Um ano depois das maiores manifestações de rua contra o governo Bolsonaro, a Educação voltou a mostrar sua força no dia 15 de maio. Em 2020, em respeito ao isolamento social, a campanha do 15M tomou as redes sociais.
Em 2019, o estopim para os protestos foi a defesa das universidades públicas. Este ano, a principal bandeira foi o adiamento do Enem. E, diante da pressão popular e de uma expressiva derrota sofrida no Senado, o governo adiou as provas, na última quarta-feira.
Cinco dias antes, no 15M, um tuitaço colocou a tag #AdiaEnem em primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no Twitter.
“O #AdiaEnem acabou dominando o 15M”, explicou o diretor da AdUFRJ Josué Medeiros, referindo-se à campanha planejada pelo Observatório do Conhecimento e que ocupou as redes com vários temas na semana do 15M.
A ação começou na segunda-feira (11), listando os ataques do governo à educação. Na terça, foi a vez de exaltar o trabalho das universidades no combate à pandemia, chamando atenção para pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelas instituições, usando a tag #MinhaBalbúrdiaÉ. Na quarta, a programação era apoiar o #AdiaEnem, que já vinha mobilizando manifestações esparsas desde a semana anterior. Quinta foi o dia que as redes sociais adotaram para postar suas lembranças do 15M de 2019.
Na sexta-feira, 15, foi a vez do tuitaço. O grupo de trabalho do Observatório, responsável pela campanha, escolheu a hashtag #CiênciaSalvaVidas para acompanhar a tag da campanha do Enem. O #AdiaEnem teve mais de 107 mil menções em uma hora, e foi compartilhado por políticos ligados ao campo progressista, além de influenciadores e artistas.
Na avaliação do professor Josué Medeiros, a campanha teve um saldo muito positivo. “Temos que aprofundar o debate sobre novas formas de luta com urgência, já que a pandemia coloca isso de uma maneira inédita ao nos impedir de ir para a rua”, explicou. “Nossa ideia sempre foi unificar as formas de luta tradicionais com as novas formas, entendendo que esse mundo digital não é só um lugar de comunicação, mas um lugar onde as pessoas estão se formando politicamente. O 15M foi mais uma nova forma de fazer isso.”
Medeiros aprofundou o balanço da campanha, explicando quais são os desafios para manifestações em redes sociais. “Os vídeos que repercutiram melhor na nossa base foram os de exaltação do trabalho das universidades, mas talvez as pautas do nosso 15M e do #AdiaEnem estivessem um pouco difusas. O desafio é como dar mais consistência a esses movimentos nas redes, sem ser difuso, mas alargando o arco para conseguir envolver mais gente”, avaliou.
Outra ação da campanha foi a projeção de vídeos nos bairros de Botafogo, Glória, Humaitá e Copacabana. A diretora da AdUFRJ Christine Ruta esclareceu que a intenção era espalhar a iniciativa por mais bairros, mas as dificuldades impostas pelo isolamento social limitaram a área de atuação. Os vídeos traziam mensagens como críticas ao ministro Abraham Weintraub e de defesa das universidades. “A ação funcionou porque conseguimos nos manifestar nas ruas, mas obedecendo ao isolamento social”, contou. “Outro objetivo que atingimos foi o de criar um ato capaz de ser multiplicado, já que o material estava à disposição dos nossos sindicalizados, e de quem mais quisesse se manifestar”.
Somente na imprensa, foram registradas 239 matérias. Durante todo o dia da manifestação, o portal da SBPC, organizadora da Marcha, recebeu mais de 28 mil visitas. As duas hashtags empregadas durante a manifestação (#paCTopelavida e #MarchaVirtualpelaCiência), que somaram 30 mil tuítes, ficaram entre os assuntos mais comentados do Twitter no dia 7. No Youtube, o canal da SBPC alcançou mais de 600 mil usuários e ganhou 3,4 mil inscritos.
O presidente da SBPC e professor do Instituto de Física da UFRJ, Ildeu Moreira, avaliou como positiva a mudança da Marcha para o ambiente virtual. “Foi uma iniciativa importante, e mostrou que temos de usar mais as redes”. Ildeu reconheceu a influência da pandemia nos números. “Este ano, de fato, atingiu mais pessoas. Estamos num momento diverso, que facilita por um lado, mas dificulta a organização mais efetiva das nossas atividades presenciais”, afirmou.
A inovação também ajudou a ampliar o alcance da Marcha. O aplicativo Maniff.app, possibiliou uma experiência inovadora de manifestação online, posicionando avatares em um mapa virtual em todo o planeta, com placas e faixas em defesa da ciência e da democracia. Na noite de 7 de maio, 15.800 participantes estavam logados, a grande maioria em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. “Tivemos um êxito incrível”, disse Ildeu.
