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O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (Sinepe-Rio) divulgou, no dia 26, um vídeo em defesa da volta às aulas presenciais. Com argumentos contrários às orientações mais elementares das autoridades sanitárias, a propaganda causou indignação nas redes sociais e entre educadores.
No vídeo, uma narradora dispara frases como “Aprendemos a conviver com o vírus”, “O Covid nunca irá de todo, o que acaba é o medo” e “Estudos só confundiram. Trancar todos em casa não é a ciência”.
“É um absurdo. O vídeo chega a ser criminoso”, disse Oswaldo Teles, presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio). “Nega a ciência e, de uma certa maneira, desrespeita os mais de 90 mil mortos pela doença no Brasil”.
O Sinpro-Rio já se manifestou contra a volta das aulas presenciais. “Abrir as escolas agora é colocar em risco a comunidade escolar”, disse Oswaldo. “As escolas devem ficar fechadas até que instituições de pesquisa sérias digam que pode haver um retorno com segurança”.
Enquanto isso, o sindicato apoia o ensino remoto como medida emergencial. “Somos contrários a qualquer tipo de educação a distância para o ensino básico, mas estamos a favor das aulas remotas no contexto da pandemia”, contou o professor, que reconheceu as muitas dificuldades na adaptação ao meio virtual.
Segundo Oswaldo, escolas particulares, algumas delas associadas ao Sinepe-Rio, criticaram o vídeo. “Conversamos com donos e diretores de escolas. Eles precisam voltar por uma necessidade econômica, mas acham que a decisão da volta precisa ter base científica”, afirmou. Segundo ele, entre as escolas estão instituições religiosas de ensino, o Grupo QI, o Colégio São Vicente de Paulo, o Centro Educacional Anísio Teixeira (CEAT) e a Escola Parque.
As duas últimas se manifestaram publicamente sobre o tema.
“Queremos expor nossa perplexidade e nosso veemente repúdio ao vídeo sobre o retorno às atividades presenciais divulgado pelo Sinepe”, diz a nota do CEAT.
O texto também afirma que o colégio “sempre esteve e sempre estará conectado à ciência”. Já a Escola Parque enviou para os pais e alunos um comunicado em que diz: “Embora filiada ao Sinepe-RJ, não concorda com o conteúdo do vídeo quanto às razões para retorno às aulas presenciais”.
“Nós ficamos indignados com o vídeo. Ele não condiz com o que se espera de um sindicato que representa a escola, que representa a educação”, explicou a diretora pedagógica da educação infantil da Escola Parque, Viviane Monteiro. A Parque começou a oferecer atividades remotas para os alunos desde a primeira semana de isolamento social, em março, e não tem previsão para as aulas presenciais. “Nós não tínhamos outra opção. Era o que estava sendo colocado no momento. Não existe a opção de não ter escola. A Parque não se propõe a ser uma escola online. Ela é uma escola presencial que está oferecendo um trabalho online para este momento”, disse.
Um grupo de pais e mães de alunos se organizou para pressionar as escolas particulares contra a volta das atividades presenciais.
Há uma petição pública online com críticas contundentes ao Sinepe-Rio, chamando o vídeo de obscurantista e tratando a posição do sindicato patronal como negacionista da pandemia. “Além do desrespeito à vida e à inteligência das famílias que possuem vínculo com as escolas, desperta horror o descompromisso com suas e seus trabalhadoras/es”, diz um dos trechos do abaixo-assinado, que também exalta a ciência e seu alerta sobre a importância do isolamento social para o controle da pandemia. A petição já conta com a assinatura de mais de 2,8 mil pessoas.
As entidades representativas de professores, técnicos-adminstrativos, estudantes e terceirizados — que se organizaram no Fórum de Mobilização e Ação Solidária, durante a pandemia — lançam um novo boletim unificado. Desta vez, o tema principal da edição é o "Retorno Virtual". Confira AQUI.
Ensino remoto para que e para quem? A pergunta norteou uma das lives do Festival do Conhecimento da UFRJ, no dia 21. Houve críticas à decisão do Conselho Universitário de iniciar o ensino remoto para a graduação e pós-graduação. “Todo mundo sabe quem é mais afetado pela pandemia, mas parece que a UFRJ não presta atenção nisso. Eu moro numa favela e a casa tem infiltração, tem internet instável, quando tem internet. Todas essas situações precisam ser levadas em conta. Não é só uma questão de modem, chip ou dinheiro para equipamento”, defendeu a estudante Thuane Nascimento. “Essa pandemia nos mostra quem vai ser excluído do ensino universitário”.
