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WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.55O mundo enfrenta uma nova tsunami da covid-19. O maremoto, desta vez, é provocado pela ômicron, variante que já é a dominante no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. No Brasil, as taxas de novos casos seguem em franca expansão e só devem atingir o pico em meados de fevereiro, segundo estimativas iniciais. Nesta semana, o país registrou o maior número de novos casos em 24 horas desde o início da pandemia, há quase dois anos. Foram 205 mil do dia 18 para o dia 19 de janeiro. Um aumento de mais de 500% na média móvel dos últimos 14 dias. Apesar dos dados preocupantes, há alentos no horizonte. As hospitalizações e óbitos não explodiram na proporção vista em outras fases da pandemia. “A maioria dos internados no momento está com esquema incompleto ou é de pessoas não vacinadas. Então, viva a Ciência!”, afirma virologista Clarissa Damaso, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF-UFRJ). Ela é uma das entrevistadas pelo Jornal da AdUFRJ para falar da evolução e da eficácia das vacinas. Chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus do IBCCF, a docente alerta sobre o risco de não se completar o esquema vacinal contra a covid-19. “Pior que baixa cobertura vacinal, é uma cobertura vacinal parcial. Isso é mais perigoso. A chance de uma variante escapar da vacina é muito maior quando se tem uma imunização incompleta”.
O segundo entrevistado é o professor português Miguel Castanho, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. A exemplo das terras tupiniquins, Portugal também vive um repentino aumento de pessoas infectadas, cerca de 3% de sua população, neste momento. O país ibérico tem 10,31 milhões de habitantes, dos quais 90% estão completamente imunizados contra a covid-19. “A vacinação tem protegido contra mortes. Temos agora um pequeno aumento do número de vítimas fatais, infelizmente, mas não tem comparação proporcional com o aumento do número de casos”, afirma Castanho. O pesquisador do Instituto de Medicina Molecular (IMM), no entanto, defende a fabricação de uma nova geração de imunizantes contra a doença. “Acho que já estamos atrasados no desenvolvimento de novas vacinas. Elas foram criadas para a primeira variante, que surgiu em Wuhan (China). O ideal era que as doses de reforço já fossem dadas com vacinas adaptadas às variações”, sugere. O docente já foi professor visitante do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e desenvolve fármacos contra vírus. Confira as entrevistas.

ENTREVISTA I Clarissa Damaso
Virologista, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus e docente do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho

“A vacina está protegendo da ômicron”

Docente da UFRJ defende que imunizantes têm se mostrado eficazes no combate a casos graves e hospitalizações da nova variante da covid-19

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.23.31Jornal da AdUFRJ - Há semelhanças e diferenças entre os vírus da gripe e da covid-19?
Clarissa Damaso - São vírus bem diferentes. O que eles têm em comum é forma de transmissão, que acontece por via respiratória. Há padrões muito parecidos sobre como se evitar o contágio, como uso de máscaras, higienização frequente das mãos, distanciamento social. De resto, eles são bem diferentes. A biologia dos vírus é bem diferente em si. Se houve algum descuido do uso de máscara, por exemplo, você pode pegar um, outro, ambos ou outros mais de 300 vírus também transmissíveis por vias respiratórias.

A cada ano temos novas vacinas contra a gripe, para combater as cepas mais circulantes. O mesmo poderá acontecer com as vacinas contra a covid-19?
A vacina contra a gripe está muito bem estabelecida, mas ainda não é a vacina com maior eficácia, quando comparada com outras que nos protegem de outros vírus. Ela tem em torno de 80% de eficácia e o alvo dela é proteger contra casos graves, hospitalizações, pneumonia. E isso ela faz muito bem. É a melhor que a gente tem, mas não é a ideal, já que não protege por mais tempo e não oferece uma proteção mais robusta. A proteção vacinal da gripe cai após seis meses da aplicação. Não é uma surpresa, essa proteção não perene já foi vista em relação a outros vírus respiratórios e é um dos motivos pelos quais precisamos de campanhas anuais. Outra questão é que o vírus da gripe muta com muita velocidade. A cada vez que ele se reproduz no nosso organismo podem acontecer erros de replicação gerando variantes diferentes. Comparar com o SARS-CoV-2 é complicado porque o vírus da gripe muta muito mais, numa velocidade muito maior. O que está acontecendo com o SARS-CoV-2 é que há muita gente infectada, temos alta circulação do vírus. Essa alta taxa de infecção e circulação propicia mais erros e alterações no genoma viral. Imagina um grupo enorme de pessoas numa casa com apenas um banheiro para se arrumar: as chances de saírem mal arrumadas, com maquiagem borrada, é muito maior. Mal comparando, é o mesmo que acontece quando há essa alta taxa de circulação do vírus. As chances de falhas nessas replicações acontecerem, num cenário de altíssimo contágio, é muito maior. E isso dá origem a novas variantes.

