Na visão de Haroche, a Ciência tem sido muito atacada por teorias conspiratórias, mas “o negacionismo vai além da Ciência”. “Muitos consideram que a globalização fez com que parte da população se sinta disfuncional no sistema, se fechando em comunidades, compartilhando crenças que as mantêm juntas. A Ciência não é uma cola”, argumenta o físico, que nasceu em Casablanca, no Marrocos, e mudou-se aos 12 anos com os pais para a França, onde construiu sua vida acadêmica. Ele é naturalizado francês.
“Você não pode forçar o interesse de alguém que realmente não está interessado”, opina a neurocientista norueguesa May-Britt Moser sobre o tema. A Nobel de Medicina em 2014 concorda que o mal-estar contra a Ciência tem origens sociais mais profundas, relacionadas à exaltação do “medo” e da noção paranoica de “inimigo”. O caminho estaria em uma política educacional que estimulasse experiências positivas com o conhecimento científico, desde a educação básica, a partir da “curiosidade infantil” pela natureza.
O papel do professor é central na visão de ambos os cientistas. “Os professores são muito importantes e não são reconhecidos. Muitas vezes realizam seu trabalho sob muitas adversidades. Eles deveriam estar em uma posição melhor”, critica Haroche.
Moser acrescenta à fórmula “antinegacionista” o componente “diversidade”, exemplificando com o caso do próprio laboratório de pesquisa: “A neurociência requer muito conhecimento específico, mas também muito conhecimento sobre cultura. Trabalhamos arduamente para termos pessoas com diferentes visões e ideias, porque assim podemos ter diferentes energias”.
“E o que acontece com o Brasil hoje?”, questiona o mediador do debate, Adam Smith, diretor científico da Nobel Prize Outreach. A situação do país frente à pandemia finaliza o bloco de reflexões. “A situação no Brasil é terrível. Temos quatro mil mortes em 24 horas. Há um grande esforço para se obter uma vacina segura ao mesmo tempo em que vemos o patrocínio de drogas falsas e ineficientes”, resume o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da UFRJ. O presidente da ABC destaca ainda a “recente e acelerada” desidratação financeira das universidades e das agências de financiamento à pesquisa. E arremata: “O negacionismo mata”.
Já a ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader, frisa que formadores de opinião negacionista, no Brasil, “estão muito envolvidos com a política”. “De fato, o único caminho para mudar todo esse cenário é por meio da Educação e da Ciência”, conclui.