Data: 27 de novembro de 2021
Oito anos após uma longa e difícil jornada de debates que dividiu a comunidade acadêmica, a adesão da UFRJ à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) voltou ao Conselho Universitário, no último dia 23. O relator do processo, professor e decano do CT, Walter Suemitsu, defendeu a abertura de negociações com a empresa.
Um dos argumentos centrais do seu parecer é a posição de diretores do CCS, favoráveis à contratação da empresa para aliviar a profunda crise dos hospitais da UFRJ. “Escutei ambos os lados. Eu me reuni com os diretores dos hospitais, com o coordenador do Complexo Hospitalar, e também com o movimento Fora Ebserh”, ressaltou o decano Walter Suemitsu.
“Há quase dez anos, este debate é feito. Qual é o projeto alternativo à Ebserh até o momento? E qual a urgência de pautar Ebserh correndo aqui?”, criticou Igor Alves. O representante da Associação dos Pós-graduandos, considerou que faltavam dados para sustentar as duas posições. “Estão faltando os números, o problema real. O debate da gestão, na opinião da APG, vem depois que a gente entender os reais problemas do hospital universitário”.
Depois de quase quatro horas de acalorado debate, quatro conselheiros pediram vistas do processo, o primeiro deles o professor Nelson Braga, da Física. O ponto retornará ao colegiado em sessão já convocada para o dia 2.
DEBATE
A reunião de terça-feira foi virtual, mas integrantes do movimento Barrar a Ebserh ocuparam presencialmente o salão do Consuni com faixas de protesto e alguma aglomeração, o que foi muito criticado por docentes do CCS, entre eles a professora Ligia Bahia, médica e ex-vice-presidente da AdUFRJ. “Estamos ainda em um contexto epidemiológico que requer respeito às regras sanitárias. Vocês estão pondo pessoas em risco e a si próprios também”, escreveu no chat da transmissão, no Youtube.
Os técnicos e estudantes reivindicaram o retorno das reuniões presenciais do Consuni. A proposta não foi acatada pela reitoria, em função das questões de biossegurança.
Representante dos técnicos-administrativos, Roberto Gambine disse que a convocação da sessão para o dia 23 não permitiu a conclusão de um parecer alternativo ao do professor Walter. “Todos nós aqui estamos imbuídos de encontrar a melhor solução para os nossos hospitais. Estamos fazendo esse esforço de formulação. Justamente por isso, estamos solicitando ao conselho que permita trazer a nossa avaliação, de forma organizada, que contribua para o debate”.
Já o representante dos professores titulares do CCS, professor Roberto Medronho, recordou o histórico de discussão da Ebserh na UFRJ. Ele lembrou que o assunto fratura a universidade desde 2013, quando o tema foi retirado de pauta em uma sessão turbulenta que terminou em pancadaria e registros policiais. De lá para cá, a empresa passou a administrar 40 hospitais em todo o país e a UFRJ optou pelo modelo de criação do Complexo Hospitalar.
“O Complexo foi constituído e os nossos graves problemas não foram resolvidos”, disse Medronho, acrescentando que os conselheiros proponentes em 2013 da chamada proposta alternativa à Ebserh se elegeram para a reitoria pouco tempo depois, entre eles Gambine, pro-reitor de Planejamento na gestão do ex-reitor Roberto Leher. “Eles tinham os instrumentos concretos para fazer valer esta proposta alternativa à Ebserh. E não fizeram. E não foi porque não quiseram. Foi porque há um entrave no modelo da gestão ”.
O diretor do Hospital Clementino Fraga Filho, Marcos Freire, também participou do debate. “Estamos vivendo os mesmos problemas dez anos depois. Ebserh não é uma bandeira político-partidária. Não foi esse governo que criou. Foi lá atrás. É uma empresa pública. Não tem nada de privatização”, afirmou.
Também no chat da transmissão do Consuni no Youtube, o professor Pedro Lagerblad de Oliveira, do Instituto de Bioquímica Médica e ex-diretor da AdUFRJ, alertou para uma questão trabalhista. Observou que ser contrário à Ebserh seria, na prática, defender o trabalho precário atualmente exercido por cerca de mil funcionários extraquadros em todo o Complexo Hospitalar, que não possuem qualquer garantia trabalhista.
