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stay home 5205390 640Imagem de Hatice EROL por Pixabay Aos cem dias de suspensão das aulas presenciais nos perguntamos o que será de 2020.1? Ele mal havia começado. A primeira semana – tomada por aquele burburinho confuso dos novos alunos, os excessos nas chopadas – havia apenas anunciado o que poderia ser o semestre que já prevíamos difícil. Tudo de repente silenciou, os corredores se esvaziaram como nunca... Basta que façamos um pequeno esforço para lembrarmos da emoção e do impacto que teve em nossas vidas o primeiro período da graduação, para nos aproximarmos do que houve de perda real e de frustração entre os nossos alunos ingressantes. Basta um pequeno balanço do que fizemos e do tanto que vivemos nos corredores da UFRJ durante o período passado para termos uma leve ideia do que perdemos em termos de experiência afetiva, trocas, discussões acaloradas que simplesmente não puderam existir, e pensem ainda nos cafés que não foram compartilhados. O mundo universitário é extraordinário não só por nos dar acesso ao conhecimento acadêmico, mas pela vitalidade que ele comporta nas suas mais variadas formas, na sua quase anárquica organização competindo com as montoeiras de regras, portarias, calendários que tentam domesticar um cotidiano que pode ser exaustivo, mas que não encontra paralelo em nenhum outro tipo de organização humana. Ao fim e ao cabo, para os estudantes, representa a fase mais rica da vida, atravessada pela chegada da vida adulta e pelo processo de formação profissional.
Essa perda alcança dimensões trágicas quando associada ao quadro desolador da pandemia da Covid-19, e que por si só já seria um horror, mas que no Brasil, a ausência de uma autoridade sanitária com o mínimo de competência no assunto multiplicou por muito seu impacto na sociedade. Sob o efeito da desorganização da própria vida, muitas vezes enfrentando na carne a dor pela perda de entes queridos, nossos estudantes, em sua grande maioria, ficaram sem nenhum contato com a instituição. Difícil mensurar tudo que se abateu sobre nós nesses dias de distanciamento social. Por mais protegidos que os docentes possam estar, também não tem sido fácil atravessar o desastre na qual se transformou a vida do país. Muitos de nós estão mergulhados em seus laboratórios, em suas pesquisas, enfrentando o desafio da assistência e da pesquisa, numa ampla gama de atividades de investigação, de extensão, e acompanhamento de seus orientandos. Enfim, podemos até dizer que as aulas presenciais são apenas uma parte do nosso trabalho... Mas que parte!
2020.1 não foi cancelado, e parece que permanecerá à nossa espera, para que reorganizemos o seu calendário, recuperemos o planejamento, as aulas. Mas antes disso, na graduação, há um período especial, que começa a ser criado, não se sabe exatamente nem como, nem quando. Sabemos até aqui que cada unidade poderá desenhar o que pretende oferecer, ou seja, que obedecerá a demandas específicas, e que não terá caráter obrigatório, nem para docentes, nem para estudantes. Pelo visto, será tipo um ensaio geral, um caminho para experimentarmos aulas remotas. Essa condição pode ser motivadora para alguns pelas novas possibilidades que promete. Mas muitos se sentem em um tubo de ensaio, como cobaias assustadas, diante de um forte experimento que não tem escondido seus interesses. O grande capital não disfarça sua avidez em ocupar esse novo espaço, cheio de possibilidades de negócios, oportunidades que podem movimentar uma quantia não desprezível de maquinários, expertises e principalmente, dinheiro. E isso vai além de nossas salas de aula, trata-se de um movimento internacional, que não é obra de ficção e já tomou conta de grandes universidades pelo mundo.
Não há dúvida de que estamos inaugurando uma nova era, com contornos pouco claros. Há um luto a ser feito. É algo muito maior do que planejarmos o próximo semestre, ou um semestre especial, e todos esses elementos estão em jogo quando pensamos o que será da universidade daqui para frente. O processo de luto nunca é igual, nem previsível para todos. Há quem encare as transformações como estímulo imediato à ação, há quem precise se distanciar um pouco para pensar melhor todas as suas consequências. Não são poucos os professores e estudantes que já estão vivendo essa interação tecnológica há algum tempo, mas isso não pode se transformar em régua única para toda a instituição, ainda mais com o grau de heterogeneidade e complexidade que possui a UFRJ. Alguns avaliam que as reivindicações do DCE são inalcançáveis e com isso jamais teremos a possibilidade de implementar o ensino remoto emergencial de que necessitamos. Mas essas reivindicações podem dizer muito mais do que estamos percebendo na sua superfície. Há ali um grito para que não nos percamos, para que não deixemos morrer esse mundo tão peculiar que é a universidade, e em especial, as universidades públicas e suas atividades presenciais. Há assombro em muitos de nós, há cansaço. Mas também vislumbramos novos movimentos. Há desejo e impulso vital para que não nos percamos ainda mais. E necessitamos também de tempo e de respeito para fazer essa discussão. A urgência de que necessitamos não é a da deliberação sobre o calendário, mas a de encontrar o equilíbrio entre esses impulsos, para que nos façam avançar no que é realmente necessário: as respostas que devemos à sociedade e aos nossos alunos nesse período emergencial. Precisamos ser generosos em nossas convicções sobre os outros e compartilharmos a consciência de que estamos diante de algo que ninguém imaginou, planejou ou desejou viver. Nesse chão comum encontraremos o caminho, que pode começar sem respostas, e por isso mesmo, ser o melhor a ser trilhado.

ELEONORA ZILLER
Presidente da AdUFRJ

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