Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX a cidade do Rio de Janeiro vive um grande processo de transformação. Como apontou Flora Sussekind, a cidade, que já aparece como epicentro da vida política e cultural do país, desejava se modernizar.
“A Capital: a encenação de um Brasil que se deseja moderno, de uma população que troca seu velho figurino por sapatos e paletós obrigatórios, de uma ansiosa substituição do naif pelo puro chic”. 1
Este empenho se traduziu no projeto de urbanização e modernização levado a cabo pelo prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos, entre 1902 e 1906. Destas obras emergiu a “Cidade Maravilhosa”, que começou a definir uma identidade cultural própria. Além disso, na visão de Américo Freire, constituiu postura e relações políticas próprias, valendo-se do fato de que, como Distrito Federal, gozava de uma certa autonomia.2
Em contrapartida, como apontou José Murilo de Carvalho, a grande propriedade rural e o legado da escravidão freavam a modernização e eram obstáculos à cidadania civil e política. A urbanização evoluiu lentamente, concentrando-se em algumas capitais, especialmente Rio e São Paulo; da mesma forma, a industrialização também se concentrava nestas capitais; na época o Rio de Janeiro era a cidade mais industrializada. São Paulo e Rio tinham perfis diferentes nesse campo: no Rio havia forte presença de população negra oriunda da escravidão, em São Paulo a maioria do operariado era composta de imigrantes europeus. Mas ambos tinham, nesta época, grande influência do movimento anarquista que só será superado após a criação do Partido Comunista Brasileiro em 1922.3
Mas, em 1920, o Rio de Janeiro era também uma capital social. Uma vida circulava pelas ruas do centro da cidade, pelas ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias, onde se respirava um ar mundano e moderno. As famosas melindrosas do caricaturista J. Carlos são representações dessa atmosfera da cidade. Esta mundanidade também se estendia à vida social do Palácio do Catete que, no tempo do Presidente Epitácio Pessoa, foi das mais intensas.4 O presidente ofereceu algumas grandes recepções e a mais marcante foi o banquete de gala para os reis da Bélgica.
Mas, sobretudo o Rio foi uma capital cultural. Não apenas em 1920, mas ao longo de toda a década 20, intelectuais e artistas pensavam e interpretavam a República; expressavam e criticavam as contradições da capital. Num estudo clássico sobre história e literatura, Nicolau Sevcenko aborda a vida e a obra de dois escritores cariocas que ele considera representativos das contradições, dilemas e agruras da Primeira Republica e, ao mesmo tempo, das maiores expressões literárias do período: Euclides da Cunha e Lima Barreto.5 Para Sevcenko estes dois escritores transformaram sua escrita em “missão”. Euclides da Cunha (1866-1909), em sua obra monumental “Os Sertões” retratou e recriou a guerra de Canudos, do sertão da Bahia, tendo acompanhado a atuação do exército republicano que destruiu o arraial de Canudos, liderado por Antonio Conselheiro. Lima Barreto (1881-1922) mulato, pobre, alcoólatra, fez de seus romances e contos uma contundente crítica à sociedade carioca da época, denunciando a desigualdade social e o racismo.
Mas, para além da literatura, a cultura popular marca os anos 20 e deixará um legado indelével na cidade e no país: o samba. Nas primeiras décadas do século XX, músicos, artistas, compositores, capoeiristas reuniam-se na Pequena África, nas regiões da Gamboa, Saúde, Pedra do Sal nas casas das tias baianas, em especial na casa de Tia Ciata, onde compunham, cantavam, dançavam e tocavam samba, sempre perseguidos pela polícia.6
1 Sussekind, Flora. As Revistas de Ano e a Invenção do Rio de Janeiro. RJ. Nova Fronteira/FCRB, 1986, pp15
2 Freire, Américo. República, cidade e capital: o poder federal e as forças políticas do Rio de Janeiro no contexto da implantação republicana. IN Ferreira, Marieta (Org.) Rio de Janeiro: uma cidade na história. RJ, Editora FGV. 2000, PP 29
3 Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. RJ, Civilização Brasileira, 2010, pp58, 59
