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Tem sido um período difícil para a vida universitária e para a UFRJ em particular, mas nada pior que a perda de um colega e amigo de forma súbita, sem aviso. Um amigo que, durante sua carreira, representou a mente e o espírito acadêmicos como poucos. Na última sexta-feira, 10 de junho, o professor Eduardo Arcoverde de Mattos (foto) nos deixou.
Suas palavras e pensamentos sempre foram doces, mas questionadores, entremeados de trocadilhos e piadas. Sentia-se satisfeito quando percebia um rosto de interrogação: sua missão como formador e pensador estava sendo cumprida. Frequentemente, perguntava sobre o “arcabouço teórico-conceitual” (em suas palavras), desafiando alunos e colegas a situar suas pesquisas, atividades de ensino ou extensão em um contexto maior, para entender as implicações e qual conhecimento era gerado. Era conhecido também por seus apartes em falas dos colegas, para complementar o assunto, sempre pertinentes, embora raramente breves.
Sua linha de pesquisa principal e paixão sempre foi a Ecofisiologia Vegetal, desde sua iniciação científica no Departamento de Ecologia da UFRJ, com o professor Sérgio Tadeu Meirelles, ao mestrado e doutorado na UFSCar com o professor José Antonio Proença Vieira de Moraes, e pós-doutorado na Unicamp. A primeira contratação foi como professsor do Departamento de Ecologia da USP em 1997, que deixou em 1999 para ingressar na UFRJ, no Laboratório de Ecologia Vegetal, onde atuou desde então. Afastou-se apenas para um pós-doutorado na Universitat de les Illes Balears, na Espanha, em 2008. Em suas publicações científicas, fica clara a interação e parceria com outros pesquisadores com destaque na Ecofisiologia e Ecologia Vegetal, nacionais e internacionais.
A Ecofisiologia da fotossíntese, germinação de sementes, e funcionamento de plantas de forma geral foi usado como elemento-chave em contribuições ao conhecimento de outras áreas centrais da Ecologia, como na compreensão de padrões de diversidade de espécies e funções, consequências de estresse para o funcionamento e aptidão, incluindo fixação e estoques de carbono em ecossistemas. Sempre atuou no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFRJ, que coordenou de 2011 a 2014, deixando sua marca em disciplinas como Delineamento Experimental, mas também em Ecologia Vegetal e Metodologia Científica na graduação.
Nos últimos anos, aderiu ao Projeto Capim Limão, uma iniciativa de extensão em Agroecologia de alunos dos cursos de graduação do Instituto de Biologia, que coordenou formalmente como um projeto de extensão da UFRJ a partir de 2018. Passou a pegar na enxada, pés e mãos na terra, mas sempre com o gosto pela discussão de ideias, e pela batalha intelectual que envolve o aprendizado. Partiu cedo. Sua falta é dolorosa e difícil para todos nós.
Marcus Vinícius Vieira
Professor do Instituto de Biologia
O estrangulamento do orçamento pelo governo pode levar a um inédito “shutdown” da UFRJ. Após agosto, a instituição não terá dinheiro para pagar as contas básicas de manutenção, como luz, água e contratos de limpeza e vigilância. “Nós nunca fechamos antes. Talvez tenhamos que fechar pela primeira vez”, alertou a reitora Denise Pires de Carvalho, em coletiva à imprensa neste dia 15.
Nem greves nem a pandemia pararam a UFRJ completamente. Agora, até o funcionamento das nove unidades de saúde da universidade está ameaçado. Seria uma paralisação das atividades por falta do mínimo de infraestrutura. “A luz deixará de ser paga em setembro. Quando a Light vai apagar a nossa luz? Não sabemos”, afirmou a dirigente. “No dia que a Light apagar a luz, a universidade fecha”, exemplificou. “Sem contratos cobertos, as empresas demitirão os terceirizados. Sem ter como recolher lixo das salas de aula ou limpar os banheiros, a universidade acabará fechando. Não dá para precisar uma data”, completou.