Para a professora Christine Ruta, diretora da AdUFRJ, a SBPC fez bem ao manter a Marcha, mesmo no ambiente virtual. “Os números são muitos significativos. O confinamento nos forçou a isso. E a SBPC acertou, construindo essa maneira de as pessoas se expressarem”, avaliou.
O Colégio de Aplicação da UFRJ está em festa. A unidade completou 72 anos dia 20 de maio e, mesmo na quarentena, comemorou o aniversário com ações virtuais. “Nosso colégio é uma referência de experimentação e compromisso com a educação pública”, resumiu a ex-diretora e professora Cristina Miranda, em discurso no último Conselho Universitário, na quarta-feira, 20. Integrantes e ex-integrantes da comunidade escolar, além de pais de alunos, gravaram vídeos para celebrar a história de resistência e qualidade da escola. A reitora Denise Pires de Carvalho inaugurou a série, que também contou com a participação do decano do CFCH, Marcelo Corrêa e Castro. Todos reverenciando a educação pública do CAp que, hoje, reúne mais de mil alunos da educação infantil ao terceiro ano do Ensino Médio.
Uma das atividades virtuais foi uma live com a coordenadora da equipe de resgate do Museu Nacional, professora Claudia Carvalho. Ela contou como anda o trabalho de identificação de peças encontradas nos escombros do prédio histórico. Desde o incêndio, em 2 de setembro de 2018, já foram retiradas 2,5 mil toneladas de entulho do local, o equivalente a duas estátuas do Cristo Redentor.
Por conta do vírus, as buscas foram suspensas. A equipe estima que ainda seja necessário mais um mês de garimpo, assim que for possível retomar atividades presenciais. “Temos 5.400 ‘entradas’ de materiais resgatados, mas este número será significativamente maior quando finalizarmos o inventário. Muitos materiais encontrados juntos receberam o mesmo número de registro para facilitar esta primeira etapa”, justificou.
Diretor do Museu Nacional, o professor Alexander Kellner afirmou que o cronograma de reconstrução da unidade não foi prejudicado pela pandemia. “Estamos em fase de elaboração de projetos para começar os processos licitatórios. A única coisa que precisou parar foi o resgate, mas falta pouco para ser concluído”, comemorou.
O docente afirmou que as metas de reabertura do espaço continuam as mesmas: abertura parcial em 2022, junto com o bicentenário da Independência do Brasil, e abertura completa em 2025. Formas de higienização, limitação dos visitantes e exposições abertas estão no horizonte. “Como os museus funcionarão no mundo pós-pandemia é um grande desafio. Estão previstas áreas expositivas ao ar livre. E também a abertura do horto botânico à visitação, com um borboletário”, revelou.
SCIENTIFICARTE
Projetos que atuam em parceria com o Museu Nacional também celebraram a Semana. É o caso do Scientificarte, projeto de extensão do Instituto de Biologia. Christine Ruta, diretora da AdUFRJ e coordenadora do projeto, explicou que o objetivo é estimular o aprendizado de ciências a partir de expressões artísticas. O público-alvo é formado por professores e alunos da rede pública de ensino. Mais de dez mil alunos da educação básica já participaram de ações extensionistas do projeto, que existe desde 2006 e foi o primeiro da UFRJ-Macaé.
“Resolvemos participar na 18ª Semana porque um museu é um espaço de cultura e de pesquisa que infelizmente, no cenário político de hoje, são substantivos muito desvalorizados”, avaliou a professora. “No atual momento de distanciamento social é importante chamar a atenção para a relevância destes espaços, principalmente para as crianças e jovens”.
O maior desafio, aponta Ruta, talvez seja o de sensibilizar a sociedade para a importância da arte no mundo contemporâneo. “Como demonstrar para o público que cultura, numa acepção mais geral, é o que nos torna humanos? Como argumentar que uma cantata de Bach e um samba de Cartola são tesouros da humanidade e que devem estar acessíveis a todos?”, questiona. A promoção da educação, na avaliação da docente, pode ser a resposta. “Tanto no Scientificarte quanto na diretoria da AdUFRJ defendo ardorosamente a educação pública, o maior instrumento de promoção da cultura”.
Victor Hugo de Almeida Marques é mestrando do Programa de Pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional e participou do Scientificarte, durante a graduação. Ex-aluno de Ruta na iniciação científica, ele acredita que ter feito parte desse projeto na graduação foi determinante para seguir na carreira acadêmica. “Sem dúvidas, me ensinou a repassar meus conhecimentos para públicos de diferentes idades. Sinto falta de mais projetos de extensão vinculados à pesquisa”.
O jovem cientista é um caso de sucesso. Seu projeto foi um dos cinco do Museu financiados no ano passado pela National Geographic Society. “Foi graças a este fomento que eu pude recompor meu material de trabalho para dar seguimento à minha pesquisa. Meu laboratório foi destruído no incêndio. Não pegou fogo, mas foi totalmente soterrado pelos andares superiores, que desabaram com as chamas”.
