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Nem desafiar a ciência, romper a quarentena e morrer de Covid-19. Nem ficar em casa, perder o trabalho e passar fome. Há mais de uma semana, o presidente da República radicaliza seu discurso – e sua prática – contra as recomendações médicas e assusta a população com a falsa dicotomia de que a quarentena implicará em desemprego e caos econômico. O Jornal da AdUFRJ publica edição especial com professores de Economia da UFRJ que, uníssonos, desmontam as bravatas presidenciais

Hora de expandir gastos públicos, defender emprego e proteger cidadão

Por Silvana Sá e Lucas Abreu

“A pandemia que estamos enfrentando acarreta um enorme estrangulamento da área da saúde e desmobilização de outros setores, o que gera grande capacidade ociosa e desemprego”, sinaliza o professor Eduardo Bastian, do Instituto de Economia. “Mas um país que emite sua própria moeda tem plenas condições de ampliar sua dívida, injetando mais dinheiro na economia”, afirma.
WEB menor p402Professor Eduardo BastianPara o docente, o governo deve assegurar condições para “evitar a quebradeira e o desemprego em massa”. Ao mesmo tempo, precisa investir fortemente na saúde “para garantir a resposta adequada à demanda. E manter todos em casa. Esse é o caminho”, reforça o professor.
O economista Carlos Frederico Leão Rocha, vice-reitor da UFRJ, analisou o artigo científico Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu. Publicado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no dia 26 de março, o estudo apresenta a diferença entre as cidades que fizeram isolamento social e injetaram recursos na economia e as que simplesmente não tomaram medidas protetivas durante a pandemia de gripe espanhola, em 1918. “As cidades que intervieram mais cedo e de forma mais agressiva não apresentaram desempenho pior e cresceram mais rapidamente após o término da pandemia”, justifica o professor.
Ele chama atenção para outro fato importante: “Quanto mais rápida a retomada da economia, menor a intervenção governamental ao longo do tempo”, afirma. “Então, sob o ponto de vista de finanças públicas, também é benéfico [manter o isolamento]”, defende o docente. “Mas, veja o absurdo: há um enorme grupo de pessoas que entendem não ser suficiente salvar vidas”, lamenta.WEB menor p404Professor Carlos Frederico
Especialista em finanças públicas, a professora Esther Dweck, do Instituto de Economia, concorda que a combinação entre isolamento social e gasto público reduz a duração do impacto da pandemia sobre a economia. Ela refez e adaptou um gráfico publicado originalmente pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR) para demonstrar que não há qualquer garantia de que adotar “a estratégia homicida de liberar agora a quarentena” vai melhorar a economia. Veja quadro ao lado.
Para Rocha, é impossível, no cenário global atual, que a economia não seja impactada pela pandemia. Já está sendo. “Mas voltar à normalidade significa gerar uma crise epidemiológica muito mais grave, com efeitos econômicos mais duradouros”, afirma.
Um dos pontos defendidos pelo economista para minimizar os efeitos da crise financeira é a “expansão de crédito e alongamento da dívida” de empresas e cidadãos. “Defendemos que os bancos públicos assumam este papel. Numa situação de crise, é provável que pessoas e empresas deixem de pagar dívidas. O que ocorre, na sequência, é uma contração da economia, com bancos negando empréstimos. Sem crédito, existe o perigo de falências. Uma solução seria postergar esses pagamentos. E aí devem entrar os bancos públicos”, exemplifica.
O docente acredita que o Brasil precisa fazer uma expansão fiscal da ordem de 13% do Produto Interno Bruto. No ano passado, o PIB somou R$ 7,3 trilhões. “Para isto, é preciso acabar com o teto de gastos. Acredito que uma forma de arrecadar novos recursos seja por meio de taxação de operação financeira. Seria uma saída. Taxar títulos públicos, por exemplo”, argumenta o professor.
Esther Dweck avalia que, num primeiro momento, a lei do teto de gastos não precisa mudar, já que existe o chamado crédito extraordinário, dispositivo previsto na Constituição para situações de calamidade pública. “A própria Emenda Constitucional 95 diz que esse crédito extraordinário está fora do teto. É uma cláusula que já existe. Então, no curtíssimo prazo, atende à demanda”, justifica a professora.
Também a Regra de Ouro, que proíbe a emissão de dívida para gastos correntes, pode ser contornada de forma mais imediata. “O Congresso pode autorizar o governo a emitir esses gastos”, aponta a pesquisadora.
Ela elenca as principais ações a serem tomadas: “É essencial garantir a renda dos mais pobres, garantir a não demissão com crédito a juros zero para empresas. É necessário que o governo mantenha parte dos salários dos trabalhadores; que aumente o orçamento da saúde e para ciência e tecnologia, neste momento armas fundamentais para combate à pandemia. Que haja apoio financeiro aos estados. Agora, a dívida não é problema. As pessoas devem se maner em casa e o governo garantir os aportes”.
Eduardo Bastian lembra que, somente depois que a carta dos docentes do Instituto de Economia foi lançada, o governo começou a sinalizar com medidas econômicas para mitigar os efeitos da crise. “O governo não está numa direção equivocada, mas age de maneira muito tímida e lenta. Apesar das novas ações, o ritmo ainda é lento e de magnitude muito insuficiente”, critica.
WEB menor p403Professor João CuryO professor João Felippe Cury, também do Instituto de Economia da UFRJ, reforça que o caminho para o Brasil é aumentar a dívida pública. “Em situações como a crise de 29 ou de 2008, os países ampliaram a sua dívida para lidar com os efeitos da crise. O G-20 anunciou uma injeção de US$ 5 trilhões na economia mundial, isso vai ser feito com aumento da dívida pública”.
Ele sugere rever o pacto federativo. “Estados e municípios vão ser penalizados por arrecadação, e a mera suspensão parcial do serviço da dívida de estados e municípios não é suficiente para compensar a queda da atividade econômica e das receitas”, avalia.
O que mais preocupa o docente é como o governo federal vai se comportar políticamente diante das necessidades dos estados. “Vai ser necessária uma nova repactuação e transferência de recursos. Isso é o que mais me preocupa hoje, porque há uma guerra declarada entre Bolsonaro e governadores. Sem mencionar que estados e, principalmente, municípios é que sofrerão mais os efeitos na saúde pública”, destaca o docente.

