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Presidente da Adufrj, a socióloga Maria Lúcia Werneck Vianna alerta para a relevância de escolher um Congresso atuante e cobra, nos acordos para o segundo turno, o compromisso com a ordem constitucional “A intriga nasce num café pequeno Que se toma pra ver quem vai pagar...” VERSO DO SAMBA ‘POSITIVISMO’, DE ORESTES BARBOSA E NOEL ROSA Eleição dos rejeitados, reprise de 1989, pleito atípico... Muitos têm sido os epítetos cunhados pela imprensa ou viralizados nas redes sociais para designar aquela que parece ser a mais inusitada escolha de um presidente no Brasil até agora. Pelo menos desde o fim da ditadura militar. Noves fora a fragilidade programática dos partidos, o extenso número de candidatos nanicos e a baixa visibilidade de projetos para o país nas campanhas – aspectos recorrentes em tais ocasiões e com replicação quase caricatural em âmbito estadual, como se vê no Rio de Janeiro –, contingências recentes agudizam a complexidade deste atual momento pré-eleitoral. Diante de um cenário econômico desalentador, os eleitores se deparam com respostas tíbias, e por vezes contraditórias, para suas angústias, por parte dos que pretendem governá-los. Ódios, ressentimentos e outros imponderáveis, fermentados no caldo da intolerância e alimentados por duvidoso moralismo, resultam em desnecessárias interveniências, como prisões e facadas. O grande desafio das eleições gerais de 2018, contudo, é seu day after. Conhecidos os resultados após o primeiro turno, haverá, muito provavelmente, uma ressaca coletiva de três semanas, ao fim das quais o processo estará concluído. Concluído? Modus in rebus. Quem quer que seja o ungido pelas urnas, no dia 28 de outubro (ou, sabe-se lá, já no dia 7) vai encontrar um palco que nada terá de iluminado para desempenhar seu papel. A rondá-lo, uma cândida pergunta: como governará? Ou seja, com que apoios contará, que alianças precisará construir? Trata-se, com efeito, do que os analistas políticos gostam de exibir como instrumento precípuo de diagnóstico da conjuntura, a governabilidade. Um conceito com ares e pretensão de moderno, mas que apenas renomeia uma questão já tratada por Maquiavel com desenvoltura e apuro em O Príncipe, de 1513 (ver especialmente o capítulo XVIII, “De que modo devem os príncipes manter a palavra dada”, na tradução publicada pela Cultrix, de São Paulo, em 1995). Maquiavel procura equacionar a questão da estabilidade da ordem sem recurso à violência ilegítima. Nos termos de hoje, a questão da estabilidade da ordem democrática como pressuposto para governar com legitimidade. As pesquisas vêm apontando a polarização, na reta final do processo eleitoral, entre Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do PSL. A se concretizar esse vaticínio, verossímil, a interrogação da governabilidade nos marcos da institucionalidade democrática estabelecida pela Constituição Federal de 1988 se torna o ponto nevrálgico da agenda. Não só pelo risco de exacerbação violenta da antinomia esquerda versus direita, seja em versão atualizada, seja sob uma retórica ultrapassada, mas igualmente por conta das ameaças representadas pela crescente presença, em cena, de idiossincrasias, abusos e distorções que, tangenciando a ilegalidade, deturpam o quadro político desde a intempestiva expulsão de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. Por tudo isso e mais um pouco convém lembrar que estas eleições são gerais e não apenas presidenciais. A escolha dos membros do Congresso – deputados federais e senadores – assume especial relevância na medida em que à instituição legislativa caberá fomentar a gravitação em torno do centro político que, por definição, opera na esfera parlamentar. Já se sabe que não ocorrerá renovação de monta nem na Câmara nem no Senado. Como, porém, renovação não significa automaticamente “melhora”, o que se deve esperar (e desejar) é que o Parlamento se comporte como instituição republicana, garantindo o respeito aos desígnios constitucionais. Também é essencial não esquecer, nessa chave, que a escolha dos governadores e deputados estaduais faz parte do pacote de complicações e desafios imposto às eleições gerais de 2018. Pois governadores são atores de peso nas estratégias de governabilidade. Influenciam bancadas regionais no Congresso, avalizam ou não o pacto federativo, conferem substrato (ou não) à movimentação partidária nas arenas nacional e subnacionais. A montagem do quebra-cabeças da governabilidade começará, decerto, com a escolha presidencial em 7 de outubro, embora o desfecho possa vir a ser conhecido somente em 28 de outubro. Contudo, dependerá outrossim das demais escolhas – a escolha dos governadores estaduais que acompanha a agonia da escolha presidencial – e a escolha dos representantes legislativos que, esta sim, se encerra em 7 de outubro. Na ausência, praticamente, de dúvidas quanto a um segundo turno, não custa refletir sobre a importância que ganhará esse breve período, em função das vicissitudes da conjuntura. Mais do que nunca faz sentido o jargão de que o segundo turno configura uma nova eleição. Nas três semanas seguintes ao pleito de 7 de outubro estará sendo preparada a eleição que definirá os rumos do país nos próximos quatro anos, se, nessa preparação, estiver contemplada a questão da governabilidade que efetivamente importa, isto é, como estabilidade da ordem na plena vigência dos preceitos democráticos. Tomara que os indispensáveis acordos e negociações firmados nesse processo sejam norteados por tal prioridade. Restaria, no entanto, um desafio para que a normalidade fosse (a mudança do tempo verbal é proposital) efetivamente restaurada, satisfazendo expectativas (que vêm sendo frustradas) em relação à república e à democracia no Brasil: a redução do protagonismo do poder judiciário. Evidentemente esse desiderato independe do voto, o que não impede supor (ou torcer para) que uma coalizão de governo ampla, sustentada por bases democráticas e republicanas no Parlamento, possa eventualmente sustar o exagerado – e, por consequência, nefasto – movimento de politização da justiça no Brasil. A politização da justiça sinaliza perigos não descartáveis. O caráter não eletivo dos cargos da magistratura é (ou deveria ser), formalmente, um óbice à atuação de juízes e procuradores na atividade decisória. Quando se arvoram a dela participar, usurpam funções do Legislativo, insidiando falsa imagem de inépcia do mesmo e contribuindo para que se transforme na Geni da canção de Chico Buarque. Ora, a desmoralização do Legislativo é um atalho para o autoritarismo. Ademais, reforçam o mito de que decisões tomadas por funcionários altamente qualificados, concursados, técnicos, são sempre superiores a decisões políticas. Outro atalho para o autoritarismo. A epígrafe deste texto foi tirada do samba “Positivismo”, de Orestes Barbosa e Noel Rosa. Só o título já oferece inspiração para interpretar a ansiedade que impregna os primeiros dias desse outubro. Vale conferir. Maria Lúcia Werneck Vianna Presidente da Adufrj