Então a vacina da covid-19 não precisaria ser revisada?
Até o momento, as vacinas estão protegendo a população, com maior ou menor eficácia. A ômicron é um “teste ao vivo”. A vacina está protegendo da ômicron, está freando a gravidade da ômicron. Isso é bastante claro. A maioria dos internados no momento está com esquema incompleto ou são pessoas não vacinadas. Então, viva a Ciência! No momento, a gente precisa esperar para verificar se surgirão outras variantes que escapem da vacina, principalmente em relação a casos graves e mortes.

Chegará o momento em que o SARS-CoV-2 vai parar de se modificar?
A gente acredita desde o início que esse vírus entraria em equilíbrio com os seres humanos, como aconteceu com os outros coronavírus endêmicos, causadores do resfriado comum. Acredita-se que, em algum momento da história, da evolução, eles podem ter também gerado uma doença mais grave. Mas isso a gente não tem certeza, é uma hipótese. Há um número máximo de mutações que o genoma viral pode suportar. Quando se começa a mutar muito, há perdas do que chamamos de fitness do vírus, então a adaptabilidade dele começa a ficar reduzida, o que põe em risco sua existência. No SARS-CoV-2, o maior número de mutações se concentra no gene da Proteína S (que faz a ligação com a célula humana). Quanto mais hospedeiros saudáveis o vírus conseguir infectar, mais capacidade terá de se propagar, porque as pessoas vão continuar saindo e espalhando o vírus. Então, a gente acredita que haverá esse ponto de equilíbrio em algum momento. A outra face dessa redução de modificações é o aumento da cobertura vacinal no mundo. Quanto mais gente vacinada, menor a circulação do vírus. E uma ressalva: essa não é uma doença do Rio de Janeiro, que tem 90% de vacinados. É uma doença global, é preciso alta cobertura vacinal mundial.

Países com cobertura muito baixa podem se tornar celeiros de novas variantes?
Sim, e não por culpa dos países ou de suas populações, mas por culpa do mundo. Pior que baixa cobertura vacinal é uma cobertura vacinal parcial. Isso é mais perigoso. A chance de uma variante escapar da vacina é muito maior quando se tem uma imunização incompleta. Por isso é tão importante completar o esquema vacinal.

A senhora comentou sobre vacinas para outros vírus que são muito mais eficazes. Por que algumas são eficientes e outras precisam de constante revisão?
Depende das características do vírus a ser combatido. A gente usa a vacina da febre amarela, por exemplo, desde 1938. A mesma vacina. Cada vírus tem sua peculiaridade, tanto de replicação, quanto se ele varia muito ou pouco. A vacina contra o sarampo existe desde a década de 1960 e o vírus do sarampo é o mesmo. Ele muta, mas não escapa da vacina. Dentro de uma proteína de um vírus existem regiões específicas que são alvos majoritários dos anticorpos gerados pelas vacinas. No vírus do sarampo, são cinco principais regiões que são alvos desses anticorpos. O vírus não muta nessas regiões e, portanto, não escapa da vacina, porque essas regiões são cruciais para sua replicação no homem. Se mutar, ele até escaparia do imunizante, mas não teria sucesso replicativo. Isso é muito particular, cada vírus tem um sistema. O do SARS-CoV-2 ainda está sendo conhecido.