4 Lustosa, Isabel. Histórias de Presidentes. A República no Catete. RJ, Vozes, 1989, pp87
5 Sevcenko, Nicolau, “Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República”, Brasiliense, SP.
6 Moura, Roberto Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, RJ, FUNARTE, 1983
Maria Paula Nascimento Araujo
Historiadora, professora titular do Instituto de História da UFRJ, ex-diretora da AdUFRJ
Uma das características fortes desse grupo foi sua associação ao regime de cátedras.
No contexto brasileiro, ser professor catedrático implicava ter assegurada a vitaliciedade no cargo, o que lhes garantia uma ampla margem de poder na hierarquia que, pouco a pouco, foi se constituindo no interior das Universidades. O poder dos professores catedráticos contrastava com as condições de trabalho dos seus auxiliares, que contavam com reduzidas chances de ingressarem e galgarem estabilidade nos quadros da instituição. Essa situação perdurou até a Reforma Universitária de 1968, que extinguiu o regime de cátedras, dentre outras medidas.
Nesses cem anos, as identidades dos professores das Universidades públicas brasileiras mudaram muito. Hoje, muitas mulheres integram o quadro docente, o que não era de se esperar no início do século XX. Gradativamente, o grupo de professores e professoras, de distintas origens sociais, foi se tornando, cada vez mais, plural e profissional. Se, em 1920, eles pareciam estar mais distantes da população, em 2020, o compromisso assumido pela grande maioria de docentes que atuam nas Universidades públicas, pelo Brasil a fora, se volta para a produção e disseminação dos conhecimentos científicos, visando a melhoria da qualidade de vida da população e a solução dos problemas de nosso tempo.
Libânia Xavier
Professora Titular da Faculdade de Educação da UFRJ
As polêmicas opções de calendário acadêmico foram o tema da roda de conversa do Tamo Junto, encontro organizado pelo sindicato docente todas as sextas-feiras. No dia 21, os professores discutiram as propostas apresentadas pela reitoria, Centros e faculdades e divulgadas na edição anterior do Jornal da AdUFRJ.
"O problema é que estamos nadando em opções, cada um a partir do seu próprio universo”, disse a presidente da associação, Eleonora Ziller. Para a docente, a situação é difícil, porque a pró-reitoria de Graduação não apresenteu propostas satisfatórias. "A primeira foi recusada por todas as unidades, e hoje (no dia 21) apareceu outra proposta sem objetividade e dados necessários para se fazer essa escolha”, explicou. "Foi apresentado para a sociedade que o PLE seria um período excepcional e sem obrigatoriedade. Mexer nesse pacto é uma desarrumação interna muito complicada”, avaliou.
"Meu grande dilema é por que se deve continuar 2020.1”, questionou a professora Christine Ruta, diretora da AdUFRJ. "Se já iniciarmos do 2020.2, seria excelente. Não posso acreditar que um sistema (o SIGA) possa nos obrigar a seguir com 2020.1”, disse. No Instituto de Biologia, onde Christine leciona, mais de 90% dos docentes aderiram ao período, e cerca de 80% das disciplinas obrigatórias e eletivas do quadro normal foram oferecidas. "Independentemente do que for escolhido, deve haver uma forma de compensar os professores que aderiram ao PLE”, afirmou. Para o professor Nelson Braga, do Instituto de Física, a primeira proposta da reitoria, com três semestres praticamente emendados, era muito ruim. "Por um motivo simples: os alunos estão parados até agora. Depois de cinco meses sem aula, teriam de fazer três períodos de 12 semanas exaustivos”, sustentou. “É preciso assumir que houve uma tragédia, mas não prejudicar os alunos”, defendeu o professor.