Professores discutem democracia, insegurança institucional, reformas, polarização política, crise econômica e universidade na mais complexa campanha eleitoral da história recente do país Professores discutem liberdades democráticas, insegurança institucional, reformas, polarização política, crise econômica e a situação da universidade na mais complexa campanha eleitoral da história recente do país PORQUE A LIBERDADE ESTÁ AMEAÇADA PORQUE HÁ RISCO DE INSEGURANÇA INSTITUCIONAL PORQUE ESTÃO EM JOGO TEMAS QUE AFETAM A VIDA DAS PESSOAS PORQUE ESTAMOS DIVIDIDOS COMO NUNCA PORQUE VIVEMOS UMA PROFUNDA CRISE ECONÔMICA PORQUE A UNIVERSIDADE PÚBLICA ESTÁ EM XEQUE

Fernanda da Escóssia e Silvana Sá

Sempre que as instituições fraquejam, a insegurança institucional cresce, e a democracia corre risco. É assim que pesquisadores da UFRJ e da Uerj analisam, não sem apreensão, o quadro institucional brasileiro e as perspectivas para o futuro do país. A jurista Margarida Lacombe Camargo, professora da Faculdade Nacional de Direito, vê mais que um cenário de crise. Ela afirma que há um colapso institucional. Crise, afirma, é um curto-circuito passageiro, enquanto o colapso se associa a um quadro de falência em altíssimo grau. “As instituições estão corrompidas, inclusive o Judiciário, o que é pior e mais grave”, analisa. “São instituições degeneradas, viciadas. O Judiciário, desenhado para ser neutro e aplicar normas, atua como ator político, estrategicamente”. A professora critica duas medidas recentes do Judicário: a quebra do sigilo da delação do ex-ministro Palocci e a proibição da entrevista do ex-presidente Lula. E diz que tal estratégia só se sustenta porque há respaldo nos meios de comunicação. Ao agir desse modo, afirma ela, o Judiciário dá um tiro no pé: “Isso pode dar margem a um tipo de governo que não seja com base em instituições, muito menos democráticas”. Sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, José Maurício Domingues atenta para as consequências de um quadro de instabilidade institucional. “Desde o governo Dilma a gente vê militares trazidos para o centro da política. Quando você tem instabilidade, começa a ver militares e Judiciário tomando mais vulto na política”, afirma. O risco é, segundo ele, “o sistema político acabar se desestabilizando novamente, e a gente ter uma resposta autoritária. Não necessariamente golpe militar. Mas um processo insidioso, mais discreto e que, no entanto, não deixa de ser importante”. A presidente da Adufrj, professora Maria Lúcia Werneck Vianna, alerta para a necessidade de, nos acordos para o segundo turno, garantir a estabilidade democrática. “A interrogação da governabilidade nos marcos da institucionalidade democrática estabelecida pela Constituição de 1988 se torna o ponto nevrálgico da agenda”, afirma. Especialista em Direito Constitucional, o diretor da Faculdade Nacional de Direito, Carlos Bolonha, aponta um desajuste de atribuições entre Legislativo e Executivo. “Há desequilíbrio nas funções e competências desses Poderes, mas não é um fenômeno unicamente brasileiro. O modelo está em crise no mundo”, comenta. A saída, segundo ele, deve levar em conta a reaproximação da sociedade com o Executivo, além de equilíbrio e convergência entre os Três Poderes. “Caso isto não ocorra, os direitos fundamentais e sociais ficarão cada vez mais frágeis, há ameaça ao princípio da igualdade. Por consequência, o projeto democrático fica comprometido”, alerta Bolonha.

