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WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.05 1"O problema não veio do nada, trabalhamos estes 20 anos com dificuldades”, conta Regina Dalcastagnè, editora-chefe da recém encerrada revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, da Universidade de Brasília (UnB). A trajetória do periódico, que possui conceito A1 na Capes, terminou por falta de financiamento no fim de maio. “Em alguns momentos a gente teve financiamento da Capes e do CNPq, o que dava uma desafogada e seguíamos o trabalho”, lembra. A asfixia financeira que fechou a revista e ameaça outros periódicos no país foi agravada de 2019 para cá: em 2018, foram R$ 4 milhões para as publicações, mas o valor caiu para R$ 1 milhão em 2019 e, em 2020, não houve sequer chamada para financiamento.

No caso da revista da UnB, devido ao árduo trabalho desenvolvido pelos voluntários da revista, ela se profissionalizou ao patamar mais alto entre as publicações científicas brasileiras. “Muita gente tem interesse em publicar numa revista mais conceituada. Tudo isso vai gerando mais trabalho, e nos últimos anos o que a gente viu foi o financiamento se extinguir definitivamente”, afirma. “Sempre trabalhamos gratuitamente, mas precisávamos do mínimo para manter alguns profissionais”, completa.
Para sustentar as publicações quadrimestrais, o periódico precisa pagar alguns serviços técnicos, explica Regina. “Temos que pagar alguém para fazer a secretaria da revista, a pessoa que faz o meio de campo entre os autores e editores. Também um revisor de texto, a revista precisa ter um padrão de revisão, e de tradução para outras línguas, como inglês e espanhol”. Ainda é necessário contratar um profissional para a diagramação da revista e, por fim, a transcrição para o XML, linguagem própria exigida pela Scielo, o principal indexador do país, que abriga a revista. Segundo Regina, “nada é abusivamente caro”, mas sem esses profissionais é impossível trabalhar. “A gente resiste, trabalhamos muito tempo com o mínimo, sem apoio, mas tem uma hora que a gente precisa refletir se é por aí”, conta a editora.
“Conversei com editores de outras revistas de diversas áreas, e a situação está muito difícil para todos”, relata. “Estão todos estrangulados, com uma dificuldade imensa para continuar existindo. Não é pontual, é uma sensação geral”, assegura.

DECISÃO POLÍTICA
Em manifesto sobre a situação dos periódicos científicos brasileiros (veja a íntegra abaixo), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) denunciaram que a falta de investimentos é uma escolha política, e não econômica.
“Essa situação alarmante, que prejudica e inviabiliza revistas científicas, decorre do fato de que não estão sendo mais realizados os editais de financiamento para a editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros de alta especialização em todas as áreas de conhecimento, pelas agências de fomento CNPq e Capes, como ocorria em anos anteriores”, explica o manifesto.
Para Luiz Davidovich, presidente da ABC e professor do Instituto de Física da UFRJ, esses cortes são parte de um projeto para destruir a Ciência e a cultura no país. “Essas revistas ganharam presença e importância no cenário nacional através de décadas de trabalho, demoraram anos para se estabelecerem”, lembra. “Em 2020 não houve chamada, é um processo de morte que está ameaçando essas revistas. Isso é ir contra um esforço que levou décadas para construir prestigio. As revistas têm um papel muito importante na afirmação da Ciência e da cultura no pais”, afirma.
Davidovich acredita que é muito fácil resolver o problema de financiamento, pois se trata de recursos mínimos se comparados ao orçamento brasileiro. “Nós estamos falando de recursos que são pequenos. Em 2018, era um total de R$ 4 milhões. Se pensar nos recursos que estão sendo valorados pelo país? Por exemplo, o total da dívida pública é da ordem de R$ 5 trilhões. O que representam R$ 4 milhões nisso?”, reflete. “Isso parece uma decisão politica, e não econômica. O que preocupa mais ainda”, completa.
Ildeu Moreira, presidente da SBPC, concorda com o colega. “São recursos de ordem pequena para a Capes e o CNPq. É uma desculpa não fazer o edital nesse ano”, afirma. “Atualmente, o país gasta cerca de R$ 300 a 400 milhões para adquirir direitos de periódicos internacionais, mas não dedica nem 1% desses recursos para as revistas nacionais”, critica. Para Ildeu, o edital é fundamental para o país. “Para manterem revistas de qualidade. Algumas revistas foram tão bem que conseguiram contatos internacionais para se manter. É um processo de afirmação dos periódicos nacionais”, define.
PORTAL DA UFRJ
O Portal de Revistas da UFRJ (https://revistas.ufrj.br) abriga as revistas científicas eletrônicas produzidas na universidade. É uma iniciativa institucional, alinhada aos princípios do Acesso Aberto e possui como objetivo promover o acesso, a visibilidade, a segurança e o suporte aos editores dos periódicos científicos da Instituição. Não envolve custos, pois o Portal de Periódicos Eletrônicos foi idealizado e implementado pela pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PR-2), em conjunto com os editores das revistas dos Programas de Pós-graduação da UFRJ, com o apoio da Superintendência de Tecnologia da Informação e Comunicação (SuperTIC) e do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI).
São, ao todo, 68 revistas científicas correntes, editadas pela comunidade universitária, nas várias áreas do conhecimento, e a maioria delas, que possuem conceito A ou B, está também indexada no Portal Capes de Periódicos. Segundo Paula Mello, coordenadora do SiBI, os periódicos não correm risco porque estão num servidor da universidade. “São editados e preparados pelo pessoal da casa. Os periódicos que correm risco de fechar pagam servidor externo, dependem de financiamento”, explica. O Portal de Revistas utiliza o Open Journal Systems (OJS 2.4.8.5), sistema de código livre gratuito para administração e publicação de revistas desenvolvido com suporte e distribuição pelo Public Knowledge Project sob licença GNU (General Public License).

