facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

Francisco Carlos Teixeira da Silva  Professor Titular de História Moderna e Contemporânea/ IFCS-UFRJ Já ouvimos muito sobre corrupção no Brasil, incluindo apresentações digitais para o grande público. Se fosse tão fácil de “desenhar”, como querem nossos juristas que inventam leis e interpretações mirabolantes e aprendizes de ciências sociais tomados por fúria messiânica, tudo estaria resolvido. Na verdade, há um “habitus” e para entendê- lo é necessário ler, com cuidado, Raymundo Faoro, Victor Nunes Leal, Darcy Ribeiro, Josué de Castro e Maria Yedda Linhares – alguns dos “grandes” da UFRJ. Buscar as formas e representações desse “habitus”, que é a própria cultura brasileira e, por isso, não é reformável. Precisamos mudar de baixo para cima, transformá-la em sentido mais justo e igualitá- rio descontaminando-a de séculos do egoísmo de classe expresso na escravidão do homem e da terra, criada e recriada durante seus cinco séculos de História. Sistemas se constroem, se estruturam, na História e se reproduzem através de grupos sociais. Foram tais grupos sociais, as elites dominantes na História brasileira, que impuseram um “habitus” do “vale-tudo”, da indistinção entre o público e o privado, do trabalho para os pobres e o ócio às custas do Estado para os bem-nascidos. Tais valores não vivem de brisa. A mesma magistratura, que diz passar o país a limpo, usufrui e reproduz a crença de serem os “eupátridas’ da nova era – aqueles que podem acumular as sinecuras, as prebendas, emolumentos sem o serviço devido, deixando o público ao sol e à chuva, enquanto gozam de indecorosos “auxílios” que sobrepassam o salário de qualquer trabalhador. Não será a importação de bizarras doutrinas jurídicas ou exóticos sistemas abstratos que não se sustentam sobre um solo e sob um céu, iluminado pelo sol tropical, que darão uma resposta à muita saúva e ao outro tanto de cupim da República no Brasil. A eleição da corrupção como o “mal maior” não esconde a manobra espúria de varrer a desigualdade e a injustiça social da pauta urgentíssima, nem tão pouco que o vingador das classes médias é o mesmo que usufrui das “sinecuras”, dos cargos “sem preocupações”, que seus “privilégios”, suas “privadas leis”, lhes asseguram. Assim, suas narrativas desmancham no ar. Quarta, quinta e nesta última sexta-feira (4, 5 e 6 de abril) – este o dia mais longo da Repú- blica – os homens da toga pensaram em tomar a História nas mãos, em seu absurdo absolutismo, pensaram que eram os atores únicos da História e a escreveriam ao seu bel-prazer. Mas, a Histó- ria, essa velha dama rebelde, “è mobile”, sensível e amante do povo, da multidão, do imprevisto, da tormenta e das trincheiras e gosta de pregar peças aos incautos. Os togados tomaram a bola e exigiram cobrar pênalti. Mas não sabiam sequer onde era o gol. Não se blefa com adversário – é preciso acumular meios e força e aí não é blefe, é luta: vontade contra vontade. O outro time acumulou meios e fez uma boa concentração: o time da toga levou uma lavada. Os que apostaram no rapto da História – os militares, políticos, parcela amortecida da Nação e broto daninho do fascismo – quedaram aturdidos. Embaixo da toga não havia nada. E o povo rebelde tomou a História nas mãos, pelas mãos, com as mãos e reescreveu o roteiro. Eis o imprevisto da História. Agora o que vier é lucro. Forjou-se uma narrativa “do povo” contra “os poderosos”, incluindo os que não precisavam falar e falaram. Historiadores, como Giuseppe Verdi, sabem: a História, como “la donna, è mobile” e ama o povo.

  Mauro Osório, economista e professor associado da Faculdade Nacional de Direito O Brasil melhorava desde a Constituição Cidadã. Instituições como a Receita e a Polícia Federal foram progressivamente fortalecidas. Quan do Thomaz Bastos – ministro da Justiça no governo Lula – faleceu, o conservador jornal Estadão deu destaque à organização que ele realizou na Polícia Federal para combate à lavagem de dinheiro. Em 2013, foram organizadas manifestações contra o aumento do preço das passagens de ônibus, que posteriormente adotaram o equivocado discurso de que, com o fim da corrupção, todos os problemas sociais estariam resolvidos. As manifestações também caminharam hegemonicamente para um discurso raivoso contra a política, inclusive proibindo e rasgando bandeiras de partidos políticos. Desde então, a raiva tem aumentado. Quando Dilma foi reeleita presidente, em 2014, a realidade macroeconômica do país necessitava de ajustes, mas as avaliações públicas de economistas eram, de forma bastante consensual, que a economia teria pequeno crescimento em 2015. O que gerou, então, a queda no PIB, naquele ano, de em torno de 3,5%? Parece-me que foi a radicalização política, com pautas-bombas e outras maluquices, que contaminaram as expectativas econômicas, paralisaram os investimentos e prejudicaram o consumo, principal fonte da grave recessão em 2015 e 2016. Entre os desdobramentos, a prisão do ex-presidente Lula, baseada em processo que afirma que ele teria aceito um apartamento como propina para facilitar relações de empresas privadas com a Petrobras – apartamento que objetivamente não é dele –, parece-me que não pacifica o país. A prisão do Lula pode ampliar a crise política e as incertezas sobre a economia, principalmente em um cenário em que existe a possibilidade de termos um presidente, em 2019, que homenageia o falecido coronel Ustra, notório torturador. Em um país que perdeu quase três milhões de em - pregos com carteira assinada desde janeiro de 2015, a volta do fortalecimento das instituições e um debate com um mínimo de racionalidade são fundamentais.

