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03WEB menor1130Já são mais de dois meses em isolamento social com mudanças profundas na rotina. Estamos distantes de nossos locais de trabalho, transformamos nossas casas em escritórios, suspendemos os encontros com amigos e familiares, nossos filhos não vão para a escola. A vida social e profissional agora está confinada em aparelhos eletônicos. O trabalho dobrou, as incertezas triplicaram e a saúde mental está por um fio.         
    “Há uma série de consequências, a começar pelo aumento da ansiedade, que altera o ritmo da vigília e do sono e leva muita gente a trocar o dia pela noite”, explica a professora Maria Tavares Cavalcanti, professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRJ. “É importante construir uma nova rotina”.
Na prática, significa reorganizar o tempo, preservando os limites entre as atividades.  “É bom ter hora para acordar, para fazer exercícios, comer, e ter tempo para o lazer”, explica. “Ainda assim, essa nova rotina pode não ser o suficiente, então é preciso ter um objetivo forte para perseguir”.
Ex-diretora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub), Cavalcanti pondera que essa perspectiva tem um corte social. “Estou falando das pessoas da classe média, que em muitos dos casos estão isoladas e seguras”, ponderou. “Entre pessoas mais pobres pode ser muito pior. Há mais gente morando na mesma casa. Pessoas sem nenhuma renda garantida, ou que precisam sair para ter o que comer. Nesse caso, essa ansiedade é muito mais intensa”.
Professor do Instituto de Psicologia e presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, Pedro Paulo Bicalho destaca os efeitos do cenário de insegurança. “Estamos presos em casa e cercados de incertezas. Será que vou me contaminar? Se acontecer, será que consigo hospital? Corro risco de morrer?”, lista o docente. “O medo da morte passa a ser um problema ainda maior, e com uma implicação mais cruel: a possibilidade de não poder realizar os ritos fúnebres”.
Diante da pandemia, velórios não estão sendo permitidos e os enterros das vítimas da Covid-19 são feitos com os caixões fechados. “Estamos muito preocupados com esses lutos não realizados”, explica o professor. “O temor aumenta cada vez que sabemos de um amigo, conhecido ou parente que morre com a doença”.
Para o professor de psicologia e de saúde mental da Escola de Serviço Social, Erimaldo Nicacio, estamos diante de uma situação peculiar, que é estar mais perto da morte. “A pandemia torna o real da morte mais presente”, disse. “Isso cria uma situação de dupla fragilidade, a do medo de morrer, mas também a do medo de não poder se despedir de quem morre”.
E como se não bastassem essas incertezas sobre a própria vida, há ainda uma perplexidade com fatores mais práticos, como o trabalho ou o cenário político. “Há essa enorme pressão econômica. Mesmo funcionários públicos estão inseguros, não sabem o que o governo planeja para o funcionalismo, se vai cortar benefícios ou congelar salários”, diz.
Para  Pedro Paulo Bicalho, esse cenário acentua a ansiedade e afeta o trabalho remoto. O isolamento colocou milhares de pessoas trabalhando em suas casas, sem que houvesse qualquer adaptação ao processo. O professor pontua que o trabalho remoto tem propriedades, sobretudo de linguagem, que  a sociedade não estava adaptada antes de adotá-lo. “Nas reuniões virtuais as pessoas se desentendem com mais facilidade”, explica.
E ainda precisam ser consideradas as condições em que o trabalho é feito. “As crianças estão em casa, sem escola, a quantidade de afazeres domésticos passa a aumentar e a casa começa a demandar uma parte do nosso tempo que antes não demandava, o que torna o trabalho ainda mais difícil”, observa o professor. “Estamos falando de um trabalho remoto que não está sendo feito por escolha, precisamos levar em conta todas as intercorrências do isolamento”, explica o professor. Ele relata que tem sido muito comum as pessoas se queixarem de que estão mais cansadas ou com a sensação de que estão trabalhando demais. “Estamos em casa há dois meses e parece que estamos trabalhando mais do que nunca”.
Para o professor do IP, uma das maneiras de tentar proteger a saúde mental é entendendo os próprios limites. “Vai ter um dia que você não vai conseguir fazer nada, um dia que você não vai conseguir entrar na reunião ou escrever um texto”, explica, lembrando que as pessoas tendem a se culpar por oscilações de comportamento pelas quais não são responsáveis.
A professora Maria Cavalcanti concorda com o colega e acha que há ricos em uma auto cobrança por produtividade, mesmo em momentos que não estão associados ao trabalho. “Pensamos em cursos, em começar projetos pendentes e até mesmo na hora do lazer, estamos nos cobrando para estar assistindo essa ou aquela live. Parece outro vírus que pegou a gente, o da necessidade de ser produtivo”.

