No mês da Mulher, a AdUFRJ investiga como as mães são acolhidas pela academia. Em pleno século XXI ainda falta estrutura para receber crianças pequenas. Instituições do Rio são pioneiras em políticas de incentivo às mães
Silvana Sá
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Ser profissional e ser mãe. Dois papéis que poderiam ser complementares, mas que tomam contornos de exclusão, especialmente no Brasil. Ou se consegue ser boa profissional, ou boa mãe, para o senso comum. A academia tem fama de assediar moralmente pesquisadoras grávidas. Um mapeamento realizado pelo projeto Parent in Science descobriu que as pesquisadoras demoram até quatro anos para retomar patamares de produção anteriores à maternidade. Já no mercado privado de trabalho, 48% das mulheres perdem o emprego após a licença-maternidade, segundo pesquisa da FGV.
As universidades, de maneira geral, ainda não têm espaços de acolhimento adequados às mães e seus bebês. “A estrutura para mães ainda é bastante incipiente”, avalia a professora Letícia de Oliveira, Titular da UFF e coordenadora do Grupo de Trabalho Mulheres na Ciência. “É raro achar um espaço no qual exista fraldário ou que seja adequado para amamentação”, exemplifica a docente.
Portaria do Ministério da Educação, de maio de 2017, garante o direito à amamentação nas instituições federais de ensino, mesmo se não houver equipamentos ou ambientes exclusivos para esse fim. “Muitas vezes, as mães ficam com seus filhos e filhas em situações precárias. Algumas instituições não permitem a entrada de mães com filhos nos restaurantes universitários e a presença de bebês em sala de aula não é regulamentada e depende da sensibilidade do professor”, relata a pesquisadora.
Apesar do longo caminho a seguir, é preciso reconhecer avanços, destaca Letícia. “Alguns institutos da UFF já possuem fraldários e políticas de apoio à maternidade têm sido discutidas na graduação e pós”.
Na UFRJ, a única unidade a possuir fraldário é a Faculdade de Letras. O espaço foi inaugurado em 2017 e está disponível para mães e pais estudantes, técnicos e docentes.
A creche, criada em 1981 como medida assistencial para filhos de professores e técnicos, mudou seu caráter em 2011. Uma resolução nacional fixou normas de funcionamento de todas as escolas ou unidades de educação infantil vinculadas à administração pública federal. O documento apontava que a escola precisaria “oferecer igualdade de condições para o acesso e permanência de todas as crianças na faixa etária que se propõem a atender”. A partir de 2013, a EEI passou a oferecer acesso universal por meio de edital de sorteio público.
As ações da universidade em relação às mães, por ora, se limitam ao respeito às garantias estipuladas em lei. Professoras e servidoras, por exemplo, têm direito à licença-maternidade remunerada de seis meses.
As estudantes de graduação têm assegurado o regime domiciliar pela Lei 6.202, de 1975. A legislação garante afastamento de apenas três meses, a partir do oitavo mês de gravidez. Pesquisadoras de pós, com bolsas da Capes ou do CNPq, têm a suspensão das atividades garantidas por 120 dias, para pós-parto ou adoção, com a manutenção da bolsa. Em 2018, a Faperj também adotou essa prática.
As ações podem contribuir para minimizar as desigualdades de gênero no mundo acadêmico. Estudo americano analisou a distribuição de homens e mulheres na ciência por 30 anos. A conclusão foi que mulheres com filhos têm 38% menos chances de atingirem posições estáveis em todas as áreas do conhecimento.
Eleonora Ziller, presidente da AdUFRJ, viveu essa experiência. “O único momento da minha vida em que me vi diferente em relação aos homens foi quando tive meus filhos, porque precisei parar. E meus colegas, mesmo com filhos pequenos, da idade dos meus, mantiveram normalmente sua produção e pesquisas”, relembra.
Para além das licenças, é preciso “que ocorra uma mudança de cultura que incorpore a maternidade como uma atividade humana a ser contabilizada no mundo produtivo”, adverte a pesquisadora Letícia de Oliveira. Algumas iniciativas já estão sendo criadas. A UFF foi a primeira universidade a dar pontuação diferenciada no currículo de pesquisadoras mães recentes em edital para bolsas de iniciação científica. A Faperj realizou avaliações diferenciadas para mães em seus editais Cientista do Nosso Estado e o Jovem Cientista do Nosso Estado. A UFRJ em breve lançará um grupo de trabalho para pensar ações. “O CEPG deve discutir incluir pontuação diferenciada para pesquisadoras mães nos editais internos e PIBIC. Em breve teremos novidades”, conta a reitora Denise Carvalho.
O GT Mulheres na Ciência, da UFF, elaborou um manual com sugestões que ajudam a melhorar o acolhimento a mães e bebês. O documento “Propostas de Políticas de Apoio à Maternidade na Universidade” está disponível no link: https//bit.ly/38mb8i2.
NO MUNDO
A política de apoio à maternidade nos países considerados desenvolvidos varia bastante. Nos Estados Unidos, por exemplo, a licença-maternidade remunerada não é garantida por lei. Há países, entretanto, que possuem uma política mais efetiva de apoio às mães. Na Finlândia, a licença parental é de 14 meses, e pode ser compartilhada com o pai. Na Alemanha, a licença remunerada é de seis meses, que pode se prorrogar por igual período. Depois, é possível ampliá-la por até dois anos sem vencimentos. Na América Latina, Chile e Cuba oferecem 156 dias com 100% dos vencimentos.