Professor emérito da UFRJ, o historiador José Murilo de Carvalho critica Supremo e diz que pior problema do país não é corrupção, mas desigualdade. Historiador teme ascensão da extrema-direita Fernanda da Escóssia e Isabella de Oliveira   José Murilo de Carvalho é professor emérito da UFRJ e um dos mais renomados historiadores brasileiros. Ao analisar a crise, mira passado, presente e futuro e vaticina sobre as eleições:“Se ganhar um candidato de extrema-direita, que Deus tenha piedade de nós”. Em entrevista ao Boletim, ele alerta que o pior problema do Brasil não é a corrupção, mas sim a desigualdade.   Qual sua avaliação da prisão de Lula? É um momento de crise nacional, nunca tivemos um presidente preso por crime comum. É uma complicação grande, crime político é mais fácil de gerar reação. Ao mesmo tempo em que temos a cúpula do PMDB na cadeia, o próprio Temer ameaçado de processo, creio que o Judiciário e o Ministério Público estejam escolhendo particularmente o PT e a esquerda. Não há como tirar a interpretação política. Em que este momento se associa a outras crises, como o suicídio de Getúlio? 1954 foi crise política, não institucional. Girou em torno do combate a Getúlio e sua política, no contexto do anticomunismo da Guerra Fria. O suicídio desnorteou seus inimigos. E o PTB tinha líderes capazes de dar continuidade à política varguista. Um dos grandes problemas do PT é não ter substitutos para Lula eleitoralmente viáveis. O discurso de Lula antes da prisão lembrou a carta-testamento de Getúlio, escrita por José Soares Maciel Filho. Como analisa o papel do STF? Diante da desmoralização do Legislativo e do Executivo, o STF era o poder que mais legitimidade detinha, de acordo com pesquisas de opinião. Seu comportamento errático, suas disputas internas, as manifestações fora dos autos estão corroendo sua legitimidade. A prisão de Lula ameaça marcas de sua era, como as políticas sociais? A desigualdade é o principal problema do país e o povo não é bestializado. Enquanto houver eleições, candidato que não der atenção ao problema não será eleito ou, se eleito, não governará. O Brasil precisa de um forte partido de esquerda que ponha ênfase no combate à desigualdade. O PT precisaria reinventar-se para cumprir esse papel. Considera possível a formação de uma frente de esquerda? É difícil no primeiro turno. Partidos pequenos preferem concorrer sozinhos. No segundo turno, vai depender de quem estiver concorrendo. Uma frente contra Bolsonaro é plausível. Quais os desdobramentos para a eleição? É possível que Lula concorra, mas a probabilidade maior é que não. Se não concorrer, haverá crítica que o processo não foi legítimo, pois o candidato com maior apoio não participou. Se concorrer, é difícil prever o efeito da condenação. Qualquer um que for eleito não vai ter um governo fácil, a grande fragmentação do país se manterá. Se Lula ganhar, será mantida sua oposição. Se ganhar um candidato da extrema-direita, bom, que Deus tenha piedade de nós. Não há candidato de centro em boa posição eleitoral. O que me preocupa não é tanto o amanhã, mas os principais problemas do país: a desigualdade, o desemprego. Essas disputas tornam mais difícil recuperar a economia e retomar uma política de combate à desigualdade e de inclusão social. A eleição então não encerra a crise? A eleição, com ou sem Lula, não deverá encerrar a crise. O vencedor enfrentará oposição forte e terá que montar uma base no Congresso pagando o preço que os presidentes anteriores têm pago. O principal problema, crescimento com redução da desigualdade, permanecerá sem solução. Meu livro “Os bestializados” mostra que o povo NÃO era bestializado. Quem achar o contrário só leu o título.