“O cálculo saúde X Economia é maluco, homicida e sem qualquer base científica”

Por Silvana Sá

WEB menor p.4 estherProfessora Esther DweckA professora Esther Dweck refez um gráfico originalmente publicado pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR) – rede que reúne mais de 1.300 economistas principalmente europeus, situada no Reino Unido – em que mostra não ser possível não haver impactos financeiros diante da pandemia que atinge o mundo. O material está no e-book lançado pelo CEPR com a participação de 40 economistas. Dentre os nomes, estão o de Gita Gopinath, economista-chefe do FMI, e de Jason Fumat, principal assessor do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Eles defendem que os governos precisam agir rápido, com medidas fiscais para recuperar a economia global.
WEBGRAF 1122Ela explica a motivação de adaptar o gráfico: “Nesses dias, se intensificou um movimento, inclusive com propaganda pública, para dizer que é melhor o Brasil não parar. Por incrível que pareça, esse gráfico, sem a curva verde (da política econômica), está sendo maldosamente utilizado para que as pessoas façam um cálculo maluco “Saúde x Economia”. Como se realmente isso fizesse algum sentido. Por isso, refiz o gráfico para deixar claro que não há qualquer garantia de que, caso se adote a estratégia homicida de liberar já a quarentena, de que isso irá abalar pouco a economia”.
“Essas curvas são muito significativas. Para evitar a crise econômica, o governo federal quer expor a população à Covid-19 e inviabilizar o sistema de saúde, ao invés de fazer as políticas econômicas necessárias para conter uma crise maior que envolvem obrigatoriamente a expansão dos gastos públicos”, critica a professora, especialista em finanças públicas. “Como estão falando economistas do mundo todo, é preciso agir rápido e fazer o que for necessário”, completa a pesquisadora.

 

