A bandeira roxa, de risco muito alto, não foi mencionada explicitamente na recomendação do MPF. Mas o texto diz que, nos municípios em que Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro prescrever que há impedimento para a ministração de aulas presenciais na Rede Púbica Estadual, as instituições deverão prestar o serviço público de ensino na forma remota.
A proposta foi apresentada em uma audiência de conciliação realizada no dia 24, entre os procuradores do MPF e os representantes das instituições de educação. A juíza Carmen Silvia, responsável pelo caso, deu prazo para as instituições apresentarem contrapropostas e suspendeu o encontro. Uma nova audiência está marcada para a próxima quinta, 2 de setembro, já para avaliar as contrapropostas.
Reitor em exercício da UFRJ, o professor Carlos Frederico Leão Rocha não concorda com a nova proposta do MPF. “Não podemos aceitar a proposta neste formato”. O dirigente diz que a universidade vai manter o posicionamento de não alterar o atual período, já iniciado em meio remoto. E que somente as aulas práticas e trabalhos de campo poderiam ser retomados no início do próximo semestre letivo, em 16 de novembro. Isso se as condições sanitárias permitirem. “Sempre depende das condições sanitárias”, afirma o professor.
SEM ORÇAMENTO
Mas não só. Por falta de verbas, a transição para o presencial não seria nada fácil nem se a pandemia estivesse controlada no Brasil. Pró-reitor de Planejamento e Finanças da UFRJ, o professor Eduardo Raupp destaca que um eventual retorno das aulas aos campi vai demandar mais gastos com a manutenção básica da instituição. “E a Universidade já está com orçamento deficitário para cumprimento dos contratos vigentes”, afirma.
O dirigente cita como exemplos a ampliação das despesas com os serviços de limpeza para garantir ambientes adequadamente higienizados, as obras de adequação das salas, laboratórios e restaurantes universitários. Também seria necessária a compra de grande quantidade de álcool 70°, testes para covid-19 e equipamentos de proteção individual, além do aumento da frota de ônibus para os deslocamentos entre os campi e dentro da Cidade Universitária. “Buscando manter o distanciamento recomendado dentro dos ônibus”, explica Raupp. Os veículos também precisariam passar por adaptações. Hoje, eles não permitem a abertura de janelas.
Em março deste ano, informa o dirigente, o MEC solicitou uma estimativa das universidades sobre os recursos necessários para o enfrentamento emergencial da covid-19. A proposta da UFRJ, no valor total de R$ 141 milhões, cobria as atividades assistenciais dos hospitais, o investimento no desenvolvimento de vacinas e o retorno de aulas práticas presenciais e aulas de campo. Esta última parte demandaria R$ 13 milhões. Em abril, o MEC encaminhou nota técnica do Ministério da Economia descartando a suplementação. Somente os recursos para os hospitais foram parcialmente liberados (R$ 33 milhões), mas ainda dependem de aprovação do Congresso Nacional. Para as aulas, nenhum centavo.
INDIGNAÇÃO
Presidente da AdUFRJ, a professora Eleonora Ziller afirma que toda a comunidade acadêmica está ansiosa para voltar aos campi: “A gente concorda que tem que discutir a volta. Mas não desse jeito. O governo não tem política sanitária e não nos dá dotação orçamentária para planejar a volta”, diz. “É desnecessário esse tipo de intervenção demagógica e irresponsável”, completa.
Também diretor da AdUFRJ, o professor Felipe Rosa faz parte do Conselho de Ensino de Graduação e acrescenta: “Temos discutido a volta de forma muita intensa. Não é como se a gente estivesse satisfeito e o MPF tem que chegar e colocar ordem na casa. Isso não tem relação com a realidade”, critica.
Representante do DCE, Antônia Velloso também considera que a proposta do MPF desrespeita a autonomia universitária. “A UFRJ tem um plano de retorno gradual que se inicia com as atividades práticas, mas isso tudo passa pelo debate e deliberação dentro dos colegiados. Agora, o MPF quer passar por cima disso”. (colaborou Liz Mota Almeida)
PROFESSORES CRITICAM PLANOS DE RETORNO NA USP E UFMG
Enquanto a UFRJ planeja seu retorno aos campi com calma e de olho nos índices epidemiológicos, duas grandes universidades do país já resolveram estabelecer datas para a volta das aulas presenciais.
Na USP, o retorno presencial compulsório foi determinado para os estudantes de graduação, em 4 de outubro. Será necessário comprovar o ciclo de vacinação completo: ou seja, ter duas semanas após a segunda dose, como um “passaporte” para a sala de aula. “Esse posicionamento está alinhado com o governo (de João) Doria (PSDB). A tônica do governo do estado e do reitor é que a pandemia acabou”, critica a presidente da ADUSP, Michele Schultz. A medida, segundo ela, não passou pelos colegiados superiores da universidade.
Uma das principais preocupações é com o deslocamento para a universidade. “Sou docente da USP Leste. São cerca de cinco mil estudantes e o acesso se dá principalmente pelo transporte público, o trem”, conta. “Os trens com destino à zona leste são absolutamente lotados, e a reitoria está ignorando situações como essa”, completa.
A professora destaca que isso ocorre num momento em que vários especialistas apontam o agravante da variante delta, e há a discussão da necessidade da terceira dose para idosos. Em uma reunião com a reitoria, foi questionado quem verificaria as carteirinhas de vacinação, mas a pergunta ficou sem resposta. “Estamos a 40 dias do retorno das aulas e estou bastante inconformada com isso”, conclui a presidente do sindicato.
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) estabeleceu 13 de outubro como data de início do chamado ensino híbrido. Cada curso de graduação deve desenvolver um projeto de retorno, que pode ocorrer de três formas: com o ensino completamente remoto; com momentos presenciais; e totalmente presencial. Mas não existem recursos dentro da universidade para adaptação às normas de biossegurança.
O sindicato docente local (APUBH) acredita que a UFMG tem que arcar com os equipamentos de proteção individual completos, posicionar tapetes para higienização dos pés, distribuir álcool em gel e máscaras para toda a comunidade. “Como empregados, precisamos exigir dos nossos empregadores equipamentos suficientes para quem estará arriscando suas vidas neste retorno”, afirma a professora Maria Luiza Araújo, diretora da APUBH. O sindicato não descarta a possibilidade de uma greve ou de medidas judiciais para a defesa da vida e saúde dos docentes, estudantes, técnicos e seus familiares.