A UFRJ nos envolve e fascina porque nela encontramos liberdade de pensamento e possibilidade de discussões acaloradas e de altíssimo nível nas diferentes áreas do conhecimento sobre temas do passado e do presente, sem perder de vista a perspectiva do futuro. Basta estarmos abertos ao diálogo, à troca de ideias e à possibilidade de nos reinventarmos. Esse é um ambiente salutar que nos acolhe e propicia a renovação, base para a modernidade e o progresso. Como estudante, pude assistir shows e palestras de professores e cientistas renomados, inclusive conviver com prêmios Nobel que visitam a UFRJ. O que mais os seres humanos gostam de fazer do que ter a possibilidade de interagir com esta riqueza de ideias e possibilidades?
Desde os primeiros anos da faculdade, ingressei em diferentes atividades de monitoria e de iniciação científica, que pavimentaram a minha trajetória até os dias de hoje. As oportunidades que encontrei permitiram que eu pudesse escolher os caminhos a seguir. Me sinto muito grata por ter encontrado na UFRJ o alimento completo para o meu desenvolvimento como profissional médica qualificada e o solo fértil para me tornar cientista e professora engajada nas atividades de graduação, pós-graduação e extensão. Durante a trajetória acadêmica, desde muito cedo escolhi ser professora em tempo integral da UFRJ e assim continuo até hoje, exercendo esta profissão por opção. Muitos questionam a nossa dedicação ao trabalho, porque talvez não tenham a perspectiva de que a atividade laboral pode ser muito prazerosa. As atividades de produção do conhecimento e de ensino se aproximam bastante de manifestações artísticas, porque dependem de muita inspiração e são capazes de gerar emoção. Poder ensinar, pesquisar e interagir com a sociedade são tarefas extremamente recompensadoras.
Nesta centenária instituição, me tornei médica, mãe biológica de duas profissionais formadas pela UFRJ e mãe científica de vários doutores que hoje são profissionais reconhecidos. Tendo sido a primeira pessoa da minha família a obter diploma na educação superior, sou mais um dos exemplos da capacidade transformadora da nossa universidade e das oportunidades que esta instituição nos propicia.
Desde aluna de graduação pude atuar em eventos científicos dentro e fora do país, com o principal intuito de divulgar o nosso trabalho, o nome da UFRJ e do nosso Brasil. Agora, me sinto muito honrada em dirigi-la no ano do seu centenário, quando, por obra do destino, a gigante UFRJ pôde se aproximar ainda mais da sociedade neste difícil momento de enfrentamento à pandemia pelo coronavírus. Devemos seguir adiante, atendendo sempre às demandas da sociedade do conhecimento. Que esta fábrica de realizar sonhos, a UFRJ, possa continuar de forma perene a transformar as nossas vidas para melhor.
Denise Pires de Carvalho
A professora é a primeira mulher a ocupar o cargo máximo da universidade em 100 anos
“Hoje, eu faço os meus filmes independentes. Faço edição, fotografia e produção sozinho. Eu não dependo mais dos brancos”, disse o cineasta indígena Takumã Kuikuro, na última sessão do CineAdUFRJ. O cineclube virtual, parceria do sindicato com o Grupo de Educação Multimídia da Faculdade de Letras, debateu no dia 26 a execução cinematográfica do ponto de vista indígena. “O tempo todo, acordado ou dormindo, eu fico pensando e construindo ideias. Sonhando com câmera, editando no sonho. Acordo e penso: o que eu posso fazer hoje?”, contou Takumã, diretor de “Pele de Branco” e “O dia em que a lua menstruou”. Bernardo Oliveira, professor da Faculdade de Educação da UFRJ, destacou a autonomia e originalidade das produções indígenas. “Temos aí algo realmente novo. Algo que não temos a mínima ideia de onde vai dar, e que bom. Isso é a coisa mais importante no cinema brasileiro atual”, afirmou.