Leia também: Brasil não tem plano B para crise

Carta Aberta de Professores do Instituto de Economia da UFRJ

O mundo está enfrentando uma grave crise econômica provocada pelo avanço da pandemia da Covid19. Instituições internacionais (FMI, OCDE, UNCTAD, etc.) e economistas renomados estão projetando significativa desaceleração do crescimento mundial, no melhor dos cenários, ou uma recessão global em 2020, em cenários menos otimistas.
As medidas implementadas de isolamento e/ou quarentena para impedir o avanço do vírus nos países mais afetados provocaram a interrupção das atividades normais das pessoas, desmobilizando recursos. Isso impactou negativamente a produção, o consumo corrente e os investimentos. Portanto, a gravidade dos efeitos econômicos da Covid-19 deve-se à sua capacidade de gerar, ao mesmo tempo, choques negativos na oferta e na demanda agregada mundial. Ademais, há uma enorme pressão sobre os recursos (físicos e humanos) na área de saúde com o aumento dos casos de pessoas infectadas, sobretudo no pico da epidemia, o que requer uma espécie de economia de guerra nesse segmento.
WEB menor p.3ilustraEm virtude disso, muitos governos estão adotando medidas para: i) garantir que não haja desabastecimento de bens e insumos básicos, por meio do monitoramento das cadeias de distribuição (transportes e o comércio atacadista e varejista) e, quando necessário, de eventuais intervenções em setores produtores e importações emergenciais; e ii) estimular a economia por meio de políticas monetária, fiscal e creditícia.    
A economia brasileira será profundamente afetada por essa conjuntura crítica decorrente do avanço na Covid-19 no país, o que é agravado pela nossa situação prévia de baixo dinamismo e incapacidade para recuperar os níveis de produção anteriores à recessão de 2015-16.  
Nesse quadro, que já era preocupante antes de a pandemia se instalar, a resposta do governo brasileiro para enfrentar a crise econômica (plano divulgado no dia 16/03/2020) gera ainda maior preocupação ao não propor nenhum recurso novo, apenas antecipação de recursos ou diferimento de pagamentos. Ademais, o ministro da Economia mantém o discurso de que a melhor resposta para combater a crise econômica seria a aprovação das reformas administrativa e tributária.  
As reformas já aprovadas (Emenda Constitucional 95/2016 do “Teto dos gastos”, reformas trabalhista e previdenciária) não foram capazes de proporcionar a retomada do crescimento econômico e, em alguns casos, ampliaram as vulnerabilidades para enfrentar os desafios atuais das crises de saúde e econômica provocadas pela Covid-19.
A EC 95/2016, por exemplo, alterou o cálculo do mínimo constitucional na área de saúde que implicou uma redução de mais de R$ 20 bilhões nos recursos federais que deveriam ter sido utilizados para saúde pública desde 2018. Ademais, somada a um resultado primário rígido, essa emenda constitucional impede a execução de políticas fiscais anticíclicas que permitem, durante a crise, manter o fluxo de renda da população, por meio de instrumentos de transferência de renda e da ampliação de investimentos.   
Diante desse quadro, a economia brasileira deverá mergulhar numa recessão em 2020, provocando a ampliação do número de desempregados e da população em situação de extrema pobreza. Segundo estimativas realizadas por Warwick McKibbin & Roshen Fernando (ver The Global Macroeconomic Impacts of COVID-19: Seven Scenarios, CAMA Working Paper, Australian National University, 2020), a economia brasileira deverá perder, em 2020, dois pontos percentuais de crescimento, num cenário mais favorável, e até oito pontos percentuais num cenário mais desfavorável.  
A recessão está contratada e pode ter a gravidade de uma depressão caso não sejam utilizados todos os instrumentos disponíveis de política econômica, sobretudo os fiscais, para combater a crise. Em uma economia sob efeito da Covid-19, haverá um esgotamento da capacidade instalada e escassez da mão de obra no setor saúde, combinados a desemprego e falta de produtos e insumos nos outros setores. Nesse contexto, a necessidade de priorizar os objetivos imediatos do país – a luta contra a pandemia e a contenção dos seus efeitos sobre a atividade econômica – em detrimento do equilíbrio fiscal de curto prazo não é uma questão ideológica.
As medidas econômicas anunciadas pelo governo brasileiro são paliativas: suficientes apenas para impedir a ruptura do sistema de crédito sem conseguir estimular a economia, pois o aumento da liquidez deverá ficar empoçado no sistema financeiro. Entretanto, a política de gastos governamentais deveria assumir papel central na reativação econômica e na economia de guerra na área da saúde. Para tanto, são necessários gastos adicionais ao previsto no orçamento para a infraestrutura de combate à doença e coordenação do governo central em virtude da baixa capacidade fiscal dos estados e munícipios.  
Pelas razões apontadas, professores do Instituto de Economia, abaixo assinados, consideram ser sua obrigação expressar publicamente sua profunda preocupação com a lenta reação das autoridades econômicas ante a gravidade da crise. Nessa situação, defendemos que o governo e o Congresso brasileiro adotem os seguintes pontos para combater a crise:

1) Ampliação dos benefícios e de programas de transferência de renda para famílias, de trabalhadores formais e informais que perderem ou tiverem sua capacidade de geração de renda diminuída pela crise, em especial para as famílias afetadas pela pandemia com filhos em idade escolar, garantindo que estes possam permanecer junto aos pais.

