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O Jornal da AdUFRJ ouviu seis professores titulares negros, de diferentes unidades e centros da UFRJ, sobre a subrepresentatividade da população negra no quadro docente. Eles contam um pouco de suas trajetórias, avaliam os percauços da vida acadêmica e apontam o racismo estrutural que ainda precisa ser superado na universidade e na sociedade

 

Ana Cristina Barros da Cunha
Professora Titular
do Instituto de Psicologia

WhatsApp Image 2025 11 25 at 19.17.12 5“Eu sou a primeira filha formada em nível superior e em uma universidade pública. Embora tenha tido acesso a uma formação consistente, ela desde sempre foi muito sofrida. Eu estudava como bolsista em escolas de elite, então aprendi desde cedo a ter resiliência. Não era uma resiliência de letramento racial, mas de sobrevivência.

Na universidade, entramos eu e mais 4 estudantes negras. Havia uma enorme falta de pertencimento. O Instituto de Psicologia era um universo branco da UFRJ. Usei essa resiliência para seguir minha graduação. O racismo faz isso. A gente se adequa às estruturas racistas para tentar sobreviver. Isso me ajudou a me posicionar na UFRJ, mas confesso que durante muito tempo fiquei no ostracismo, tentando sobreviver.

A professora Leila Nunes (falecida em 2023) me preparou para a carreira acadêmica. É alguém em quem me inspiro. Ela acreditou em mim. Os alunos negros eram silenciados e com isso, algumas pessoas sucumbiam. Das quatro alunas que entraram comigo, só duas continuaram na graduação. Hoje tenho alunos que são meus filhos acadêmicos e cuido deles buscando ser inspiração para que eles tenham a chance de se sentirem pertencente à UFRJ e sonhar em ocupar no futuro espaços representativos, como eu ocupo hoje.

Imagino que o quantitativo de docentes negros aumente com o tempo. As cotas conferem um futuro mais promissor para aqueles que querem seguir carreira acadêmica. Mas há outros mecanismos que dificultam a construção desses requisitos para a progressão na carreira. Ser titular não é mérito, é resultado de muito trabalho. Percebo que ainda há barreiras atitudinais em muitas unidades, que dificultam a carreira de professores negros.”

 

José Jairo Vieira
Professor Titular da Faculdade de Educação, Pesquisador de Produtividade do CNPq,
Cientista do Nosso Estado da Faperj, representante dos Titulares do CFCH no Consuni

WhatsApp Image 2025 11 25 at 19.17.13 2“Eu trabalho com educação antirracista. É um tema que me acompanha há 31 anos na minha carreira de professor federal. Na docência do ensino superior ainda há grande subrepresentatividade.

Quando entrei no primeiro concurso, na Universidade Federal de Viçosa, eu era o único negro do meu Centro. Depois, fiz novo concurso para a UFRJ, em 2007. De lá para cá, o quadro mudou um pouco. Mas quando você quer desenvolver certos diálogos, algumas interações que dependem da vivência do docente negro, você encontra, sim, certa solidão no percurso.

Estamos em fase de mudança curricular na FE e teremos a disciplina ‘Educação das relações etnico-raciais’ obrigatória para todos os cursos da licenciatura. Também desenvolvemos a disciplina ‘Educação escolar quilombola’, que será eletiva para as licenciaturas. Assim, vamos trabalhando a solidificação da temática antirracista na universidade. Essas disciplinas foram pensadas a partir do diálogo com professores negros. É um exemplo concreto da mudança de perspectiva quando um grupo tem acesso a um espaço de construção do conhecimento. É importante que a gente possa estender essa experiência para todas as universidades brasileiras, de forma a combater o racismo da nossa sociedade. Racismo, esse, que está presente ainda hoje também na universidade. Cadê os professores negros nos espaços de poder? Ainda precisamos, internamente, traçar esses caminhos.”

 

Nilo Pompílio da Hora
Professor Titular da Faculdade Nacional de Direito

WhatsApp Image 2025 11 25 at 19.17.13 1“Eu vejo, ainda, algumas posturas muito refratárias na academia, em especial em programas de pós-graduação. Eu, por exemplo, não consegui ingressar ainda em um programa de pós. Certa vez, logo depois que concluí meu doutorado, pedi a determinado docente para ingressar no programa. Então ele me disse: ‘Tua área do conhecimento não me interessa.’ Essa pessoa continua lá com essa linha de pensamento.

Vejo que quando colegas negros são chamados a integrar algum espaço de poder, eles são sempre colocados em posições secundarizadas. Ou, então, os convites nem chegam. É aquele: ‘Eu gosto de você, mas você não joga no meu time.’ Isso é real e é motivado pela cor da pele. É assim na sociedade e na academia, infelizmente, não é diferente. Estamos em 2025 e ainda há colegas em ilhotas que continuam reproduzindo esses comportamentos de exclusão.

Temos avançado. Há espaços sendo conquistados, demarcados, mas precisamos de mais participação efetiva na academia. É um absurdo termos apenas nove, dez docentes titulares em toda a UFRJ.”