A vacina da covid-19 é então confiável, apesar da velocidade do desenvolvimento do imunizante?
A resposta da Ciência foi muito rápida, mas há muitos fatores para isso. A tecnologia já vinha sendo estudada há muito tempo, houve muito dinheiro envolvido, uma dedicação fenomenal de pesquisadores que trabalharam – e ainda estão trabalhando – em turnos de 12hx12h. Os testes clínicos são muito caros. É preciso fazer o estudo, o experimento, esperar os resultados, então dar início a uma próxima fase. Mas com o dinheiro investido em todas as fases, esse processo foi acelerado. Outro fator é que estávamos em plena pandemia, com muitas pessoas infectadas, alta circulação do vírus. Para testar se uma vacina funciona ou não, a gente depende do vírus circulando. Por exemplo, a poliomielite não existe mais no Brasil (porque ainda vacinamos). Mas se quiséssemos criar uma nova vacina hoje, como faríamos, se não há exposição ao vírus? Sem exposição ao vírus, não há como fazer testes. É um outro ambiente. Patógenos de alta circulação gerando doenças levam a um cenário de testes muito mais facilitado. É mais fácil saber se a vacina protege ou não. Portanto, houve uma conjuntura de fatores favoráveis à vacina e um investimento anterior para que essas vacinas pudessem prosseguir agora. O estudo de vacinas usando o mRNA (RNA mensageiro) já estava em andamento, já se sabia que essa tecnologia funcionava. Hoje sabemos que as vacinas são seguras e funcionam.

ENTREVISTA I Miguel Castanho
Professor de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e pesquisador do Instituto de Medicina Molecular (IMM)

“Já estamos atrasados”

Especialista em desenvolvimento de fármacos para vírus, professor fala sobre a segunda geração de imunizantes contra a covid-19

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.23.30Jornal da AdUFRJ - Como está a situação da covid-19 em Portugal?
Miguel Castanho – Estamos no inverno. Vírus respiratórios, como a gripe e o próprio SARS-CoV-2, são sazonais e já há tipicamente esse aumento nesta época do ano. Essas condições têm levado a um aumento acentuado da covid-19 em Portugal. Cerca de 3% da população está infectada nesse momento.

Esse novo aumento de casos tem levado a hospitais lotados e mortes, como em outras fases da pandemia?
Estamos com cerca de 95% dos indivíduos vacináveis imunizados e acima dos 90% da população total. Portanto, essa crise no número de novos infectados não tem se traduzido num proporcional aumento de casos de cuidados intensivos e número de mortes.

O senhor observa que a vacinação está salvando vidas, então.
A vacinação tem protegido contra mortes. Temos agora um pequeno aumento do número de vítimas mortais, infelizmente, mas não tem comparação proporcional com o aumento do número de casos. Eu diria que há um duplo fator. Por um lado, a vacinação. Por outro, o fato de a ômicron ter se demonstrado menos perigosa.

A ômicron é mais uma de muitas variantes que se espalharam depois que o SARS-CoV-2 foi descoberto. Estamos diante de um vírus altamente adaptável?
Eu creio que sim. Os vírus com material genético de RNA são menos estáveis, portanto muito passíveis de alterações ou mutações. Grande parte dessas alterações se dá na proteína S, que é o domínio que faz a ligação com as células humanas. O vírus tem demonstrado uma capacidade de adaptação surpreendente, sobretudo considerando que a área de interação da proteína S com as células humanas é pequena, logo com menos capacidade de acomodar mudanças. É claro que se trata de um vírus que chegou há pouco tempo aos humanos e, como sempre acontece, a margem para adaptações é muito grande até uma interação otimizada. O mais provável é que a gente veja essa velocidade de transformação diminuindo, com um aparecimento mais espaçado de novas variantes.

O trabalho de monitorar o vírus, então, não pode parar.
Precisaremos ter observatórios de acompanhamento do SARS-CoV-2 como temos para a gripe. A Espanha já informou que vai constituir um observatório de acompanhamento, o que deverá ser seguido por outros países. E, eventualmente, a OMS também poderá montar um sistema de acompanhamento para o mundo.

Com essa velocidade de adaptação, novas vacinas já deveriam ter sido desenvolvidas?
Acho que já estamos atrasados no desenvolvimento de novas gerações de vacinas. Elas foram criadas para a primeira variante, que surgiu em Wuhan (China). Outras variantes, surgidas em diversos países, já apareceram depois do desenvolvimento da vacina. Todas essas variações foram ocorrendo ao longo do tempo, com alterações na estrutura da própria proteína S, na qual se baseiam os imunizantes. Esse debate deveria ter acontecido antes das doses de reforço. O ideal era que as doses de reforço já fossem dadas com vacinas adaptadas às variações.

