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WhatsApp Image 2022 07 18 at 00.13.27“Aqui é Bolsonaro!”.
Com esse grito de guerra, como se fosse um salvo-conduto para matar, o policial penal federal bolsonarista Jorge Guaranho invadiu a festa de aniversário de 50 anos do guarda municipal Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), e o assassinou a tiros na frente da família e de amigos, no último domingo (10). A festa tinha como tema o PT e o ex-presidente Lula. O crime foi o ápice de uma escalada de violência que incluiu, em pouco mais de uma semana, outros episódios preocupantes: em Brasília, um ataque ao carro do juiz que mandou prender o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, acusado de corrupção; em São Paulo, um tiro numa vidraça do prédio do jornal Folha de S.Paulo; no Rio, uma bomba com fezes lançada sobre a multidão no comício do candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva.
A menos de três meses da eleição, o assassinato em Foz do Iguaçu acendeu a luz amarela no horizonte da política nacional. O que esperar do acirramento da violência na campanha? Como será o período entre o pleito e a posse do eleito — sobretudo sendo Lula o escolhido nas urnas? E como esse discurso de ódio, alimentado diariamente pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, sobreviverá a uma retomada da Presidência pelo campo democrático? Para refletir sobre essas e outras questões, o Jornal da AdUFRJ ouviu acadêmicos da UFRJ atentos aos lances da cena política brasileira. E deles colheu uma triste constatação: do desgoverno Bolsonaro, durante ainda um bom tempo, o ódio será a nossa herança.
“Acho que a violência vai ser a tônica dessa campanha. A violência política é usual no Brasil em algumas eleições, sobretudo municipais. Mas no âmbito nacional, em eleição presidencial, não havia essa marca. Eu acredito que no pós-eleição nós teremos surtos de violência, e essa violência será um legado do governo Bolsonaro, ela vai se manter no horizonte político por algum tempo. Assim como a violência não política. Quando a gente tem um mandatário que reivindica a violência, a gente vê, por exemplo, o aumento da truculência policial. Você tem um guarda-chuva simbólico para o uso da violência”, avalia a cientista política Mayra Goulart, professora do IFCS e vice-presidente da AdUFRJ.
Tudo leva a crer que o guarda-chuva simbólico ao qual Mayra se refere está por trás do assassinato em Foz do Iguaçu. Mas nesta sexta-feira (15), em entrevista coletiva para expor as conclusões do inquérito, a delegada responsável pelo caso, Camila Cecconello, da Polícia Civil do Paraná, descartou motivação política e disse não haver provas de crime de ódio. “Para você enquadrar em crime político, tem que enquadrar em alguns requisitos. É complicado a gente dizer que esse homicídio ocorreu porque o autor queria impedir os direitos políticos da vítima. Ele tinha a intenção de provocar. E a gente avalia que a escalada da discussão entre os dois fez com que o autor voltasse e praticasse o homicídio. Parece mais uma coisa que se tornou pessoal”, disse a delegada. Guaranhos foi indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo torpe e por causar perigo comum — e segue internado. Ele foi baleado por Arruda, que revidou e atingiu o policial.
Mayra ressalta que, por vezes, a complacência das instituições estimula a violência. “No caso do Bolsonaro, é importante salientar que ele tem toda uma trajetória legislativa em que reivindicou a violência, a tortura da ditadura militar como algo positivo. Ele tem declarações em plenário dizendo que a ditadura errou porque não matou quem torturou. E todo um discurso punitivista que apresenta a violência como uma solução para os problemas. Disse várias vezes que queria fuzilar adversários. E isso com respaldo e conivência das instituições que não o puniram no momento devido, que é quando ele apresenta essa retórica de violência em plenário, ainda como deputado, durante seus sete mandatos consecutivos”, lembra a professora.
Em seu perfil no Twitter, onde se apresenta como “conservador e cristão”, Jorge Guaranho tem várias postagens de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e aos seus aliados. Em uma delas, ele posa em uma foto ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), filho do presidente. No mesmo domingo em que Marcelo Arruda foi assassinado — ele tinha mulher, Pamela Arruda, e quatro filhos, o mais novo com 40 dias de vida —, Eduardo Bolsonaro comemorou seus 38 anos com um bolo de aniversário enfeitado com uma arma e balas de revólver.
Para Paulo Fontes, professor do Instituto de História da UFRJ, Bolsonaro, seus filhos e apoiadores se colocam como condutores da retórica da violência. “Há um passe-livre para a violência dado pela suprema autoridade do país, o presidente da República. O filho do presidente comemorou seu aniversário com um bolo em forma de arma. Ele é um parlamentar, um servidor público. A mensagem que está sendo passada ali sai da esfera do privado para a pública. O culto à arma, à violência. Eu temo que seja isso mesmo que esses setores querem, que os que defendem a democracia se atemorizem, que andem no fio da navalha, e fiquem reféns dessa lógica. Ou que venha o caos, a destruição do processo democrático por dentro dele próprio. É preciso que não só a esquerda, que é a vítima, se pronuncie, mas também que setores democráticos se manifestem”, diz o professor.
Fontes acredita que a retórica da violência perdure após as eleições. “Os historiadores são péssimos profetas. Eu espero que Bolsonaro seja derrotado nas eleições, e que as forças democráticas triunfem. Mas, mesmo com a derrota dele, o bolsonarismo não vai morrer da noite para o dia. Essa cultura da violência se estruturou politicamente de tal forma que não será superada em quatro anos, é um processo de mais longo prazo. Mas acredito que, ao ter passado por essa experiência, a sociedade brasileira possa criar um antídoto, e tornar esses setores cada vez mais minoritários”, espera ele.
O historiador Michel Gherman, professor do IFCS, avalia que os próximos meses serão de alta tensão. “A questão fundamental não é a eleição, mas o período entre novembro e janeiro. São momentos muito perigosos porque Bolsonaro não mais vai estar vinculado a uma espécie de verniz institucional. Depois da derrota, o que podemos esperar? Tenho muito medo do que poderá acontecer com as polícias militares, sobretudo as do Sudeste. Esse é o grande desafio do Lula: preparar a governabilidade. E há o risco da tentativa de golpe. Bolsonaro pode partir para o tudo ou nada depois das eleições até para produzir um discurso de heroicização, como aconteceu com Donald Trump nos Estados Unidos”, analisa Gherman.
O professor também acredita que a herança do ódio permanecerá após as eleições. E faz um alerta: “Bolsonaro não vai desaparecer. Mas mesmo que ele desapareça, vá para o exílio em Miami ou nas Filipinas, o discurso de ódio produzido pela direita liberal permanecerá. Bolsonaro é um contador de corpos, e ele tem pelo menos três filhos na política. Esse discurso pode acionar o que há de pior outra vez, e vamos conviver com isso pelos próximos anos. Lula e a esquerda vão ter que saber lidar com isso e construir uma repactuação civilizatória”.
Diante desse quadro, o que os verdadeiros cidadãos de bem esperam é que venha outro grito, não de guerra, mas de paz: “Aqui não é mais Bolsonaro”.