 

Antônio Carlos dos Santos
Professor Titular do Instiituto de Física

WhatsApp Image 2025 11 25 at 19.17.12 3“A UFRJ ainda é o lugar dos herdeiros. É muito comum ver professores da que são filhos, sobrinhos, netos de professores. Com a herança, vem junto o capital social. Abrem-se mais portas para quem tem esse histórico familiar. Ter um sobrenome ainda é muito importante na univesidade.

Muitos colegas negros relatam quase que uma solidão. Trabalham sozinhos porque não têm pares em suas áreas. Não são convidados para bancas, não são convidados para projetos e também não têm o lastro familiar da academia. Quem é negro e está aqui, geralmente é o primeiro da família.

Mesmo quando você ascende na carreira, aquela posição conquistada é reconquistada o tempo todo. O tempo todo você é testado. O docente negro tem que provar seguidamente que está ali por sua competência. E isso afeta o psicológico.

A mudança ainda é muito gradual e lenta. Volta e meia ouço relatos de que uma candidata negra conquista o primeiro lugar no concurso, mas é contestada por uma candidata branca. É um mecanismo perverso que insistentemente questiona a presença desses docentes. Ter que provar que merece estar ali mina a saúde mental.

Uma pessoa branca não tem obrigação de ser a melhor a todo momento; uma pessoa negra tem essa obrigação. É um peso.

Já sofri preconceito até de alunos. Uma aluna branca não aceitou uma explicação minha sobre uma questão da prova unificada. Quando um aluno branco falou exatamente a mesma coisa que eu disse, ela acreditou nele. Veja, eu tenho mais tempo de universidade do que ela tem de vida. Esse é um atestado de racismo que muitas vezes não é reconhecido pela comunidade. Se uma pessoa negra diz isso, é mimimi. Então, muitas vezes você carrega essas agressões consigo sem sequer poder desabafar. É preciso ter resiliência.”

 

Fernando Pereira Duda
Professor Titular da COPPE

WhatsApp Image 2025 11 25 at 19.17.13“Meu avô, pai da minha mãe, era bem retinto. Já a minha avó era indígena. A família do meu pai, que não tive muito convívio, era branca. A mistura é muito grande. Consciência negra passa também por nos reconhecermos melhor. Mas acho que a subrepresentação na UFRJ é algo que talvez vá além da questão de raça.

No meu caso, o que mais marcou foi o fato de ser nordestino, de vir de uma família de agricultura de subsistência. Quando eu tinha 5 anos, minha mãe se separou do meu pai para fugir da violência. Eu e meus irmãos fomos morar com meus avós. Isso me criou uma ‘casca grossa’. O pessoal do povoado chamava o meu avó de negro besta, porque ele fazia questão que os filhos estudassem, algo incomum na época.

Depois que eu saí do interior, eu não encontrava ninguém igual a mim. Fui o primeiro dos irmãos e da minha geração de amigos a entrar na universidade. Depois, fui puxando outros. Ninguém conseguiu nada sozinho. Muita gente ajudou. A nossa conquista é coletiva.

As cotas podem mudar o quadro do corpo docente da universidade, mas há muitas peneiras no meio do caminho. É preciso cuidar da formação básica também. Eu fui privilegiado por conta dos apoios que tive, mas vi muita gente boa ficar no meio do caminho.”

 

Maria Soledade dos Santos
Professora Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery, diretora do Neabi

WhatsApp Image 2025 11 25 at 19.17.12 6“Iniciamos um levantamento com o Coletivo de Docentes Negros para que a gente pudesse se achar, ainda na pandemia. Nesse momento, a gente começa a se ver e perceber que não somos convidados, chamados, reconhecidos para altos cargos. Eu só comecei a integrar funções de gestão na universidade após chegar a Associada. Então, aos poucos, estamos saindo da invisibilidade.

Somos muito poucos e há dificuldades para o ingresso de novos docentes negros. Ainda há uma enorme reparação que precisa ser executada na universidade. Há candidatos que vão bem na primeira etapa do concurso, mas não dão continuidade. Outros, julgam que não foram bons o suficiente e desistem. A gente não sabe bem o que acontece nesse processo. Sou da Comissão de Acompanhamento e, a partir dessas situações, fizemos um conjunto de observações para as bancas, que são majoritariamente brancas e formadas por homens. Esse levantamento levou a construirmos uma base de dados em parceria com a ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros) para listar esses pesquisadores de todo o Brasil. Ouvimos muitas vezes: ‘Ah, a gente não coloca docente preto na banca porque não tem’. Mas na verdade, tem. A Fiocruz usou nosso banco, a USP. Então, a partir dessa possibilidade de entrada desse docente é que poderemos ampliar a participação de docentes negros na gestão. A última reunião do CPEG que fui, só tinham docentes brancos. No CEG, sou a única. O quadro na nossa própria universidade ainda é muito complexo.”

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