DICAS
A melhor forma de manter a saúde mental em tempos insanos é manter contato com pessoas queridas. “E como estamos em regime de distanciamento, a opção é aproveitar a tecnologia para fazer esse contato”, explica a professora Maria Cavalcanti. “Não é o ideal porque a gente sente falta do contato físico, do olhar, do abraço, beijo, mas é o que a gente pode fazer. Os afetos sustentam a gente. O ser humano é gregário, a gente precisa do outro, precisa ter contato com o outro. E a rede social amplia isso tudo”.
O professor Pedro Bicalho defende que o contato com pessoas queridas pode ser também uma oportunidade para procurar algum amparo emocional. “Precisamos fortalecer nossas redes de afeto, nossos vínculos sociais. Isso é fundamental. Precisamos compartilhar as angústias, as dificuldades, dizer para o outro que está difícil”, explicou. “É fundamental fazer isso para que a gente possa sobreviver e ter a certeza de que vai passar. O isolamento social é uma estratégia de sobrevivência, é importante manter esses vínculos, e reinventar os aniversários, encontros, fins de semana”.
Mas os dois professores alertam para alguns riscos na hora de buscar por diversão, especialmente no uso de álcool ou outras drogas, seja para lazer, seja para tentar lidar com a angústia e a ansiedade. “Até por conta da limitação das opções de lazer, há um risco muito grande de as pessoas abusarem do consumo de álcool”, alertou o professor Bicalho. “Claro que pode beber, mas com moderação. O que não pode é colocar isso na rotina” explicou a professora Cavalcanti.

SERVIÇO
A UFRJ tem uma divisão para atender funcionários da universidade que estejam passando por transtornos ou angústias psicossociais. Durante o período de isolamento, o acolhimento inicial está sendo feito por e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Não tenha medo de pedir ajuda.

 

ENTREVISTA: ERIMALDO NICACIO
Professor de Psicologia e de saúde mental da Escola de Serviço Social da UFRJ

A FADIGA DA CONEXÃO PERMANENTE

03aWEB menor11301O trabalho em home office pode ser um agravante das angústias proporcionadas pelo confinamento?
Neste contexto de pandemia, a fronteira entre casa e trabalho se desfez, o espaço se comprimiu e se reduziu à nossa casa. Somos mais do que nunca obrigados a ficar conectados. E isso produz fadiga mental, distúrbios de sono, esquecimentos.Não está sendo fácil para os casais terem que trabalhar, cuidar das crianças e acompanhá-las nos estudos. Há uma sobrecarga, que muitas vezes recai sobre a mulher. É uma situação particularmente ansiogênica.

 As crianças exigem algum tipo de cuidado especial?
É essencial conversar com as crianças abertamente sobre o que está sendo vivido.  É preciso estimulá-las a expressar seus sentimentos acerca do que está acontecendo, tranquilizando-as sobre a situação. Além disso, é importante ajudá-las no estabelecimento de suas rotinas. Mas atenção, sabendo que as combinações e rotinas vão fracassar com frequência. E é preciso aceitar isso.

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