facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Largo São FranciscoFaculdade de Direito da USP: berço das cartas de 1977 e 2022 - reprodução: internetSempre.
É com esse advérbio de tempo, o mais belo de todos, que se encerra a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, que será a epígrafe dos atos em defesa da democracia no próximo dia 11 de agosto e que reunia, até o fechamento desta edição, 801.012 assinaturas. Passados 37 anos de nossa redemocratização, após 21 anos de ditadura — de 1964 a 1985 —, nunca foi tão necessário reafirmar esse “sempre”, diante das ameaças golpistas emanadas diariamente do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.
Há 45 anos, a “Carta aos Brasileiros”, que inspirou o atual manifesto, também foi ungida sob tempos sombrios. Corria o ano de 1977 e o governo do general Ernesto Geisel, que prometera uma abertura política “lenta, gradual e segura”, baixou o Pacote de Abril, pleno de retrocessos: fechou o Congresso, alterou regras eleitorais e criou a figura do “senador biônico” (leia mais sobre a Carta de 1977 na página 5). Naquele agosto de 1977, a carta lida na Faculdade de Direito da USP terminava com outro advérbio de tempo, então tão necessário quanto premente, em defesa do Estado Democrático de Direito. Já!
A Carta de 1977 ajudou o país a retomar o caminho da democracia, hoje tão agredida. O capitão que vê seu sonho de reeleição cada vez mais distante flerta desde o início de seu desgoverno com o autoritarismo. Faz ataques constantes ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Levanta suspeitas sem provas contra as urnas eletrônicas e diz que não aceitará o resultado das eleições — fez isso, inclusive, em uma tão patética quanto acintosa exposição a embaixadores em Brasília, em 18 de julho.
A Carta de 2022 pode ser interpretada como um grito em defesa da preservação do arcabouço institucional que sustenta, desde 1985, a democracia brasileira. Ela defende o sistema eleitoral: “Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral”.
Sem citar nomes, a carta refuta os ataques bolsonaristas à democracia e os compara ao que ocorreu após a eleição de Joe Biden, nos Estados Unidos, na invasão ao Capitólio insuflada pelo derrotado nas urnas, o ex-presidente Donald Trump, em janeiro de 2021. “Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão”.
O primeiro esboço da carta nasceu a partir da iniciativa de um grupo de ex-alunos da Faculdade de Direito da USP, com a intenção de homenagear os 45 anos da “Carta aos Brasileiros” de 1977. O esboço tomou como base a defesa do sistema eleitoral e o respeito ao resultado das urnas, sem viés partidário.
O grupo levou o esboço da carta ao diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo. Ele, que viu com seus olhos de estudante de Direito da USP a leitura da Carta de 1977, abraçou a ideia e se prontificou a hospedar o documento no site da faculdade. O curioso é que Campilongo ponderou ao grupo que “seria bom ter umas 200, 300 assinaturas já na largada, para fazer volume”. Foi de uma humildade premonitória. Quando foi postada no site, em 26 de julho, a carta já tinha mais de 3 mil adesões.
Em menos de 24 horas de exposição, o texto já acumulava 100 mil assinaturas, reunindo desde banqueiros e empresários a artistas, juristas, professores, profissionais de diversas áreas, aposentados e estudantes. Estão lá ex-ministros do STF, como Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence; banqueiros como Candido Bracher, Pedro Moreira Salles e Roberto Setúbal; empresários como Horácio Lafer Piva (Klabin), Walter Schalka (Suzano) e Pedro Passos (Natura); artistas como Chico Buarque, Fernanda Montenegro e Dira Paes.
Na mesma medida em que angariava adesões, o documento suscitava a ira de Bolsonaro. Em 28 de julho, dois dias após a divulgação do manifesto, o presidente sentiu o golpe e postou em seu perfil no Twitter: “Carta de manifesto em favor da democracia. Por meio desta, manifesto que sou a favor da democracia. Assinado: Jair Messias Bolsonaro, presidente da República Federativa do Brasil”. Com a crescente adesão da sociedade civil à carta e a mobilização de várias entidades para os atos de 11 de agosto, o capitão, como é de seu feitio, foi perdendo a linha.
Incomodado com outro manifesto, este reunindo entidades empresariais e da sociedade civil, organizado pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, Bolsonaro criticou a iniciativa em uma live, em 28 de julho. “Eu não entendi essa nota, que foi patrocinada pelo nosso querido filho do vice do ex-presidente Lula, seu Josué Gomes da Silva. É uma nota política em ano eleitoral”, disse.
Na última terça-feira (2), Bolsonaro voltou a atacar ministros do STF e do TSE. Na véspera, na volta dos trabalhos do STF após o recesso de julho, o presidente da Corte, Luiz Fux, reafirmara a confiança no sistema eleitoral brasileiro, qualificando-o como “um dos mais eficientes, confiáveis e modernos de todo o mundo”, e o capitão perdeu as estribeiras em entrevista à Rádio Guaíba. “Com todo respeito ao Fux, de vez em quando nós trocamos algumas palavras aqui, ele é chefe de Poder. Mas, no mínimo, para ser educado, (foi) equivocado. Ou fake news (a declaração). Que deveria estar o Fux respondendo processo no inquérito do Alexandre de Moraes, se fosse um inquérito sério. E não essa mentira, essa enganação, que são esses inquéritos do Alexandre de Moraes”.
Na mesma entrevista, Bolsonaro atacou o ministro Luís Roberto Barroso por ter se posicionado contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que instituía o voto impresso: “Interferência direta do Barroso dentro do Congresso Nacional para não aprovar o voto impresso. Interferência política, isso é crime previsto na Constituição. O Barroso é um criminoso”, disparou. Por fim, ele atacou os que assinam o manifesto da USP: “Esse pessoal que assina esse manifesto (é) cara de pau, sem caráter”.
O desespero com a possibilidade de perder a eleição e, mais que isso, de ser preso, como já externou a colaboradores, tem atormentado o capitão. Ele tem convocado seus apoiadores para as comemorações do Sete de Setembro, data em que, no ano passado, elevou ao mais alto grau as suas ameaças golpistas.
Nesse contexto, a nova carta aos brasileiros e os atos de 11 de agosto são como antídotos. Em seu trecho final, diz a carta: “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!”.
Não custa repetir o mais belo de todos os advérbios de tempo.
Sempre.

Carta às brasileiras e aos brasileiros em
defesa do Estado Democrático de Direito

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava, também, o restabelecimento do Estado de Direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os Poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “ Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição ”.

Nossas eleições, com o processo eletrônico de apuração, têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de serem atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos, recentemente, a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá, as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa, necessariamente, pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!

 

Topo