Um rico e descontraído passeio pela história da universidade. Assim transcorreu o último Tamo Junto, bate-papo virtual realizado pela AdUFRJ todas as sextas-feiras. Na edição especial do dia 4, o professor Hélio de Mattos Alves, da Faculdade de Farmácia, ficou responsável por apontar fatos e curiosidades na trajetória da mais antiga instituição federal de educação superior do país.
Seria difícil encontrar um “guia” mais preparado. Hélio, que se graduou em 1981 pela própria Farmácia e ocupou o cargo de prefeito universitário por sete anos (de 2004 a 2011), é um apaixonado pela UFRJ.
A viagem pelo tempo remontou aos primeiros cursos superiores instalados no país, após a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808. “Quando chegou aqui, Dom João VI montou uma estrutura de poder”, disse Hélio. “Ele precisava de médicos para cuidar da corte, engenheiros para construir casas e artilharia para armas, além de advogados para fazer as leis da colônia. Essas eram as três grandes escolas isoladas que existiam”, lembrou. Desse aparato também fazia parte a Escola Real de Belas Artes, fundada em 1816. “Dom João trouxe os melhores pintores para o Brasil, botânicos e gente de todas as ciências. As nossas unidades isoladas existiam para servir à Corte”, explicou Hélio.
Com a República, veio o decreto do presidente Epitácio Pessoa em 1920, que reuniu os cursos de Medicina, Engenharia e Direito para formar a então denominada Universidade do Rio de Janeiro. Mas o improviso era grande. Não havia sequer um prédio oficial para a reitoria. “O gabinete dos reitores era onde eles trabalhavam. As salas dos catedráticos eram verdadeiros palácios, gabinetes de primeira linha. Se o reitor fosse da Faculdade de Medicina, a reitoria era lá, se fosse professor da FND, a reitoria era lá”, contou Hélio.
A gestão de Pedro Calmon, reitor de 1948 a 1950 e de 1951 a 1966, mudou essa realidade. “Ele não era ligado muito organicamente à universidade. Por isso, ganhou uma salinha na Rua do Ouvidor”, afirmou Hélio. Descontente com o pequeno espaço que lhe reservaram no Centro, o novo reitor enxergou uma oportunidade no então abandonado hospital psiquiátrico Pedro II, na Praia Vermelha, entregue à universidade poucos anos antes. “Fez uma obra luxuosa e levou a primeira faculdade para lá, a Escola de Educação Física, e também a nova reitoria”, lembrou o professor, sobre o atual Palácio Universitário.
A criação do campus da Cidade Universitária não passou em branco na apresentação do professor ao Tamo Junto. Para Hélio, existe um mito de que a UFRJ se mudou para um espaço mais distante do Centro para isolar os estudantes, durante o regime militar. “Eu, como estudante nos anos 70, digo que a efervescência política da Ilha do Fundão no período foi intensa e preponderante”, destacou.
FUNDAÇÃO DA ADUFRJ
Basta ver o exemplo do movimento docente. A AdUFRJ foi fundada em 1979, basicamente por professores do Fundão, disse Hélio. “Quem aglutinou os professores da UFRJ foi a AdUFRJ. A criação do sindicato e as greves permitiram que a gente se conhecesse”, relembrou. “Foi o fator essencial para os professores saberem mais um sobre o outro, já que a gente é muito fragmentado”, afirmou.
Hélio considerou um marco do centenário a reitoria ser ocupada pela professora Denise. “As mulheres nunca tiveram muito espaço na UFRJ. Não tivemos muitas mulheres catedráticas, o que equivale hoje a ser professora titular. Passaram 100 anos para termos a primeira mulher reitora da universidade. É a marca dos novos tempos, as mulheres cada vez mais ocupam o espaço da Ciência”.
Em setembro de 2012, ela foi convidada a descerrar a placa que deu ao campus Macaé o nome de Aloísio Teixeira. Bastante emocionada, declarou uma frase que para ela representava o filho reitor: “A audácia dos sonhos é que eles se realizem”. A atual presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, lamentou a morte de dona Iracema: “A nossa homenagem à D, Iracema, e à sua valiosa lição, pois só vale sonhar se for para realizar nossos sonhos!”
Acompanhe ao vivo a transmissão:
https://www.facebook.com/direcaoifcs/
“Como você se integra à cidade?”, questionou a professora Luciana Lago, do Instituto de Planejamento Urbano e Regional, aos participantes do CineAdUFRJ do dia 9. A atividade virtual promovida pelo sindicato e pelo Grupo de Educação Multimídia da Faculdade de Letras debateu pela primeira vez o tema “direito à cidade”.
Luciana, que atua como pesquisadora da rede Observatório das Metrópoles e estuda experiências de habitações autogeridas por movimentos sociais urbanos no Brasil, destacou um dos filmes sugeridos para a sessão: “Era o Hotel Cambridge.” Produzido em 2016, o filme conta a história de refugiados recém-chegados ao Brasil dividindo um velho edifício abandonado no centro de São Paulo com um grupo de sem-tetos.
“Olhando a diversidade cultural e as tensões em ‘Era o Hotel Cambridge’, me perguntei em que sentido esse projeto da cidade moderna tem a intenção de homogeneizar, unificar crenças e modos de vida”, afirmou.