A maior federal do país conta hoje com um orçamento que equivale a menos da metade do que já foi em 2012. Considerando valores corrigidos pela inflação, a universidade já teve R$ 725 milhões há dez anos. Mas a UFRJ começou 2022 com R$ 329 milhões e sofreu um recente bloqueio de R$ 23,9 milhões.
O pró-reitor de Orçamento e Finanças, professor Eduardo Raupp, fez analogia com o planejamento de uma viagem de avião. “É como se a gente tivesse se programado para fazer um voo longo, sem condições de reabestecer e, já na nossa rota, sermos avisados que não poderemos mais usar 7% do combustível e não tem onde pousar”, disse.
A recomposição do bloqueado adiaria a crise em mais um mês. Para fechar o ano no azul, a reitoria estima que o orçamento deveria ser de pelo menos R$ 390 milhões. “Isso é o mínimo para manter a universidade limpa, com luz acesa e água nas torneiras”, observou Denise.
IMPACTO NA PESQUISA
Segundo a professora Clarissa Damaso, coordenadora do recém-criado Grupo de Trabalho Monkeypox da UFRJ, os cortes têm um impacto importante nos laboratórios da universidade. “Não se pode trabalhar num lugar insalubre, principalmente se você trabalha com material patogênico”, explicou.
A docente também ressalta o papel da Saúde, da Educação e da Ciência para o país. “Se a gente parar, não poderemos retomar como estava. Vamos dar 500 passos para trás e começar de novo, e isso não pode acontecer. A Ciência é investimento e é fundamental. Não pode haver cortes”, completou.
(Kelvin Melo e
Estela Magalhães)
Para debater vários aspectos ligados ao meio ambiente — tão negligenciado quanto atacado pelo governo Jair Bolsonaro —, a UFRJ promove um ciclo de debates com especialistas na área nos próximos dias 13 e 14 de junho. Saneamento, políticas públicas, concepções de natureza, mudanças climáticas e reforma agrária serão alguns dos temas abordados por professores da UFRJ e de outras universidades, além de convidados como o ex-presidente do Inpe, Ricardo Galvão, o teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff, e João Pedro Stédile, do MST.



A universidade não vai admitir nenhum retrocesso à lei federal das cotas, que completa 10 anos em agosto e deverá ser rediscutida no Congresso. Pelo contrário, é preciso avançar ainda mais em políticas de inclusão e permanência na educação superior. Esta foi a mensagem do debate organizado pelo Observatório do Conhecimento — rede de associações docentes da qual faz parte a AdUFRJ — e a plataforma Perifa Connection, no dia 10.
A plateia do encontro não poderia ser mais emblemática do tema “Universidade antes e depois das cotas”. Cenário inimaginável há uma década, o auditório Moniz de Aragão, no campus da Praia Vermelha, estava recheado de estudantes pretas e pretos que aplaudiam com entusiasmo cada depoimento em favor das ações afirmativas.
Relatos como o de Wesley Teixeira, ativista da Perifa Connection e da Coalização Negra por Direitos. O morador do Morro do Sapo, em Duque de Caxias, montou com os colegas um pré-vestibular intitulado “+ Nós”, em 2015. “Porque queríamos mais de nós na universidade”, disse. A iniciativa deu certo: Wesley conseguiu ingressar no curso de Pedagogia da Uerj e vários outros egressos do pré-vestibular conquistaram vagas em instituições públicas. “Não vamos deixar nenhum dos nossos para trás e vamos ocupar todos esses espaços, mesmo que não queiram”, completou.
O ativista contou que, há dois anos, o bolsonarismo tentou acabar com a lei estadual de cotas raciais na Uerj, instituição pioneira no país na aplicação das ações afirmativas. Após muita pressão, a proposta foi derrotada. “2022 é o ano de dar o mesmo recado”, disse, em referência à rediscussão da lei federal de cotas pelo Congresso Nacional.
Cria da Rocinha e estudante de Jornalismo da PUC-Rio, Eduardo Carvalho compartilhou a experiência de ingresso na educação superior por meio de bolsas e também se manifestou a favor das cotas nas instituições públicas. “A política de cotas é, mais que tudo, mudança de paradigmas. Ela potencializa pessoas, em sua maioria, invisibilizadas”, disse.