ADUFRJ
A diretoria atual da AdUFRJ está atenta à tramitação da proposta no Consuni. “O compromisso da nossa gestão é com o debate, amplo e diverso, sobre todo e qualquer tema. Particularmente em relação à Ebserh, o sindicato realizou, na semana passada, um debate com docentes que defendem posições opostas. Foi uma discussão rica e esclarecedora, e vamos continuar nesse caminho”, resumiu o professor João Torres, presidente da AdUFRJ.
FERNANDO HADDAD DEFENDE ADESÃO DA UFRJ
O debate sobre a adesão à Ebserh ultrapassou os muros da UFRJ. Um áudio de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação, circulou entre os conselheiros do Consuni. Ele afirmou ter preparado o depoimento a pedido de colegas da UFRJ para fazer o contraponto a fake news de privatização dos hospitais, via Ebserh. Foi sob sua gestão (2005-2012) no MEC que a empresa foi criada em 2011.
“Nós criamos a Ebserh com a finalidade de reestatizar os hospitais públicos universitários. Estava acontecendo uma privatização dos hospitais mediante um expediente que era usar as fundações de apoio para contratar pessoal sem nenhuma transparência, sem orçamento definido na forma da lei”, afirmou. “Criamos uma empresa estatal, 100% pública, 100% SUS por lei”.
O ex-ministro argumenta que a adesão da UFRJ ajudará a transformar a Ebserh em um dos maiores complexos estatais de hospitais universitários do mundo em número de leitos, pesquisa e em campo de prática. “Basta consultar qualquer diretor de hospital que pertença à Ebserh. Vão ver que a autonomia está garantida, que a transparência está garantida”, disse.
Haddad observou que a criação da empresa integrou reformas realizadas em sua gestão, como o Reuni, o Enem e as políticas afirmativas. Mudanças que sofreram “a mesma resistência do mesmo grupo reacionário, sectário, que tem dificuldade de entender a modernização e a progressão destes expedientes que dão mais segurança para a população e para o serviço público”.
“Se eu voltasse dez anos atrás, faria ainda com mais empenho à luz dos resultados que obtivemos em relação aos hospitais, que hoje vivem uma situação muito diferente daquela que encontrei quando assumi o Ministério da Educação em 2005”, disse. “Espero que tomem a melhor decisão”, concluiu Haddad.
EMÉRITO DIZ QUE CONTRATO VAI INTERFERIR NO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
O professor emérito Nelson de Souza e Silva representou o Movimento Barrar a Ebserh na UFRJ, durante o Consuni. “Estudo este problema da contratualização com a Ebserh há mais de dez anos. Trata-se de um contrato de gestão do Complexo Hospitalar e de Saúde com cessão de patrimônio e de pessoal da UFRJ, que é uma autarquia pública especial, para uma empresa estatal dependente, com personalidade jurídica de direito privado, prestadora de serviços hospitalares”, diz.
“Hoje, todos os hospitais das universidades que contrataram a Ebserh não são mais hospitais universitários. São hospitais da Ebserh, portanto, prestadores de serviços de saúde, pois esta é a função primordial da empresa pública de direito privado”, argumenta. A empresa é uma “estatal dependente” porque também recebe recursos do orçamento federal e, entre outras leis, é regida pela lei das sociedades anônimas.
O docente, professor titular da Faculdade de Medicina, observou que a adesão de um hospital universitário à Ebserh representa interferência no ensino, na pesquisa e na extensão em toda a universidade. “A empresa vai gerenciar os hospitais de acordo com os interesses de uma empresa, que, por definição, são interesses mercantis. Ela vende serviços e aufere recursos de outras fontes, até de aplicações financeiras. Uma autarquia pública especial autônoma, como a UFRJ, tem que atuar dentro do princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, disse. “A empresa, por exemplo, já está fazendo concursos para residentes. Os residentes não são mais da universidade, são da empresa. E assim é, e será, com todo o pessoal contratado por ela”.
O professor também questionou o argumento de que a Ebserh trará mais recursos para os hospitais, que hoje já recebem verbas do orçamento federal, do Rehuf (Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais) e do Fundo Nacional de Saúde. “Estes recursos agora vão para a empresa”, criticou. “Para que ela serve então? A lei que criou o Rehuf, sim, estava correta, pois aumentou os recursos para os HUs”, concluiu.