“Justamente por ser emergencial, (o ensino remoto) não é pensado, não tem uma metodologia bem construída, com professores e estudantes numa relação dialógica”, pontuou a professora Luciana Boiteux, da FND. Para a docente, o ensino superior brasileiro não pode voltar a ser um privilégio. “O que está colocado são falsas possibilidades de escolha que vão aprofundar desigualdades e impactar o futuro da universidade pública”.
Para a técnica e doutoranda da Faculdade de Educação, Daniele Grazinoli, o sistema educacional está abrindo espaço para a lógica privada. “Fomos deixando as lógicas do capital dominarem esta discussão”, disse, em referência ao produtivismo exigido de professores e estudantes na quarentena. “Deveríamos usar este tempo para pensar os processos de educação, não só os processos de ensino”.
A professora Fernanda Vieira (NEPP-DH) definiu o debate sobre aulas remotas como “acelerado e rebaixado”. A docente criticou o parecer da Procuradoria da UFRJ sobre direito autoral e afirmou que entende a demanda estudantil sobre aulas gravadas, mas que não quer ser “a trabalhadora que está adensando a precarização do ensino”. A íntegra do debate está disponível em: https://youtu.be/KCBY5fLurpk.
Voz potente sobre o tema da diversidade, a professora da Escola de Comunicação e primeira trans a completar o doutorado pela UFRJ, Dani Balbi participou do Festival do Conhecimento e mostrou que a diversidade ainda está muito distante. “O projeto de exclusão sistemática das demandas reais de conjuntos e segmentos diversos da população vai ao encontro do projeto politico e ideológico vigente”, analisou a docente que, no dia 17, participou da mesa “Pandemídia: Comunicar a diversidade”.
A docente acredita que existe uma narrativa midiática mentirosa sobre um Brasil homogêneo, onde a diversidade é celebrada. “Esse Brasil não existe”, criticou.
O Festival tratou o tema da diversidade e do preconceito em várias mesas, como a do dia 21, “Conhecimentos, ativismos e subversão do normativo”, com Mônica Benício, militante de Direitos Humanos e ativista LGBTI+. “A gente está falando do país que mais mata pessoas trans no mundo. É isso que a gente chama de normal?”.
Para Mônica, a subversão à normalidade é uma afronta ao sistema. “Nós, LGBTS, somos lidos pela sociedade como os corpos que são os anormais, fora da norma”, contou. “Por si só, a nossa existência é uma afronta às normas da sociedade postas hoje”, afirmou.
A ativista é viúva de Marielle Franco, vereadora assassinada em março de 2018. “Entender o que está por trás do assassinato da Marielle é algo que dialoga muito com o sistema opressor e estrutural/estruturante da nossa sociedade”, explicou Mônica. Ela elogiou o Festival pela promoção do debate. “Para que a gente possa compreender que existe um sistema que está colocado em ordem, mas também existe um outro que está querendo fazer uma subversão dessa dita lógica normal”.
Drag queen e pessoa com deficiência, a produtora cultural Severa Paraguaçu representou o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ no debate. Ela abordou, em uma perspectiva histórica, as raízes do normativo na sociedade. “A República e a democracia são processos”, disse.”A República tem uma estrutura que vem do século 18,construída pelas revoluções liberais”, explicou.
Severa observou que o país apresenta vários problemas de politização.“É um terreno estéril, advindo de uma politica eleitoreira baseada em uma dinâmica de privilégios e carências”, afirmou. “Nosso trabalho é transformar esse terreno estéril em terreno fértil”, concluiu.
Os desafios da gestão universitária em tempos de pandemia mobilizaram um dos concorridos painéis do festival. “Não podemos, nessa pandemia, retroceder nos avanços que tivemos com relação à diminuição da desigualdade brasileira pela via da Educação”, alertou Margarida Salomão, ex-reitora da Federal de Juiz de Fora e atualmente deputada federal pelo PT-MG. Márcia Abrahão, reitora da UnB, na mesma linha, destacou as políticas públicas que democratizaram o acesso ao ensino superior público: “Precisamos garantir que todos os estudantes possam concluir sua jornada acadêmica com sucesso”. O professor Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento da UFRJ, observou como a autonomia universitária é importante na defesa da sociedade em momentos como esse, em que falta uma liderança governamental na Educação. Mas também cobrou políticas econômicas que respaldem esta autonomia.