A história da Marie Curie só é conhecida porque antes houve o esforço para se construir a “Universidade Volante”. No Brasil, também já tivemos nossa era de universidades volantes e nossas Maries-Marias. Entre os anos de 2008 e 2018, observou-se um notório crescimento de 33,8% no número de matrículas em cursos de graduação da rede pública. Entretanto, o percentual de matrículas na rede privada é ainda maior, 75,4%, reflexo da presença majoritária de instituições particulares (88,2%) no nosso país.
A rede federal foi a única das categorias públicas que apresentou um aumento (89,7%) no número de matrículas nesse período, sendo o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) a principal política pública responsável por esse crescimento. Foi nesse contexto que surgiu o Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade e o Curso em Licenciatura em Ciências Biológicas. Foi a primeira experiência de interiorização da UFRJ, com uma identitade de pioneirismo e inovação.
Os primeiros docentes do Nupem chegaram entre os anos de 2006 e 2007, formando o grupo apelidado de “G13”: Alexandre de Azevedo, Ana Petry, André Morandini, Angélica Soares, José Nepomuceno, Lísia Gestinari, Mario Schultz, Tatiana Konno, Fabio Di Dario, Heitor Duarte, Laura Weber, Pablo Gonçalves, além de mim mesma, que hoje estou no Instituto de Biologia no Fundão, participo de outros projetos acadêmicos, mas levo o Nupem no Lattes e no coração como uma experiência formadora inesquecível.
Nossos laços do G13 tiveram como amálgama o acolhimento carinhoso do Prof. Francisco de Assis Esteves, o Chico, que foi o mentor deste importante passo na expansão, democratização e interiorização da nossa Universidade.
Juntos, esses docentes vivenciaram uma experiência indescritível que foi a implantação das bases do trinômio ensino-pesquisa-extensão em uma instituição fora da capital. E no caso, base tem um significado bastante literal: os docentes se reuniam em grupos de trabalho para planejar e desenhar as plantas do segundo pavilhão, que mais tarde abrigaria os novos laboratórios de pesquisas e salas de aulas. Também aprenderam nas atividades acadêmicas cotidianas a trabalhar seus saberes de forma integrada e interdisciplinar, sempre tendo como norteador a simbiose com a sociedade do Norte Fluminense.
Apesar do princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que rege as universidades, na prática é muito difícil a integração acadêmica entre as diferentes áreas. As características do Nupem sempre foram naturalmente propícias ao surgimento de ações integradas. Um exemplo é a criação em 2009 da Semana de Integração Acadêmica em Macaé, que inspiraria a UFRJ a criar em 2010 a sua própria SIA. Outro exemplo notável é a atuação dos alunos da Pós em Ciências Ambientais e Conservação em ações de gestão e sustentabilidade inspiradas nos ambientes naturais que tiveram impacto na política regional.
Foi nesse habitat que surgiu uma de nossas Maries, a Meriane dos Santos de Paula. Filha de vigilante, neta de plantador de cana e bisneta de quilombolas de Quissamã, que se tornou orgulhosamente a primeira mestre da sua família simples e guerreira. Foi essa versão tropical goytacá de nossa “Universidade Volante” que abriu as portas para centenas de jovens realizarem o sonho semelhante ao de Marie Curie sem terem que “partir” de seu país. “O Nupem me deu a oportunidade de ter acesso a um conhecimento e formação que seriam inviáveis de serem custeados com recursos própios na capital”, resume a mestre Meriane.
Histórias como essas são comuns no Nupem, que teve seu início marcado pelas viagens de Kombi e os acampamentos do Chico e de seus alunos motivados em pesquisar os ecossistemas costeiros da região, como uma universidade volante goytacá, legal, mas igualmente precária, que se transformou e vem formando muitas maries brasileiras.
CHRISTINE RUTA
Professora da Biologia, uma das fundadoras do Nupem e diretora da AdUFRJ