Foto: Renan FernandesRenan Fernandes
Uma livraria movida por um lema: mais livros e menos farmácias. A aconchegante Casa 11 é um sebo em Laranjeiras em que o lucro não é o objetivo. Muito além de vender livros, a missão é espalhar o amor pela literatura, a promoção da cultura e de iniciativas que promovam a inclusão por meio da leitura. Aberta em 2023, a pequena livraria é mantida por 129 sócios, entre eles 29 médicos e professores da UFRJ.
A professora Ana Lucia Fernandes, da Faculdade de Educação, é uma das sócias da Casa 11. A docente destacou o papel social de valorização da cidadania que o espaço desempenha. “A livraria virou um ponto de referência no bairro, as pessoas passam por aqui, trazem os filhos. Queremos ser uma referência cultural, estreitar laços com a população e os territórios que existem aqui no entorno”, disse.
“Mais que vender livros, queremos ser um centro onde diferentes iniciativas são integradas”, defendeu a professora.
A vontade de transformar a livraria em polo cultural do bairro alcançou as vizinhas favelas Cerro Corá e Guararapes. Em parceria com o coletivo Potencializa, a Casa 11 criou o projeto Madrinha Literária, que oferece livros para as crianças que visitam a livraria. Alguns sócios também se juntaram para pagar um mediador que trabalha na única biblioteca do Guararapes.
Priscilla do Nascimento, professora da rede municipal de educação e moradora do Guararapes, é a idealizadora do Potencializa e também faz parte do coletivo Cerro Corá Moradores em Movimento. Ela comentou a primeira visita das crianças à livraria. “A livraria tem algo mágico e gerou um encantamento no olhar das crianças assim que entraram. Elas desenharam, compuseram uma música e saíram felizes com livros”.
“Essa parceria é uma forma de aproximar a favela do asfalto. Tem a ver com o direito à cidade. É uma mudança de referencial, de saída do território para explorar outros locais”, concluiu.
A livraria promove encontros de discussão e mediação de leitura. “Começamos lendo Antonio Candido sobre o direito à leitura. As pessoas devem ter direito à comida, à habitação, mas o direito à leitura também é fundamental”, explicou Ana Mallet, médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e idealizadora da iniciativa. “O sebo é um espaço muito mais democrático porque os livros estão muito caros. Aqui temos livros a partir de R$ 10”.
A maior parte do acervo do sebo foi doado pela professora Carla Rodrigues, do IFCS. A livraria aceita doações, compra livros novos e tem um espaço dedicado às obras ali lançadas.
O professor aposentado do CAp Américo Freire é coautor da biografia de Frei Betto e foi convidado para uma conversa. “Fiquei contente com o convite. É um espaço fundamental para o bairro, para trocar ideias e falar de livros. O Rio está perdendo as livrarias de rua e essa iniciativa é excelente”. Ele comentou sobre a diferença entre os lançamentos em grandes livrarias e as rodas de conversa na Casa 11. “Aqui é mais intimista, é olho no olho, como um show de jazz”.
LITERATURA QUE CURA
Durante 18 anos, Ana Mallet manteve com outros 16 sócios a livraria Largo das Letras, em Santa Teresa. Após a pandemia da covid-19, a livraria fechou em 2022. Foi durante uma caminhada próximo de casa, em Laranjeiras, que a médica viu o anúncio de aluguel de uma pequena loja em uma galeria e pensou em retomar o sonho.
A Medicina e a Literatura dividem espaço no coração de Ana, que tem doutorado em Cardiologia na UFRJ e um pós-doutorado em Literatura Comparada na Uerj. A médica é coordenadora do projeto de extensão Arte na Veia, que pintou paredes do HUCFF com frases de Saramago e Conceição Evaristo. Ana crê que a literatura pode ajudar a formar médicos mais empáticos.
“Existem trabalhos que mostram que a empatia de um aluno de Medicina cai durante a formação. A gente trabalha com os colegas tentando mostrar que a literatura é importante para ampliar os horizontes, para conhecer coisas novas, para aproximar médico e paciente”.
Em pouco mais de um ano de vida, a Casa 11 já dobrou de tamanho. No entanto, os sonhos dos sócios seguem não cabendo entre as quatro paredes da livraria. Em junho, organizaram a primeira edição da Flila, a Festa Literária de Laranjeiras, que reuniu mais de 2.000 pessoas.
A professora Maria do Socorro de Carvalho, do Instituto de Microbiologia, foi uma das últimas sócias a embarcar no projeto. Conhecida pela organização, é chamada pelos colegas na Casa 11 de “superintendente Socorro”. “Crescemos muito desde a inauguração. A expansão foi uma conquista, a organização da Flila foi um trabalho enorme, mas é muito recompensador”, celebrou. “Para mim esse é um espaço terapêutico. Aqui a gente foge daquela estrutura rígida da UFRJ e tem contato com leituras e debates que vão além do nosso campo de trabalho”, explicou a docente.