A UFRJ tem feito a diferença no combate à pandemia também no Norte Fluminense. O Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem) é destaque na produção de diagnóstico molecular para o coronavírus via PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em Macaé e arredores. O teste de PCR é considerado o mais preciso, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Uma equipe de voluntários, que integra a universidade à rede de saúde local, produziu mais de 500 laudos em cerca de um mês de trabalho. E pretende dobrar o ritmo na próxima semana, de 20 para 40 testes por dia.
“No final de março, perguntamos no que podíamos contribuir e a prefeitura disse que os resultados do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) estavam levando vinte dias”, explica o professor Rodrigo Nunes, diretor do Nupem. “Hoje estamos entregando os resultados em 48 horas”.
O know-how foi trazido do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia, do Centro de Ciências da Saúde, pela coordenadora do projeto e professora de Macaé, Natalia Martins Feitosa, e pelo técnico de laboratório Bruno Rodrigues. “Fomos ao Fundão em dupla para termos um melhor aproveitamento das orientações e para trocar conhecimento”, relata a pesquisadora. Segundo ela, os primeiros diagnósticos foram produzidos com insumos doados pelo CCS.
A docente e o técnico foram os responsáveis pela adaptação do laboratório acadêmico Mário Alberto Neto em um laboratório de campanha. E toda a estrutura foi checada antes do uso. “Estivemos em Macaé para uma avaliação. E estava tudo em conformidade, não apenas para dar início aos 20 diagnósticos diários, mas para ampliar a produção como vão fazer agora”, conta o coordenador do Laboratório de Virologia Molecular, no Fundão, professor Rodrigo Brindeiro.
Atualmente, quinze pessoas se revezam em jornadas diárias. Oito delas, docentes da universidade. O trabalho é realizado em três etapas: a extração do RNA e PCR (no laboratório) e a produção dos laudos.
Até o momento, não há registro de contaminação entre os integrantes da equipe, o que reforça a segurança da operação.
O diagnóstico é uma das principais ferramentas dos gestores para conter a pandemia. A testagem permite um isolamento direcionado e mais eficiente. Macaé está entre os municípios fluminenses que adotaram medidas sanitárias duras para conter a doença. O controle sobre o comércio e as barreiras na entrada e saída da cidade são alguns exemplos.
Pelo Twitter, o prefeito Aluizio dos Santos — que é médico — homenageou a universidade. “Em meio às dificuldades, preciso agradecer ao NUPEM/ UFRJ pela realização dos testes Covid. Por respeito, por reconhecimento humano e científico, por gratidão. Valeu”, publicou no início de maio.
Para o diretor da AdUFRJ e integrante da equipe do Nupem, professor Jackson Menezes, a realização de parcerias em Macaé “é histórica”. “Houve um diálogo muito importante com a prefeitura, os principais hospitais da cidade (públicos, privados e filantrópicos) e setores econômicos, como as empresas offshore da cidade. Certamente, muitas vidas foram poupadas com esses 500 diagnósticos”, avalia.
Já o diretor do Nupem destaca a agilidade na iniciativa. “Outras universidades do estado do Rio de Janeiro, com os mesmos recursos humanos e de equipamentos que nós, ainda estão em negociação com as secretarias de saúde”, afirma o docente.
Doações e transparência
O Ministério Público Federal é outro ator envolvido na ação da UFRJ de Macaé. De acordo com o procurador Fábio Sanches, desde que a pandemia chegou ao Brasil, há uma especial atenção às ações de combate ao vírus. “Incluindo desde investigações sobre fraudes licitatórias até ações de melhoria para a saúde nos estados e municípios”, acrescenta.
Para o procurador, a UFRJ “está muito bem nas ações e na transparência”. E, em sua avaliação, “é um momento importante para reafirmar o valor da ciência e universidades na trajetória do país”. “Não teremos um país desenvolvido, se não valorizarmos o ensino e a universidade”, avalia.
O trabalho de diagnóstico molecular da Covid-19 no município de Macaé e região agora também dispõe de uma conta própria na Fundação Coppetec para receber doações. Até quarta-feira à tarde, o fundo já somava R$ 127.258,53, arrecadados a partir de 34 doadores. O recurso é crucial para ser alcançada a meta de mil diagnósticos por mês. Qualquer pessoa física ou jurídica pode doar. Mais informações podem ser obtidas na página eletrônica da Coppetec (https://bit.ly/2XePlVR).
Como doar?
Através de depósito bancário a favor de:
Fundação COPPETEC
CNPJ 72.060.999/0001-75
Banco do Brasil
Agência 2234-9
Conta 55.633-5
Atenção: Após o depósito, remeta para o email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.uma cópia do documento bancário do depósito. Por este e-mail, será remetido um recibo para fins fiscais e contábeis. O doador pode ficar anônimo, mas, para isso, deve avisar na mensagem.