O fato de termos uma vacina focada ainda no vírus original pode explicar por que grande parte de pessoas vacinadas com duas ou três doses desenvolvem sintomas da doença, quando são infectadas?
Quando se desenvolvem vacinas ou medicamentos tentamos prever com precisão o seu efeito principal, local de atuação principal e segurança toxicológica básica, mas não é possível prever tudo com detalhes. Por isso os testes clínicos são feitos por fases, são altamente escrutinados e são muito morosos. Ao redirecionar o desenvolvimento de vacinas inovadoras para o combate à covid-19, havia a esperança de que as vacinas fossem eficazes para bloquear o desenvolvimento da infeção viral, ou seja, a multiplicação do vírus no infectado, tão precocemente quanto possível. Um bloqueio muito precoce da multiplicação viral impede a progressão da doença no indivíduo e o torna menos infeccioso para outras pessoas. As vacinas atuais são muito eficazes para impedir a progressão da doença desde níveis moderados até formas mais graves, mas não tão eficazes a ponto de impedir que um infectado chegue a infectar outras pessoas. Daí termos muitos vacinados desenvolvendo sintomas e participando em cadeias de transmissão. Uma vacina atualizada para a variante ômicron provavelmente teria eficácia aumentada, quer no desenvolvimento de doença moderada, quer doença grave, mas não é garantido que chegasse ao ponto de impedir por completo que um infectado se torne parte de cadeias de transmissão.

Há uma cobertura vacinal muito desigual no mundo. É possível pensar em proteção global com tantas populações sem direito à imunização?
Existem zonas do mundo onde o vírus se multiplica mais ou menos livremente, porque há baixíssima cobertura vacinal, muito poucas pessoas imunizadas. E isso acontece nos países mais pobres. Então, a probabilidade de surgir novas variantes nesses locais é maior e, inclusive, variantes para as quais a eficácia da vacina será menor. As discrepâncias de vacinas em diferentes partes do globo são absurdas do ponto de vista humanista, mas também são irracionais do ponto de vista do combate global à pandemia. Não faz sentido não garantir acesso às vacinas às populações mais carentes do mundo.

Quebrar patentes seria a solução?
Acredito que não. Fabricar vacinas não é tão simples, tão trivial. Exige recursos, infraestrutura, fábricas especializadas. Praticamente todas as fábricas com capacidade de fabricar vacinas estão a fabricá-las neste momento. Creio que isso não mudará a oferta de vacinas. Além disso, há um custo de desenvolvimento intelectual que é muito grande. A proteção da ideia, do inventor, da instituição que desenvolve um fármaco ou vacina é muito grande. Ou seja, o sistema de patentes protege a todos, desde o inventor, empresas pequenas e intermediárias até as grandes empresas. Se quebrarmos as patentes, mas criarmos um sistema alternativo, tudo bem. As patentes podem não ser o melhor dos sistemas, mas simplesmente quebrá-las é destruir um sistema sem construir outro. Sequer haverá aumento substantivo na produção de vacinas. Se quebrarmos as patentes, quem vai investir na segunda geração de vacinas? Ninguém. O que é preciso é discutir mecanismos de distribuição das vacinas existentes sem colocar em xeque as garantias da inovação.

Toda essa velocidade de transmissão da ômicron pode indicar o fim da pandemia? Ou essa é uma análise muito precipitada?
Sabemos que a pandemia irá acabar, mas não sabemos nem quando, nem a dimensão do final da pandemia. O que podemos dizer é que vai ficar cada vez mais difícil para o vírus criar novas variantes que sejam ainda mais adaptáveis. A ômicron é altamente transmissível, fica difícil para o vírus criar novas variantes mais transmissíveis que a atual. Associado a isso, temos cerca de 20% da população de Portugal que têm ou já tiveram covid-19. Também há grande percentual de pessoas vacinadas. Logo, muita gente já está imune, o que torna mais difícil que apareça variante que tenha uma ação muito efetiva contra a população. Não podemos garantir que não vá existir uma nova variante com maior capacidade de espalhamento, mas à medida que o tempo passa, vai se tornando mais improvável que aconteça.

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