Historiador afirma que atual crise é desdobramento do impeachment de Dilma, com instauração de um quadro de quase anomia. Para professor da UFRJ, há risco de exacerbação da violência física nas eleições Estudioso das ditaduras brasileiras, o historiador Carlos Fico analisa a atual crise como desdobramento do impeachment de Dilma – com a instauração de um quadro de quase anomia. Para o professor titular do Instituto de História, a prisão do ex-presidente Lula se transformou em troféu da Lava-Jato. O docente alerta para o risco de exacerbação da violência física durante as eleições. QUASE ANOMIA A crise de hoje se iniciou com o impeachment de Dilma Rousseff, que inaugurou um luto simbólico. É um tema clássico da análise historiográfica, a morte real ou simbólica do chefe de Estado. Isso abre um quadro de quase anomia, de crise institucional e quase suspensão da normalidade. A gente vê isso nessas idas e vindas do Supremo, na decisão de iniciar uma intervenção no Rio... O impeachment foi um momento de morte simbólica. HISTÓRIA Outro grande momento (dessa incerteza) foi a morte efetiva de Getulio Vargas. Até horas antes, muita gente clamava pela renúncia. Quando o suicídio ocorreu, foram chorar a morte do presidente. O tema da morte do chefe de Estado, do rei, do príncipe, desde Roma antiga, é um momento inaugurador de um problema, de um temor. LULA O ex-presidente se transformou num troféu da Lava-Jato, alguém que, segundo os procuradores, tinha de ser preso. A correria para a emissão do mandado de prisão mostra o quanto ele se transformou num troféu muito ansiado. A decisão judicial não me compete analisar. Compete à Justiça. Simbolicamente, Lula se tornou um troféu. Para culminar, houve essa pressa na emissão do mandado de prisão. Existe na sociedade uma percepção do que seria uma situação diferenciada em relação a outros investigados. Vamos acompanhar a situação do ex-governador mineiro Eduardo Azeredo, do PSDB, julgado e condenado em primeira e segunda instâncias. Agora vão ser julgados seus embargos. Ele vai ser preso? Se for preso com a mesma celeridade é uma coisa. Se não, dá uma impressão negativa. PRESSÃO MILITAR O comandante do Exército (general Villas Boas, que expressou “repúdio à impunidade”) tinha que ter sido demitido. Não se pode admitir que chefes do Exército pressionem. Não importa que tenha pressionado contra o Lula ou a favor. Não importa a posição. Ele teria de ter sido demitido. Mas é governo Michel Temer, um governo frágil. VIOLÊNCIA l Do ponto de vista da sociedade, a polarização tem caminhado para manifestações de violência. O meu temor é que essas manifestações de radicalização acabem marcando as eleições. Isso costuma ocorrer como exacerbação depois desses fatos simbólicos que levam a sociedade a momentos de quase excepcionalidade. APOIO DE LULA Ele vai conseguir transferir algum patamar de votos, não sei qual. Quem ele apoiar será beneficiado. FIM DA CRISE Não vejo que a eleição conclua a crise. A não ser que tivéssemos um candidato capaz de congregar a sociedade em torno não apenas de um projeto de governo, mas de uma proposta de unificação simbólica, que não temos. Temo que a campanha seja marcada por violência física. Não a tradicional violência do discurso político, mas confronto físico, com derramamento de sangue. É muito triste.

Em boletim especial, professores da UFRJ escrevem sobre a crise política do país. Adufrj entende é tarefa da Universidade refletir refletir sobre os recentes acontecimentos e seus possíveis desdobramentos À parte emoções, em seus variados (e compreensíveis) graus de intensidade, se impõem, urgentes, reflexões sobre a situação política criada pelo encarceramento do ex-presidente Lula. A seis meses de eleições gerais vislumbradas por muitos como oportunidade de retomada da normalidade democrática, o candidato à Presidência da República detentor dos mais elevados índices de intenção de voto é impedido de concorrer. Um fato que por si já não seria trivial, qualquer que fosse o personagem. Em se tratando, porém, de um ex-presidente que terminou oito anos de governo com elevados índices de aprovação, as repercussões podem beirar o impensável. Preocupações são inerentes à insegurança institucional. No conturbado contexto em que o Brasil se encontra, pairam ameaças à sequência do processo eleitoral, à garantia das liberdades civis, e, enfim, à própria democracia. Preocupações de tal natureza suscitam, sem dúvida, manifestações de emoção. Mas igualmente convocam à reflexão que, de algum modo, relativiza o imponderável. A diretoria da Adufrj entende que refletir sobre os recentes acontecimentos que sacudiram o país e seus possíveis desdobramentos é, no momento, tarefa que cabe à Universidade cumprir. Nesse sentido, o Boletim da Adufrj confere prioridade ao tema, buscando justamente incentivar a reflexão. Procurados, docentes de diferentes áreas se dispuseram a apresentar breves depoimentos, e alguns, do campo precípuo das ciências sociais, foram convidados a produzir análises mais focalizadas, embora, obviamente, curtas. O açodado ritmo dos lances que se sucederam na conjuntura dificultou a nossa empreitada que, contudo, se vier a contribuir para alimentar o debate, terá sido bem-sucedida. Boa leitura.

Topo