Data: 03 de dezembro de 2021
Silvana Sá
O colegiado máximo da UFRJ aprovou por ampla maioria – 40 votos favoráveis, 13 contrários e 2 abstenções – a abertura de negociações com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) para gestão de seu Complexo Hospitalar. Na prática, a reitoria fica autorizada a discutir os termos de uma eventual adesão à estatal, que hoje gerencia 40 hospitais universitários de 32 instituições de ensino superior. A reunião aconteceu de forma remota nesta quinta-feira, dia 2 de dezembro.
O Movimento Barrar a Ebserh na UFRJ realizou nova manifestação no salão nobre do Conselho Universitário e voltou a exigir uma reunião presencial do colegiado, a exemplo do ocorrido no dia 23 de novembro, quando o tema foi pautado pela primeira vez no Consuni. Apesar do uso de máscaras, o distanciamento social necessário à prevenção da covid-19 não foi observado.
Outro desrespeito notado no início da sessão foi o acesso de pessoas não autorizadas na sala de teleconferência utilizando nomes de conselheiros que ainda não haviam acessado o espaço. A sala comportava até 75 pessoas. Os logins duplicados derrubariam a reunião virtual, que precisou ter seu início oficial atrasado enquanto a reitora Denise Pires de Carvalho solicitava que os participantes ligassem suas câmeras para identificar e derrubar os invasores.
Durante a sessão, Denise foi acusada pelas representações estudantis de ter mentido em sua campanha para as eleições da reitoria, em 2019. Na época, a professora afirmou que se empenharia para reerguer os hospitais da UFRJ e que as soluções, naquele momento, não passavam pela empresa. “Eu não menti. A Ebserh não estava em pauta em 2019 porque sequer tínhamos um hospital com infraestrutura que permitisse inciar qualquer discussão naquela época. O passivo de abandono de gestões anteriores foi enorme”, defendeu-se a dirigente. Na ocasião, o Clementino Fraga Filho tinha apenas 176 leitos ativos. “Herdamos um hospital que não tinha perspectiva de se manter aberto não por conta de pessoal, mas de infraestrutura. Hoje temos um hospital com infraestrutura e sem pessoal”, justificou.
Ainda durante o expediente, a professora Mônica Pereira dos Santos, representante dos associados do CFCH, leu carta assinada por 230 professores contrários à abertura de negociações com a empresa. Os docentes argumentaram que a contratação da Ebserh foi abandonada pela universidade ainda em 2013 e que a empresa é “passível de desestatização”. “Os pareceres favoráveis não levam em conta a atualidade sobre o funcionamento da empresa e os riscos de sua contratualização”, diz trecho do documento.
OS PARECERES
A discussão foi subsidiada por cinco pareceres: quatro de pedidos de vista e um do relator da Comissão de Desenvolvimento, professor Walter Suemitsu, favorável ao relatório do GT Ebserh (veja ao lado). Representante dos Titulares do CCMN, o professor Nelson Braga apresentou análise favorável à do relator. “O medo de perder a autonomia, tão alardeado, não se confirmou na experiência vivenciada nas outras universidades. Este medo nos deixou tão somente a liberdade de lamentarmos nossas perdas. Faz-se necessário agora reconhecer os erros do passado e buscar um melhor futuro para a UFRJ”.
Os outros três pareceres negavam a possibilidade de abertura de negociações com a empresa. Um deles foi do técnico-administrativo Francisco de Paula Araújo. No texto, ele acusou a reitoria de não realizar debates democráticos e destacou que não há garantias de aporte de recursos e concursos para pessoal com a contratação da empresa.
A estudante Júlia Vilhena foi autora do segundo parecer contrário. Embora tenha apresentado dados que explicitavam melhoria nos números dos hospitais geridos pela Ebserh, a estudante justificou que não se tratava de médias significativas. “Apesar dos resultados favoráveis em quadro de pessoal, leitos de unidade de terapia intensiva, taxa de ocupação e média de permanência, o teste de Mann-Whitney (método estatístico) mostrou que a variação de internações, consultas e exames, antes e depois da Ebserh, não foi estatisticamente significante”.
