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JOSÉ ROBERTO LAPA E SILVA
Faculdade de Medicina
A pandemia pegou a todos nós de forma radical, nos forçando a adaptações difíceis. Ainda mais para quem, como eu, é da velha guarda. Tenho 45 anos de docência. Em março de 2020, eu completei com minha turma de faculdade 52 anos de entrada na UFRJ. Meu forte hoje é a pós-graduação e a pesquisa. Mas sempre fui ativo, e sou até hoje, na graduação. E é sobre ela que vou falar. Passar do ensino presencial para o remoto foi como trocar o pneu com o carro em movimento. Entrei em isolamento no dia 12 de março, fiquei apenas uma ou duas semanas com minha turma de graduação de forma presencial. Vim com minha esposa para uma casa de praia que temos em Barra de São João (RJ), onde estamos até hoje.
A atividade de graduação no ensino da Medicina é fortemente tutorial. Sou docente de uma disciplina do sexto período, Medicina Interna 2, em que os alunos rodam pela minha especialidade, que é a Pneumologia. Ela tem que ser cara a cara, beira de leito. A parte prática é a mais importante para o treinamento dos alunos. Ela é dada na enfermaria, junto ao paciente e ao staff médico, e minha função é dar o suporte acadêmico aos alunos, ensinando a colher uma história, a fazer um exame físico, discutindo os exames, propondo a conduta para cada caso. Em tempos normais, pelo menos duas vezes por semana eu estou na enfermaria com eles. Sempre fui de sala de aula e beira de leito. Mas, sem esse contato direto, o que fizemos? Criamos um grupo de WhatsApp e passamos a conversar também via Discord, uma plataforma digital que funciona muito bem por celular, por sugestão dos próprios alunos. E uma vez por semana, entre março e junho, fizemos sessões de discussão sobre casos clínicos de várias áreas. Foi uma atividade possível sem contato com o paciente e na qual os alunos puderam aprofundar alguns conteúdos importantes, como a arquitetura das entrevistas e a natureza das doenças. Foi muito produtivo, até do ponto de vista emocional, para que os alunos não ficassem desmotivados.
Já a partir de julho, os alunos de internato, nos dois últimos anos do curso, onde as aulas são basicamente práticas, voltaram a ter atividades presenciais. E eles tinham que estar na linha de frente naquele momento, que era o pior da pandemia até então. É impossível ensinar Medicina só virtualmente. Se eles não estiverem na beira do leito, não vão aprender. Não é uma questão meramente cognitiva ou intelectual. É um treinamento emocional pelo qual eles precisam passar para exercer a profissão. Para mim, isso se traduz em uma angústia profunda. Com o cenário que temos hoje da pandemia, eu não tenho a menor ideia de quando é que vamos poder voltar de fato às aulas presenciais. E isso é extremamente angustiante, sobretudo para os alunos que estão sendo diretamente impactados pela ausência da prática.
Nelson Braga
Titular do Instituto de Física
Essa pandemia colocou a gente em um monte de situações diferentes em relação à vida pessoal e profissional, desde como limpar a casa e lavar roupa até preparar uma aula virtual. Lá no início, assim como muita gente, eu também achava que isso demoraria pouco tempo. Mas os dias foram passando e vimos que o ensino remoto seria a nossa realidade possível diante da gravidade da pandemia. Para quem já tinha alguma experiência em ensino a distância ou mais habilidades com o mundo virtual, pode ter sido mais fácil. Mas para mim foi muito dificil. E foi justamente em julho que eu comprei algo que mudou minha vida remota: uma mesa digitalizadora!
Passei boa parte do mês de julho me adaptando a essa nova tecnologia. É até engraçado lembrar hoje desse início da minha evolução no meio digital. Eu comecei pensando em desenhar gráficos e escrever equações num caderno e escanear as páginas para mostrar aos alunos, mas logo vi que aquilo seria um sacrifício para eles e para mim. As imagens ficavam muito ruins para mostrar em uma tela de computador, que dirá de um celular. Então essa mesa digitalizadora foi uma descoberta marcante desse período. Mergulhei em vídeos tutoriais do Youtube para saber como usar melhor os recursos do equipamento. Descobri, por exemplo, um programa que transforma a tela dessa mesa em um quadro verde. Os professores mais tradicionais como eu, sobretudo os físicos, preferem o bom e velho quadro-negro, com giz de boa qualidade. Então, para mim, foi como escrever num quadro-negro com giz de várias cores. Produzi vídeos curtos como se estivesse dando aula ao vivo, usando essa mesa digitalizadora. E meus alunos de bacharelado em Física, na disciplina de Mecânica Quântica 1, tiveram boa receptividade.
Foi um aprendizado fantástico, me senti fazendo uma reciclagem. Também sou coordenador de Pós-Graduação e posso dizer que o acúmulo de tarefas, no modo remoto, é bem cansativo. É muito mais pesado fazer todas as tarefas de trabalho de forma remota. Por outro lado, após uns dois ou três meses de confinamento, tive que me adaptar com relação à rotina de exercícios físicos. Como não saía quase de casa, não conseguia mais fazer nenhum tipo de atividade física. Começou a dar uma preocupação com a saúde. Então passei a correr 40 minutos por dia dentro de casa, dando volta em torno da mesa da sala, indo de um cômodo a outro etc. Incorporei esse hábito que mantenho já há mais de seis meses. A corrida em casa tem vantagens, eu faço sem máscara, no meio do meu dia de trabalho, tomo um banho logo depois. Não daria para fazer isso no Fundão. Hoje, diante do agravamento da pandemia, não tenho mais ideia de quando teremos o retorno do ensino presencial na universidade. Mas tenho a consciência de que estamos fazendo o que é possível. A outra opção seria não fazer nada, interromper aulas e tudo o mais. Mas isso estava fora de questão. E acho que muitos recursos que estamos usando no ensino remoto podem e devem ser aproveitados nas aulas presenciais, quando elas forem possíveis.