A docente tocou assim na constatação do geógrafo britânico David Harvey que inspirou o tema do evento: “O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pelas mudanças da cidade”. Sob a perspectiva dos movimentos minoritários, explicou Luciana, o “direito à cidade” reflete a necessidade de uma revolução urbana e social.
Para a arquiteta Carla Caffé, que participou da produção do mesmo filme, é preciso aproximar a Academia dos movimentos sociais. “Ao fazer este filme, precisamos ir para as reuniões de base do movimento para entendê-lo melhor”, relembrou Caffé, que é professora da Escola da Cidade, em São Paulo.
A discussão do direito à cidade terá uma sequência no cineclube: uma segunda sessão está marcada para o dia 23.
Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX a cidade do Rio de Janeiro vive um grande processo de transformação. Como apontou Flora Sussekind, a cidade, que já aparece como epicentro da vida política e cultural do país, desejava se modernizar.
“A Capital: a encenação de um Brasil que se deseja moderno, de uma população que troca seu velho figurino por sapatos e paletós obrigatórios, de uma ansiosa substituição do naif pelo puro chic”. 1
Este empenho se traduziu no projeto de urbanização e modernização levado a cabo pelo prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos, entre 1902 e 1906. Destas obras emergiu a “Cidade Maravilhosa”, que começou a definir uma identidade cultural própria. Além disso, na visão de Américo Freire, constituiu postura e relações políticas próprias, valendo-se do fato de que, como Distrito Federal, gozava de uma certa autonomia.2
Em contrapartida, como apontou José Murilo de Carvalho, a grande propriedade rural e o legado da escravidão freavam a modernização e eram obstáculos à cidadania civil e política. A urbanização evoluiu lentamente, concentrando-se em algumas capitais, especialmente Rio e São Paulo; da mesma forma, a industrialização também se concentrava nestas capitais; na época o Rio de Janeiro era a cidade mais industrializada. São Paulo e Rio tinham perfis diferentes nesse campo: no Rio havia forte presença de população negra oriunda da escravidão, em São Paulo a maioria do operariado era composta de imigrantes europeus. Mas ambos tinham, nesta época, grande influência do movimento anarquista que só será superado após a criação do Partido Comunista Brasileiro em 1922.3
Mas, em 1920, o Rio de Janeiro era também uma capital social. Uma vida circulava pelas ruas do centro da cidade, pelas ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias, onde se respirava um ar mundano e moderno. As famosas melindrosas do caricaturista J. Carlos são representações dessa atmosfera da cidade. Esta mundanidade também se estendia à vida social do Palácio do Catete que, no tempo do Presidente Epitácio Pessoa, foi das mais intensas.4 O presidente ofereceu algumas grandes recepções e a mais marcante foi o banquete de gala para os reis da Bélgica.
Mas, sobretudo o Rio foi uma capital cultural. Não apenas em 1920, mas ao longo de toda a década 20, intelectuais e artistas pensavam e interpretavam a República; expressavam e criticavam as contradições da capital. Num estudo clássico sobre história e literatura, Nicolau Sevcenko aborda a vida e a obra de dois escritores cariocas que ele considera representativos das contradições, dilemas e agruras da Primeira Republica e, ao mesmo tempo, das maiores expressões literárias do período: Euclides da Cunha e Lima Barreto.5 Para Sevcenko estes dois escritores transformaram sua escrita em “missão”. Euclides da Cunha (1866-1909), em sua obra monumental “Os Sertões” retratou e recriou a guerra de Canudos, do sertão da Bahia, tendo acompanhado a atuação do exército republicano que destruiu o arraial de Canudos, liderado por Antonio Conselheiro. Lima Barreto (1881-1922) mulato, pobre, alcoólatra, fez de seus romances e contos uma contundente crítica à sociedade carioca da época, denunciando a desigualdade social e o racismo.
Mas, para além da literatura, a cultura popular marca os anos 20 e deixará um legado indelével na cidade e no país: o samba. Nas primeiras décadas do século XX, músicos, artistas, compositores, capoeiristas reuniam-se na Pequena África, nas regiões da Gamboa, Saúde, Pedra do Sal nas casas das tias baianas, em especial na casa de Tia Ciata, onde compunham, cantavam, dançavam e tocavam samba, sempre perseguidos pela polícia.6
1 Sussekind, Flora. As Revistas de Ano e a Invenção do Rio de Janeiro. RJ. Nova Fronteira/FCRB, 1986, pp15
2 Freire, Américo. República, cidade e capital: o poder federal e as forças políticas do Rio de Janeiro no contexto da implantação republicana. IN Ferreira, Marieta (Org.) Rio de Janeiro: uma cidade na história. RJ, Editora FGV. 2000, PP 29
3 Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. RJ, Civilização Brasileira, 2010, pp58, 59
4 Lustosa, Isabel. Histórias de Presidentes. A República no Catete. RJ, Vozes, 1989, pp87
5 Sevcenko, Nicolau, “Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República”, Brasiliense, SP.
6 Moura, Roberto Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, RJ, FUNARTE, 1983
Maria Paula Nascimento Araujo
Historiadora, professora titular do Instituto de História da UFRJ, ex-diretora da AdUFRJ