“O que precisamos pensar é política de continuidade. São muitos os problemas que o estudante universitário enfrenta. Precisa de auxílio-transporte, precisa de alimentação”, afirmou. “Para enfim empunhar na mão o tão sonhado canudo e validar uma trajetória de sonhos e possibilidades que são, sobretudo, nosso direito”, completou.
BATALHA ÁRDUA
Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura, anfitriã do debate, a professora Tatiana Roque contou a dura história das cotas na UFRJ, desde o primeiro governo Lula. “A esquerda, que estava no poder, sofreu oposição da esquerda, contra as cotas. Foi muito surpreendente”, afirmou. “Quem era a favor venceu, mas com muita luta, com muito estresse”.
O resultado da batalha hoje é visível nos corredores e salas de aula da maior federal do país. Docente do Instituto de Matemática, Tatiana dava aula de Cálculo para turmas da Engenharia, nos anos 1990. “Não tinha nenhum aluno negro, naquela época. Só brancos, ex-alunos de escola particular, da Zona Sul. Essa realidade mudou completamente”, comemorou. “Claro que falta muito, mas considero que aconteceu nessa universidade uma revolução. É preciso ter políticas de permanência: bandejão, alojamento, bolsas, acolhimento”, completou.
Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior, a professora Rosana Heringer também enfatizou a necessidade de apoiar os estudantes que ingressam nas universidades públicas pelas cotas. “Não é só vir para a aula e ir embora. Pertencer à universidade de fato é participar de seminários como este, interagir com os colegas”, disse.
A docente da Faculdade de Educação foi além. “Essa transformação que a universidade vivenciou precisa repercutir para outros aspectos”. Rosana lembrou que, somente no ano passado, a UFRJ modificou a legislação interna para contemplar de fato as ações afirmativas em concursos docentes.
Mas, aos poucos, a universidade avança. Criado em dezembro do ano passado, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFRJ, vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura, foi lançado institucionalmente em 2 de junho. A diretora do Neabi, professora Gracyelle Costa, fez a mediação do debate e ressaltou o papel de um trabalho coletivo para a consolidação das ações afirmativas. “Isso significa buscar o apoio de todos os segmentos da universidade para pensar currículos e processos pedagógicos antirracistas, assistência estudantil, acompanhamento discente e, ao mesmo tempo, envolve defender um orçamento público amplo para financiamento da educação e de outras políticas públicas”, disse.
MÍRIAM LEITÃO GERA POLÊMICA
A presença da jornalista Miriam Leitão no debate sobre as cotas causou polêmica. No perfil da AdUFRJ no Facebook, muitos criticaram o espaço concedido à debatedora, que é considerada uma inimiga dos serviços públicos.
Presidente do sindicato, o professor João Torres respondeu: “É importante o contraditório num debate. Com certeza, a jornalista Miriam Leitão já defendeu posições que não concordamos de forma nenhuma”, disse. “Mas, especialmente sobre cotas, quero recordar aos colegas que setores e lideranças expressivas da esquerda da UFRJ já foram visceralmente contra as cotas. E nós continuamos a convidá-los para o debate”.
Já Miriam se manifesta a favor das cotas muito antes da lei federal de 2012. “A primeira coluna que escrevi defendendo as cotas foi de 1998”, disse. “O mais duradouro obstáculo ao desenvolvimento do Brasil é o racismo. Portanto, políticas que confrontem o racismo, esse obstáculo ao desenvolvimento, têm sempre minha defesa”. E concluiu: “Queremos que os espaços de poder tenham a cara da sociedade brasileira, tão rica na sua diversidade étnica. Essa diversidade é nossa força”.
O professor Godofredo de Oliveira Neto, da Faculdade de Letras, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. A escolha entre nove candidatos aconteceu no dia 9 para a cadeira 35, ocupada por Cândido Mendes, que faleceu em fevereiro. Dos 34 acadêmicos que participaram da eleição, 22 votaram em Godofredo. O professor é autor de 21 livros. Algumas de suas obras são traduzidas na França e Bulgária. A reitora Denise Pires de Carvalho comemorou: “Que honra para a UFRJ”.