O último parecer contrário foi do também estudante João Pedro Pimentel, que sugeria a execução judicial da decisão que indica a substituição de todos os extraquadros por servidores concursados. Ele enfatizou que o problema dos hospitais não é de gestão, mas orçamentário. “É preciso reconhecer o esforço que os responsáveis pela gestão dos hospitais têm empreendido para assegurar condições de funcionamento diante do dramático ajuste fiscal de que são vítimas os HUs”, afirmou.
A DISCUSSÃO
Pró-reitor de Planejamento e Finanças, o professor Eduardo Raupp contou ter sido o relator do processo de adesão da Universidade de Brasília à Ebserh, uma das primeiras instituições a firmarem contrato com a empresa. “Temos mais em comum do que divergências. Estamos todos preocupados com nossos hospitais, estamos todos lutando para que nossos hospitais se reergam”, disse. “Não podemos ter ficado oito anos sem apresentar uma solução para os nossos hospitais. Quando assumimos a gestão na UFRJ, havia trabalhadores extraquadros que recebiam menos de um salário mínimo”, criticou.
Quem também se posicionou em defesa da abertura das negociações foi o diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. O professor Marcos Freire chamou atenção para a necessária defesa da população que precisa dos serviços públicos de saúde. “Eu não ouvi preocupação com os pacientes. Saindo os 850 contratados temporários, a gente volta à estaca zero”, afirmou. “O que precisa agora não é da assinatura de contrato, é da abertura de negociações. Precisamos discutir um contrato que seja bom para nós”, argumentou.
Igor Alves Pinto, representante da APG, criticou falas de ambos os lados que não apresentavam novos dados ou argumentos que pudessem convencer sobre a necessidade ou não da empresa. “Esse debate, como está, nada resolve. Se nós autorizarmos, a universidade vai perder. Se negarmos, a universidade também vai perder”. O conselheiro leu documento, formulado em conjunto com o técnico Roberto Gambine, com sugestões para a etapa de negociações. Dentre os encaminhamentos, estão: a realização de sessão extraordinária do Consuni com a presença de representação da Ebserh para apresentação de sua proposta de contratualização; que a empresa apresente metas de disponibilidade de créditos orçamentários de custeio, investimento e concursos por ano; que a universidade nomeie uma comissão paritária para definição dos limites da proposta de contratualização; e que, após o contrato, a Ouvidoria-Geral da UFRJ seja nomeada como instância de acolhimento das reclamações da comunidade universitária e de usuários dos hospitais.
Relatório defende contratação da Ebserh
O Conselho Universitário desta quinta-feira continuou a discussão com base no relatório produzido pelo grupo de trabalho nomeado pela reitoria para levantar a situação do Complexo Hospitalar da UFRJ e dos hospitais que aderiram à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O documento, finalizado em agosto deste ano, conclui que falta orçamento e pessoal para as unidades de saúde da universidade e que a Ebserh foi capaz de melhorar as contas e sanar os problemas de recursos humanos nos hospitais de sua rede, ainda que com “algum atraso na reposição dos funcionários RJU”. A recomendação final do texto é de abertura imediata das negociações com a estatal.
De acordo com os dados reunidos pelo GT, o Complexo Hospitalar sofreu perda de 20% de sua mão de obra concursada entre os anos de 2009 e 2020. No mesmo período houve redução de 40% dos extraquadros. O estudo indica a necessidade de redimensionamento de pessoal em todo o Complexo Hospitalar, com a contratação de mais 811 pessoas para o HU e 1.899 para toda a rede de hospitais. Em 2020, o complexo reunia 924 profissionais extraquadros e 3.520 servidores efetivos. A maior parte deles lotada no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho: 623 extraquadros e 2.027 efetivos.
Outro dado do relatório se refere a orçamento. Os recursos provenientes do SUS para o HU reduziram de R$ 111,64 milhões, em 2011, para R$ 49,61 milhões, em 2020. O encolhimento de mais de 40% é fruto do fechamento de leitos ao longo dos anos. Para se ter uma ideia, de 550 leitos ativos na década de 1990, o hospital passou a contar com apenas 200 até o ano passado. O número passou para 344 este ano com a abertura de leitos exclusivos para covid-19 e contratação de pessoal temporário para suprir a demanda da pandemia (veja AQUI).
Os números também mostram um encolhimento no número de residências na última década e queda no conceito do curso de Medicina do Fundão no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), de 5, até 2010, para 3, em 2019. (Silvana Sá)