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Essa coluna, que estreia hoje, passa ser publicada quinzenalmente no Jornal da AdUFRJ

WhatsApp Image 2021 11 12 at 20.54.56 1MAYRA GOULART
Vice-presidente da ADUFRJ, professora de Ciência Política e de Yoga

Esse é um espaço para conversarmos sobre nosso bem-estar físico e mental. Um espaço de acolhimento, reconforto, mas, também, de autorreflexão e transformação. Uma transformação pela reconexão, com nosso corpo, nossa mente, sentimentos, medos, traumas, sem, contudo, cair na falácia da dualidade entre nós e o outro, entre indivíduos e natureza, homem e mundo, corpo e mente.

- Vamos falar sobre equilíbrio, sobre uma outra forma de entendê-lo, que destoa da tradição ocidental que nos forma e para a qual contribuímos enquanto intelectuais.

- Pensar no Ocidente como um sujeito relativamente coeso em termos de uma unidade capaz de ter uma origem e uma estrutura ética comum é um esforço fadado ao fracasso. São múltiplas histórias, origens, percursos e assimetrias. Não obstante, é possível situar as fundações éticas do pensamento ocidental na cultura helenística, enquanto escoadouro de uma paideia construída desde o período homérico, passando pelo período clássico, sendo possível observar no amálgama formado pelo aristotelismo, em geral, e pela doutrina do mesotês (justo meio), em particular, como o fator determinante para constituição de um substrato ético e político comum.

- Essa doutrina, que situa a virtude como o meio estático de um continuum em cujos extremos estão o excesso (hipérbole) e a falta (elleipsis), combina elementos presentes nas contribuições de poetas e pensadores que o precederam para os quais os excessos já eram associados à degeneração, à crise e à violência, sendo a ideia de moderação o antídoto para os males causados por esses vícios. Nas artes, ainda no século V, surge a ideia de que a determinação da beleza passaria por estabelecer uma linha mediana. Na mitologia, esse substrato ético surge na figura de uma divindade, Aidos (Aedos), que seria a personificação da modéstia, do pudor e do respeito, cuja principal qualidade seria a capacidade de se conter. Na medicina, essa mesma ideia aparece nas recomendações de Hipócrates (aproximadamente 460-377 a.C.) acerca da moderação no consumo de comida e bebida. Ao longo dos milênios que nos separam da antiguidade, essa disposição de medicalizar o sofrimento, o trágico, o desconforto, entendendo-o como doença, só se agravou, mediante a criação de padrões e expectativas cada vez mais inalcançáveis.

WhatsApp Image 2021 11 12 at 20.54.56- Na tradição budista, o termo utilizado para expressar uma atitude mental de equilíbrio é Tatramajjhattatâ, traduzido por equanimidade, cujo núcleo semântico é a imparcialidade, o desapego. Diferentemente da abordagem ocidental, que tem na moderação um imperativo que rejeita os extremos, na filosofia budista o excesso e a falta, o choro e o riso, o sucesso e o fracasso são aceitos como inexpugnáveis e, mais do que isso, como estados necessariamente impermanentes. Deste modo, enquanto mentes ocidentais, fomos educados a buscar uma conduta e uma vida de equilíbrio como estratégia para evitar o sofrimento e alcançar o sucesso, acreditando que estes seriam estados permanentes, uma vez alcançados viveríamos uma vida sem frustração, sem dor.

- Esta coluna buscará apresentar um outro ponto de vista, no qual o trágico e a dor não serão abordados (ou diagnosticados, o que é ainda mais grave) como resultado de uma conduta desequilibrada, doentia ou inadequada, como desvios de percurso. Acreditamos que este entendimento só aumenta o sofrimento, incluindo nele uma relação em cascata que a ele acrescenta outros sentimentos como culpa, vergonha, frustração e ansiedade.

- Um ponto de vista no qual o sofrimento é visto como algo constitutivo da vida, sem que isso se desenvolva em uma postura quietista com relação a ele. Ao contrário, nosso objetivo aqui será discutir formas de reduzi-lo através de práticas que aumentem nossa conexão com o mundo, com nosso corpo e mente, mas, sobretudo, que estimulem nossa consciência.

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