A FALSA TESE DA ‘POLARIZAÇÃO’

O assassinato de Marcelo Arruda suscitou algumas análises, sobretudo na mídia tradicional, de que o crime seria fruto de uma polarização entre a esquerda, personificada na candidatura de Lula, e a extrema-direita, representada por Bolsonaro. Os especialistas ouvidos pelo Jornal da AdUFRJ não só refutam com veemência essa tese como a qualificam como perigosa.
Para Michel Gherman, o que está por trás do discurso da polarização é a terceira via. “O que a direita liberal brasileira produziu foi trazer para dentro do debate político um posicionamento de extrema-direita. Em última instância, ela trouxe a terceira via, que alguns cientistas políticos chamam de fascismo. Ela trouxe alguém que era um outsider, que sempre foi um fascista. Alguém que desafia as normas institucionais, que não respeita as instituições, que aposta na violência como arma política a priori. Esse sujeito foi trazido como segunda via. A terceira via não é a Simone Tebet, não é o Ciro Gomes. A terceira via é o Bolsonaro”, avalia Gherman.
O professor diz que, a partir dessa constatação, o debate sobre uma eventual polarização está contaminado. “Claro que não é polarização. O que a gente tem aqui é um debate sobre aqueles que acionam a violência, aqueles que tentam melar a eleição. Polarização com quem? Com o PT? Com todas as críticas que se possa fazer ao PT, o que não se pode dizer é que ele está fora do campo da democracia. Polarização entre os que matam e os que morrem? Entre os que jogam bomba e os que são alvo dela?”, questiona.
Mayra Goulart vai na mesma linha. “Não existe simetria. Nem no evento, como certa cobertura da mídia tradicional abordou, falando em troca de tiros. Foi um assassinato brutal, unilateral, a partir de uma pessoa que reivindica o bolsonarismo como uma justificativa para cometer o crime. E isso não tem correspondência com o outro lado, que é simplesmente o da vítima. Em termos políticos, não há dois polos se radicalizando, à direita e à esquerda. Existe só um polo que caminha para a extrema-direita. A mesma coisa se aplica à violência. Nós temos um campo que reivindica a violência, estetiza a violência como um último recurso possível, como método”, aponta ela.
Um equívoco perigoso. Assim o professor Paulo Fontes avalia a tese da polarização. “Há um discurso que parte da mídia tradicional vem amplificando que culpa uma polarização abstrata pela violência. Isso significa não culpar ninguém porque polarização é algo que não tem nome, não tem carne e osso por trás. Não há similaridade. Você está tratando de um presidente e de seus apoiadores que usam uma retórica de ódio e avalizam o tempo todo a possibilidade de ações como a que aconteceu em Foz do Iguaçu. Aquilo foi de uma violência inaudita. Querer comparar o agressor ao agredido é uma velha tática de certos setores que tentam criar falsas similaridades. Como se existissem dois polos iguais. Há um polo de extrema-direita que cultua a violência e que flerta o tempo todo com o rompimento democrático. O outro, não. A fala da polarização é oportunista”, acentua Fontes.

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Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”.

(Comício em Rio Branco, segurando um tripé de TV como se empunhasse um fuzil, durante a campanha eleitoral, em 1º/9/2018)

Nossa bandeira jamais será vermelha! Só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela”.

(Discurso de posse, parlatório do Palácio do Planalto, 1º/1/2019)

Eu quero todo mundo armado. Que povo armado jamais será escravizado”.

(Reunião ministerial no Palácio do Planalto, 22/4/2020)

Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”.

(Discurso na Avenida Paulista, na capital de São Paulo, 7/7/2021)

Somente os ditadores temem o povo armado. Eu quero que todo cidadão de bem possua sua arma de fogo para resistir, se for o caso, à tentação de um ditador de plantão”.

(Discurso em evento do agronegócio em Maringá, no Paraná, 11/5/2022)

A arma de fogo, além de segurança para as famílias, ela também é segurança para a nossa soberania nacional e a garantia que a nossa democracia será preservada. Não interessa os meios que um dia porventura tenhamos que usar”.

(Discurso em evento em Propriá, em Sergipe, 17/5/2022)

Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições”.

(Live semanal do presidente, 7/7/2022)

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