 2) Eliminação da fila do Bolsa Família e reajuste do benefício.

3) Recomposição da verba de saúde em relação aos mínimos constitucionais definidos antes da EC 95/2016 e garantia de recurso extra para ampliação de testes, de leitos e aquisição de equipamentos para emergência.

4) Recomposição das verbas para Ciência e Tecnologia, especialmente para áreas capazes de enfrentar a pandemia, de forma a garantir nossa capacidade de desenvolver medicamentos e vacinas.

5) Alteração das demais regras fiscais vigentes, além do Superávit Primário, como a Regra de Ouro e a suspensão do Teto de Gastos, de forma a se criar um espaço legal para a necessária política de expansão dos gastos públicos.

6) Suspensão de multa, juros e penalização sobre pagamento atrasado de contas dos serviços de utilidade pública.

7) Ajuda fiscal aos estados e municípios, seja por meio de transferências do governo federal, seja pela renegociação de dívida, de forma a permitir aos entes subnacionais elevar seus gastos para fazer frente à emergência médica e seus impactos sociais mais imediatos.

8) Política de expansão de crédito e alongamento de dívidas utilizando os bancos públicos, para socorrer empresas e famílias mais afetadas pela pandemia.
 
Rio de Janeiro, 17 de março de 2020

1. Adilson de Oliveira  2. Alexandre Laino de Freitas  3. Alexis Nicolas Saludjian  4. Almir Pita 5. Ana Celia Castro  6. Ana Cristina Reif De Paula  7. Andre de Melo Modenesi  8. Angela Ganem 9. Ary Vieira Barradas
10. Bernado Karam 11. Caetano Christophe Rosado Penna   12. Camila Cabral Pires Alves  13. Carlos Aguiar de Medeiros 14. Carlos Eduardo Frickmann Young 15. Carlos Frederico Leão Rocha  16. Carlos Pinkusfeld Bastos
17. Celia de Andrade Lessa Kerstenetzky  18. Daniel de Pinho Barreiros  19. Denise Gentil 20. Edson Peterli Guimarães  21. Eduardo Costa Pinto  22. Eduardo Figueiredo Bastian  23. Ernani Torres 24. Esther Dweck  
25. Fabio de Silos Sá Earp 26. Fabio Neves Perácio de Freitas  27. Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima  28. Galeno Tinoco Ferraz Filho  29. Gustavo Daou Lucas  30. Helder Queiroz Pinto Junior  31. Helena Lastres
32. Isabela Nogueira de Morais  33. Italo Pedrosa Gomes Martins  34. Jaques Kerstenetzky 35. Joao Carlos Ferraz  36. João Felipe Cury Marinho Matias  37. Joao Luiz Maurity Saboia 38. João Luiz Simas Pereira de Souza Pondé   
39. Joao Sicsu  40. José Eduardo Cassiolato  41. José Luís Fiori 42. Julia Paranhos de Macedo Pinto  43. Kaio Glauber Vital da Costa  44. Lena Lavinas  45. Leonarda Musumeci  46. Lia Hasenclever
47. Luis Fernando Rodrigues de Paula  48. Luiz Carlos Delorme Prado 49. Luiz Martins de Mello  50. Marcelo Colomer Ferraro  51. Marcelo Gerson Pessoa de Matos  52. Margarita Silvia Olivera  53. Maria da Conceição Tavares 54. Maria Isabel Busato  55. Maria Mello de Malta  56. Maria Silvia Possas  57. Maria Tereza Leopardi Mello  58. Marília Bassetti Marcato 59. Marina Honorio de Souza Szapiro  60. Mario L. Possas 61. Marta Calmon Lemme  
62. Marta dos Reis Castilho  63. Nicholas Miller Trebat  64. Nivalde J. de Castro  65. Norberto Montani Martins 66. Numa Mazat  67. Paulo Tigre  68. Raphael Padula  69 Renata Lebre  Rovere  70. Rene Carvalho
71. Ricardo Alberto Bielschowsky 72. Ricardo de Figueiredo Summa  73. Rodrigo Vergnhanini  74. Rolando Garciga Otero  75. Ronaldo Bicalho  76. Victor Prochnik  77. Wilson Vieira

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