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WhatsApp Image 2023 06 01 at 20.15.51 5OS PROFESSORES Claudio e Rodrigo (de barba) consideram o projeto muito promissor - Fotos: Igor VieiraPor Igor Vieira

 

Em um laboratório no Instituto de Física, em um local quase despercebido, uma equipe de pesquisadores mexe com dois aparelhos de aparência simples. Mas dessa falsa simplicidade e da pesquisa feita nesse discreto laboratório da UFRJ podem surgir respostas sobre a origem do universo.

São eles os sete pesquisadores do LASER, Laboratório de Super-Espectroscopia do Rio, que assinam um artigo sobre a primeira etapa do seu projeto inovador, já publicado na prestigiada revista Nature. O laboratório faz parte do experimento ALPHA, uma colaboração internacional do CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear.

A pesquisa do ALPHA pretende comparar as características da matéria e da antimatéria em altíssima precisão. Segundo o professor Claudio Lenz Cesar, do LASER, “caso sejam diferentes, teorias na base da Física, amplamente aceita por cientistas, seriam colocadas em xeque, revolucionando o campo da Física e da Ciência como um todo”. O professor explicou o que diz a Teoria do Big-Bang: “No início foi criada matéria e antimatéria. Porém, hoje não encontramos antimatéria primordial na natureza e no espaço. Se é verdade, onde ela está?”.

A diferença entre hidrogênio e anti-hidrogênio ainda será comprovada. “Há sim a chance de um prêmio Nobel para o experimento. Para testar isso, temos que aumentar a precisão da comparação e conseguir uma técnica para colocar hidrogênio na mesma armadilha de anti-hidrogênio no CERN”, revelou o professor. No laboratório da UFRJ, porém, há duas inovações já feitas: a Armadilha de Íons, e uma Fonte de Íons Frios obtida de maneira direta.WhatsApp Image 2023 06 01 at 20.18.03

O professor do Instituto de Física explicou o que já foi feito e as etapas seguintes. “Com a nossa técnica de Fonte de Íons Frios, podemos gerar íons de espécies variadas de átomos e moléculas, em baixas temperaturas. A Fonte produz átomos, moléculas e íons frios e a armadilha aprisiona íons ou elétrons. Replicando isso no aparato no CERN, poderemos aprisionar o ânion (íon negativo, com elétron extra) de hidrogênio frio e depois transportá-lo para a armadilha de íons do ALPHA. Em sequência, o elétron extra é retirado, deixando hidrogênios neutros na armadilha. Assim, teríamos hidrogênio e anti-hidrogênio no mesmo ‘ambiente’, possibilitando a comparação direta”, detalhou o pesquisador.

Por enquanto, o íon de hidrogênio só é aprisionado por um segundo na UFRJ. “Aprisionar uma maior quantidade, de uma amostra mais fria ainda, e por mais tempo, é o objetivo da segunda e da terceira etapas”, anunciou Claudio.

O aparato no CERN estuda o átomo de antimatéria em até 12 casas decimais. “Almejamos atingir uma precisão maior, de 15 casas decimais. Com o anti-hidrogênio e o hidrogênio ‘presos’ na mesma armadilha e sujeitos ao mesmo laser, vamos poder comparar os dois e descobrir se eles se comportam de forma diferente ou igual em altíssima precisão”, cravou o professor.

Apesar da ansiedade para essa implementação no CERN, em 2025, o professor do IF Rodrigo Sacramento, também do LASER, afirma que o artigo já é revolucionário. “A Armadilha de Íons já existe, mas fizemos a partir de uma técnica nova. Quanto à Fonte de Íons Frios, não havia até então, no mundo, nenhuma técnica que permitisse a produção direta de ânions de diferentes átomos a baixas temperaturas”.

O tipo de armadilha construído na UFRJ, o Penning, também não existia na América Latina, atesta o professor Rodrigo. “Elas foram projetadas e construídas por pesquisadores brasileiros em solo nacional. Agora, qualquer pesquisador do país pode construir os aparelhos, sem muito custo, e utilizar para diversos fins. Inclusive na UFRJ”.

As aplicações são incontáveis: construir computadores e relógios quânticos, estudar a formação de moléculas nas condições do espaço interestelar, para pesquisas no campo da Astrofísica, Bioquímica, Física Básica, entre outros. “A ideia do artigo é mostrar como os aparelhos podem ser plurais, inclusive utilizados para pesquisas de forma que desconhecemos. Essa é a ‘graça’ de desenvolver uma nova técnica”, afirma o professor Rodrigo.

A divulgação do artigo é recente, mas a ideia foi concebida em 2020, quando o doutorando Levi Oliveira ainda estava na Iniciação Científica. “Eu ia frequentemente ao laboratório durante a pandemia fazer testes, elaborar resultados e discutir com os professores”, disse Levi, reconhecendo a confiança que os docentes depositaram nele. Para ele, a divulgação científica é essencial. “Esse trabalho é muito bom para a Ciência nacional. Nós, físicos, temos que divulgá-lo”, afirmou Levi. “Muitas vezes, as pessoas não têm noção do que está sendo feito aqui dentro”.

COMPETITIVIDADE
Em relação ao financiamento da Ciência na UFRJ e no Brasil, o professor Rodrigo utilizou o termo ‘cientificamente competitivo’. “Nós sofremos com a falta de recursos necessários, que os pesquisadores do exterior têm. Daqui a dois anos, é possível ‘pipocar’ fontes como essa mundo afora, para fazer pesquisas e testar aplicações que não temos como fazer”.

Para o professor Rodrigo, a questão da armadilha de íons se trata da soberania científica do país. “São e serão desenvolvidos sistemas lá, que, caso desenvolvidos aqui, nos colocariam em outro patamar. É importante termos alguém que faça essa tecnologia nacionalmente”. Um exemplo disso é a falta de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) durante a pandemia da covid-19, que era importado. O Brasil sofreu com a escassez”.

Outro exemplo é o computador quântico, inexistente no hemisfério Sul. “As empresas e governos dos países ricos estão desenvolvendo esses computadores, capazes de cálculos extremamente complexos para, por exemplo, quebrar criptografias de arquivos. Essa é uma questão de interesse nacional, o país que desenvolver isso antes, poderá se proteger”, disse o pesquisador Claudio.

Os professores confirmam que o financiamento para esse trabalho é quase inteiramente de um edital temático da Faperj, de 2019. Eles concordam, no entanto, que é impressionante o que a UFRJ faz com poucos recursos. “Poderíamos fazer muito mais”, sonham os mesmos professores prestes a desvendar um dos mistérios do universo.

A íntegra do artigo pode ser conferida no site da Revista Nature: https://www.nature.com/articles/s42005-023-01228-7

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