“A eleição que vamos viver tem uma dimensão de confronto entre democracia e barbárie. Seja qual for o resultado, todo nosso empenho deve ser em defesa da democracia e das liberdades que ela assegura, como a liberdade de expressão e de manifestação”. A opinião é de Maria Paula Araújo, professora do Instituto de História e diretora da Adufrj. A docente cobra uma aliança de todas as pessoas, forças políticas e partidos comprometidos com um programa democrático. Segundo ela, a importância do processo eleitoral deste ano está no fato de o candidato mais bem colocado nas pesquisas apresentar um discurso que colide com os princípios da Constituição: “Bolsonaro diz publicamente que vai armar pessoas, que a ditadura foi uma coisa boa. A forma como ele trata as mulheres e a população LGBT demonstra que não tem apreço pelos direitos conquistados”. Mesmo a liberdade de educar está no fio da navalha, diante do programa Escola sem Partido, defendido pelo candidato do PSL. É o que afirma o professor Ricardo Castro, do Instituto de História da UFRJ: “Há uma onda conservadora, pelo menos desde 2013, fazendo uma guerra cultural contra o pensamento crítico. Esse discurso semeia perseguição contra professores no exercício de sua função educativa”. De acordo com Castro, o Escola sem Partido se fantasia com uma perspectiva democrática, quando, na verdade, “atenta contra a liberdade de cátedra”. Diretor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ, Vantuil Pereira também chama atenção para a importância do pleito deste ano: “Esta eleição coloca em xeque uma série de políticas de direitos humanos”, afirma. O diretor do NEPP-DH destaca ainda que qualquer candidatura do campo democrático deve sinalizar para o fim do teto de gastos que sufoca as políticas sociais. “O mais grave desta eleição é a produção de desinformação e a liberação dos discursos de ódio, sem consequência. Discursos que são intoleráveis num regime democrático”, diz a diretora da Escola de Comunicação, Ivana Bentes. Se é verdade que sempre houve fake news, até mesmo produzidas pela mídia tradicional, isso se massificou no ambiente digital. “Hoje, qualquer pessoa num grupo de whatsapp dissemina uma notícia sem nenhum tipo de contraditório. Não existe uma orientação de checagem de fatos. Nunca foi tão importante uma formação para a mídia”, afirma.

Elisa Monteiro e Kathlen Barbosa

De trabalho a saúde, passando por segurança e envelhecimento, a eleição de 2018 toca em temas do cotidiano dos brasileiros – e também por isso é fundamental. O índice de desemprego supera 12%, mais do que o dobro do de 2013. “Quando você pensa no impacto social de 12 milhões de desempregados, fica fácil entender por que isso está na ordem do dia”, afirma o professor João Luiz Sabóia, do Instituto de Economia, que considera vagas as propostas dos presidenciáveis para o tema. A segurança ganhou contornos diferentes pela presença do candidato Jair Bolsonaro (PSL), capitão da reserva do Exército. “Ele encarna a ideia neofascista de que homens de bem podem se armar para matar criminosos impunemente”, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Para o ex-secretário de Segurança do Rio, uma vitória do candidato pode significar “um banho de sangue”: “Não precisa esperar a posse. Para setores que já exterminam jovens negros pobres nas periferias à margem da legalidade, a sinalização é de liberdade para matar em nome de suposta ordem”. PREVIDÊNCIA E SAÚDE Num país com população idosa crescente, o modelo de Reforma da Previdência castiga os idosos e a longevidade, que deveria ser uma conquista, avalia Denise Gentil, do Instituto de Economia. “Viver mais é decorrência do avanço tecnológico, das informa- ções, do saneamento básico. É uma conquista social”. A especialista avalia que os candidatos dissociam a questão demográfica de temas como emprego, educação e salário. “Essas forças asseguraram que trabalhadores ativos tenham salários melhores e contribuam para o melhor padrão de vida dos idosos”, explica a docente. Já os economistas Margarida Gutierrez e Carlos Frederico Leão concordam que, em longo prazo, o aumento do tempo de contribuição será inevitável. Para a vice-presidente da Adufrj e pesquisadora em saúde coletiva, Ligia Bahia, as eleições serão decisivas. “Temos uma candidatura (Haddad) que se compromete com aumento de recursos para a saúde e outra (Bolsonaro) que diz que tem dinheiro demais na saúde e vai cortar despesas. Isso é uma tragé- dia, porque temos um volume pequeno de despesa com a saúde, insuficiente para termos um sistema universal”, completa.

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