Os desenhos que ilustram esta edição especial foram feitos por alunos do 5º ano do Colégio de Aplicação da UFRJ, em projeto que explorou as transformações pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro a partir de pandemias e endemias ao longo do tempo. A professora Caroline Trapp de Queiroz, uma das organizadoras do projeto, conta o que motivou o trabalho: “A ideia surgiu como uma forma de dar um fechamento e também uma materialidade ao conteúdo que estávamos trabalhando. Estudamos as reformas que ocorreram no Rio, conversamos sobre as fake news que já circulavam no passado e, como contraponto, abordamos as campanhas de vacinação. Sempre traçando um paralelo com o que estamos vivenciando hoje. A questão da circulação do ar foi justificativa para demolir o Morro do Castelo, no Centro, por exemplo. Na gripe espanhola, havia o debate sobre o uso de máscara, como ocorre hoje. A partir de toda essa trajetória, surgiu a ideia de eles fazerem suas próprias campanhas de conscientização para a vacina. Foram muito dedicados, participativos. E ficaram muito animados quando souberam que os cartazes estariam no jornal. São duas turmas, com 25 crianças cada. Agora, elas estão bastante ansiosas para ver o jornal com seus trabalhos. E muito curiosas com todo o processo de fazer o jornal”.
Professores que organizaram a proposta junto às crianças: Caroline Trapp de Queiroz (HISTÓRIA, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS) e Felipe Andrade (Educação Física)
Coordenadoras do Setor Multidisciplinar: Alessandra Nascimento e Mariana Elena
Confira os trabalhos.






JOÃO SOARES DE LIMA
SÉRGIO SANT’ANNA
LEA DE FREITAS PEREIRA
CARLOS LESSA
LUIZ ANTONIO MACHADO DA SILVA
LÉCIO LUIZ AMARAL DO PATROCÍNIO
FÁBIO CUIABANO
JOSÉ LUIZ REZENDE PEREIRAKim Queiroz
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Ser brasileiro na pandemia é experimentar um pesadelo diário que começa com o anúncio do número de mortos e se arrasta entre o medo de adoecer e a revolta pelo descaso das autoridades sanitárias. Em pesquisa feita pelo Lowy Institute, da Austrália, que analisou e classificou o desempenho de 98 países na gestão da pandemia, o Brasil ficou em último lugar. No dia 9 de março, com a morte de 1.954 brasileiros em apenas 24 horas, o país ultrapassou os Estados Unidos em número de óbitos diários pela covid-19.
“ É uma situação que, sem o apoio e orientação do Estado, não tinha como ser diferente”, explica o cientista político Josué Medeiros, diretor da AdUFRJ. Ele acredita que o comportamento de parte do povo brasileiro, aparentemente anestesiado pela explosão de adoecimentos, não representa um desrespeito generalizado às normas de distanciamento, mas sim uma necessidade de subsistência. “O brasileiro precisa sobreviver. Os dados das pesquisas mostram índices ótimos de resposta sobre vacinação. O problema não está na nossa população, e sim no modo como o governo inviabilizou as condições para que essa população conseguisse se proteger da pandemia”, critica.
A adoção do auxílio emergencial evitou uma contração ainda maior da economia do país, mas a iniciativa foi muito aquém do necessário. “Os auxílios reduzidos propostos pelo governo para 2021 são cruelmente insuficientes”, alega o economista Daniel Conceição, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ. “Se o governo realmente retomar sua agenda radical de austeridade, teremos um agravamento da crise econômica e uma elevação do desemprego e da miséria a níveis socialmente insuportáveis”, aponta o docente.
Para se esquivar dos números da covid-19, o governo adotou uma postura negacionista, que alimenta o senso de inferioridade do povo brasileiro. “As declarações do Bolsonaro de que ‘brasileiro anda na vala e não acontece nada’, reforçam esse vira-latismo”, destaca Mayra Goulart, professora de Ciência Política no IFCS/UFRJ. Ela teme o impacto desses discursos na sociedade. “São opiniões pejorativas que têm consequências dramáticas, uma vez que desvalorizam a vida das pessoas. São vidas que supostamente valem menos e merecem menos cuidados”, ressalta.
Professora de Antropologia Social da UFRJ, Adriana Facina descreve que as camadas mais populares ficaram “à deriva”, pois havia uma força política agindo a favor da pandemia. “Não é à toa que a gente vê a pandemia vitimando muito mais a classe trabalhadora do que as elites, que se encontram em condições muito mais seguras de saúde, moradia, higiene, distanciamento e até mesmo lazer”, comenta.
“A pandemia vem escancarar o caráter necrófilo dos grupos bolsonaristas e de extrema-direita, que já estava se manifestando mesmo antes da covid-19”, reforça o antropólogo José Sérgio Leite Lopes. Professor titular do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, Leite Lopes avalia que a população brasileira na pandemia pode ser caracterizada pela desigualdade social extrema. “Enquanto uma parte da população pode trabalhar e estudar de casa através do acesso à informática, a outra parte majoritária é obrigada a se deslocar para locais habituais de trabalho passando por situações de aglomeração”, completa.