. Se eu estivesse um passo para o lado, teria sido acertado. Foi pura e clara demonstração de poder e de desprezo com a vida. Aquele tiro na nossa direção, que poderia ter acertado qualquer um ali, para ele não foi nada.”

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