RAPIDEZ Diretora do IMA mostra bioplástico de manga recém-produzido e já com sinais de degradação - Fotos: Alexandre MedeirosUma silenciosa revolução está em curso em um cantinho da Ilha do Fundão. É no Instituto de Macromoléculas, um discreto e agradável prédio anexo ao Centro de Tecnologia da UFRJ, que uma equipe de pesquisadores, liderada pela professora Maria Inês Tavares, vem desenvolvendo bioplásticos que associam os mais avançados recursos de nanotecnologia a princípios ativos extraídos de alimentos e temperos como a manga, a abóbora, a linhaça, o alho, o orégano ou o alecrim.
Esses bioplásticos se degradam em poucos dias no meio ambiente e podem, em breve, como indicam os resultados alvissareiros dos testes em laboratório, substituir os tradicionais e poluentes plásticos sintéticos em várias aplicações.
Não se trata de uma só pesquisa, mas de uma linha de pesquisas com polímeros biodegradáveis. A professora Maria Inês Tavares, que é diretora do IMA, conta que o estudo dos princípios bioativos dos alimentos sempre fez parte de seu horizonte acadêmico. “Os princípios bioativos da canela, por exemplo, foram objeto de minha pós-graduação. Criei então uma disciplina na graduação que associa os alimentos funcionais à nanotecnologia, e desenvolvemos aqui no IMA estudos para encapsular os bioativos dos alimentos funcionais para produzir nutracêuticos (suplementos alimentares)”, recorda ela, que é química de formação.
Os estudos se ampliaram com o uso da nanotecnologia para encapsulamento dos princípios bioativos dos alimentos que, em um dos desdobramentos das pesquisas, começaram a ser usados em polímeros para recobrimento de frutas. A proteção se mostrou eficaz para manter a integridade das frutas por mais tempo e proporcionou o amadurecimento natural do produto. “Desenvolvemos um biofilme degradável com bioativos da chia, que está em fase de obtenção de patente”, diz Maria Inês.
ESTUDOS Professora Lizandra pesquisa propriedades do açafrão
NATUREZA AGRADECE
Ao contrário dos plásticos sintéticos, os bioplásticos não deixam resíduos que poluem o meio ambiente, prejudicando a vida nos oceanos e a saúde humana. “O grande problema é a geração de microplástico. Até um rasgo na calça jeans gera microplásticos. Eles estão no ar, na terra e no mar. Os plásticos convencionais, quando se degradam, pela ação da luz, pelo vento, pelo movimento das marés, geram pequenos fragmentos, que são os microplásticos. Os peixes, por exemplo, acabam se alimentando de microplásticos, e nós comemos os peixes e absorvemos essas partículas em nosso organismo. É uma cadeia. Pode gerar um tumor, por exemplo”, alerta a professora Maria Inês.
Ainda são pouco conhecidos os danos que os microplásticos podem causar ao organismo humano. Um estudo publicado no último dia 16 de setembro no Journal of the American Medical Association (Jama) revelou, pela primeira vez, a presença de microplásticos no cérebro humano. Conduzido por pesquisadores da USP, da Universidade Livre de Berlim, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e do Centro Brasileiro de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o estudo analisou 15 cérebros de pessoas mortas que moravam em São Paulo e encontrou nanopartículas de plástico em oito deles. A maior parte dos resíduos é de polipropileno, encontrado em roupas, garrafas PET e embalagens.
Se a degradação dos plásticos sintéticos é lenta, a dos bioplásticos é muito rápida. A diretora do IMA guarda na estante de seu gabinete um dos primeiros bioplásticos produzidos pelos pesquisadores. É possível ver a olho nu os orifícios de desgaste do material. “Esse polímero é biodegradável pela ação de microrganismos. Pode ser descartado numa composteira, e vai levar 180 dias para perder 90% da sua massa. Se for descartado ao léu, vai demorar um pouco mais. Mas com menos de 300 dias ele vai começar a se degradar, vai se fragmentar aos poucos e ficar do tamanho que os microrganismos conseguem se alimentar”, explica ela.
Estima-se que metade de todo o plástico produzido no planeta seja utilizado apenas uma vez e depois descartado no ambiente. Por isso a substituição dos sintéticos pelos bioplásticos pode reduzir a emissão de microplásticos na natureza. “É certo que os polímeros sintéticos seguirão em algumas aplicações, como peças de avião ou de carro, capacetes e equipamentos de segurança. Mas embalagens, por exemplo, podem ser, na maioria, de polímero biodegradável”, enumera a pesquisadora.
As pesquisas com bioplástico do IMA já utilizaram princípios bioativos da abóbora, da chia, da linhaça, do orégano, do alecrim, da manga, do açafrão, do alho, da pata-de-vaca, do inhame e de outros alimentos.
ESTUDOS RECENTES
Ao menos dois artigos recentes tratam dos avanços da linha de pesquisas do IMA. Ambos foram publicados no periódico inglês Journal of Applied Polymer Science (em português, Jornal de Ciência Aplicada de Polímeros). Um deles mostra a sinergia da UFRJ com outras instituições de pesquisa de ponta: foi coordenado pela pesquisadora Edla Maria Bezerra Lima, da Embrapa, com a participação de Maria Inês Tavares na equipe. Ele aborda o uso de sementes de manga na produção de embalagens para alimentos, reduzindo a geração de microplásticos.
O segundo artigo, que foi a matéria de capa da edição de maio do periódico inglês, versa sobre a produção de filmes alimentares para embalagens biodegradáveis. A principal autora do artigo é a professora Lizandra Maurat, também do IMA. “Queremos criar soluções que sejam viáveis, como o reaproveitamento de resíduos. Tenho uma linha de estudo com meus alunos de aproveitamento do talo da couve, que geralmente vai para o lixo. Fazemos a extração de óxidos metálicos, nanopartículas, com rotas amigáveis ambientalmente, para usarmos nas pesquisas de plásticos biodegradáveis”, diz a pesquisadora, que anda encantanda com as possibilidades de bioativos encontrados no açafrão.
Além de Lizandra, o artigo é assinado pelos pesquisadores Paulo Sergio Rangel, Eduardo Miguez, Vinicius Aguiar e Maria Inês Tavares.
A diretora do IMA está muito otimista quanto ao avanço das pesquisas no instituto, mas faz um alerta. De nada adianta obter bons resultados na produção de bioplásticos se não houver avanço na conscientização da sociedade em relação ao consumo. “A primeira coisa a fazer é tentar diminuir a presença de microplásticos no ambiente. O que já está no mar vai ser difícil tirar, mas podemos evitar gerar mais. Estão se formando ilhas de microplástico no mar. As partículas se misturam com os corais, as conchas, a areia, e formam rochas. A natureza está dando conta do que não conseguimos dar”.