MANIFESTO SOBRE A SITUAÇÃO DOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

A Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entidades que procuram contribuir sempre para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, para a educação e para a cultura brasileira, manifestam sua grande preocupação com a falta de recursos financeiros para periódicos científicos brasileiros e com as notícias recentes sobre o fechamento de revistas científicas e sobre situações de descontinuidade em muitas outras.
Nas revistas científicas de diferentes áreas de conhecimento são apresentados resultados de pesquisas, observações e análises relativas a acontecimentos e fenômenos na natureza e na sociedade, experiências e propostas inovadoras, novas ideias, teorias e modelos. A partir da interação entre os autores e seus pares o conhecimento científico progride. As revistas científicas têm, portanto, grande importância uma vez que, sem essa comunicação, a Ciência não avança. Nossas entidades têm conhecimento de que diversas revistas científicas nacionais estão sofrendo sérias restrições com a falta de financiamento e até paralisando suas atividades, sendo que muitas estão classificadas, em suas áreas, com as avaliações mais elevadas do sistema Qualis da Capes.
Essa situação alarmante, que prejudica e inviabiliza revistas científicas, decorre do fato de que não estão sendo mais realizados os editais de financiamento para a editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros de alta especialização em todas as áreas de conhecimento, pelas agências de fomento CNPq e Capes, como ocorria em anos anteriores. A Capes, que anteriormente aportava recursos para essa atividade essencial para a pós-graduação, considerando que tanto os programas como os pesquisadores individuais são avaliados pela sua produção científica publicada em revistas especializadas, interrompeu o seu apoio. Ela mantém, e é essencial que continue a fazê-lo, o Portal de Periódicos que abarca periódicos do exterior. A Chamada de 2019 do CNPq, para periódicos científicos brasileiros, teve apenas R$ 1 (um) milhão de reais, enquanto que, na Chamada de 2018, foram destinados R$ 4 milhões (R$ 2 milhões provenientes do CNPq e R$ 2 milhões da Capes). A Chamada de 2020 simplesmente não existiu. Tem havido, claro, redução de recursos para estas agências, mas isto não oferece uma justificativa plausível para a suspensão destas chamadas, porque trata-se de uma questão prioritária e os recursos necessários são relativamente pequenos.
As entidades signatárias solicitam às agências federais de fomento, CNPq e Capes, e poderia ser articulado também um apoio das fundações estaduais de Amparo à Pesquisa, providências emergenciais para resolver essa demanda crucial para a Ciência brasileira. Ao mesmo tempo, reafirmamos categoricamente que, sem recursos adequados para o fomento à pesquisa, sem bolsas para estudantes de graduação e de pós-graduação e para pesquisadores, sem apoio à infraestrutura das instituições de pesquisa e, também, sem revistas científicas, a ciência brasileira tenderá ao esgotamento. Sem revistas científicas não haverá Ciência e a cultura brasileira ficará empobrecida.

Luiz Davidovich
Presidente da Academia
Brasileira de Ciências (ABC)

Marco Lucchesi
Presidente da Academia
Brasileira de Letras (ABL)

Rubens Belfort Mattos Jr
Presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM)

Ildeu de Castro Moreira
Presidente da Sociedade
Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC)

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