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ilustra felipeO presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu sua opinião de que o sistema educacional público brasileiro não passa de “doutrinação comunista” (exceto as escolas militares, naturalmente). Não importa que sejamos a 14ª potência científica do mundo, não importa que tenhamos incluído a quase totalidade das crianças no ensino fundamental, não importa absolutamente nada que esteja ligado a números e dados objetivos: se, por exemplo, a escola ensina que a união homoafetiva é algo perfeitamente natural e aceitável, é por que seus professores e diretores só podem ser marxistas inveterados defensores da infame “ideologia de gênero”. É verdade que nunca fica muito claro se tal antagonismo caricato é genuíno ou apenas estratégico, mas o fato é que foi com esse bombardeio à educação que o “capitão” se elegeu presidente.

Fiel a essa retórica belicosa, Bolsonaro escolhe como ministro da Educação um protegido do “guru” Olavo de Carvalho, o professor Ricardo Vélez Rodriguez. Segundo o próprio, tudo que Bolsonaro queria saber é se ele iria “botar a faca nos dentes para combater o marxismo no MEC”. Depois de 3 meses de atuação um tanto caótica – na qual a ação mais marcante foi a solicitação de que, no primeiro dia de aula, todos os alunos do Brasil lessem uma carta sua, com o slogan da campanha de Bolsonaro – a faca caiu de sua boca numa audiência pública na Câmara, na qual foi humilhado pela deputada Tábata Amaral. Alguns dias depois, Vélez foi demitido do cargo.

Eis então que se cumpre magnificamente o slogan “de onde menos se espera, é que não vem nada mesmo”: após um certo suspense, o economista Abraham Weintraub é escolhido para assumir a pasta. A gritante inexperiência de Weintraub no assunto – tão lamentável quanto seja – não chega a ser inédita para o cargo, infelizmente. Ainda assim, pouca coisa poderia nos preparar para o desastre que o novo ministro iria presidir.

Numa república presidencialista saudável, os ministros de Estado se engalfinham politicamente entre si e com o presidente para garantir mais recursos à própria pasta. Em tempos bolsonaristas, entretanto, as coisas funcionam de modo mais peculiar: ao assumir, Weintraub rapidamente se colocou à disposição do ministro da Economia, Paulo Guedes, para contingenciar recursos da educação em 2019 e cortá-los de vez em 2020. Isso gerou a grande manifestação de 15 de maio do ano passado, na qual dois milhões de pessoas foram às ruas e novos contingenciamentos foram interrompidos, mas também deixou claro que o ministro entende o MEC apenas como uma grande despesa a ser cortada.

Foram passando-se os meses, e Weintraub foi então descobrindo a sua grande vocação como chefe do MEC: o Twitter. Como está amplamente demonstrado nesta edição especial do Jornal da AdUFRJ, sua atividade nessa rede social é tão prolífica quanto radical. Foram quase 3,2 mil tuítes até o final de janeiro (o que dá uma média superior a 11 tuítes por dia!), com pesada ênfase em temas relevantíssimos para a educação brasileira, como chiliques contra o jornalismo de o Globo/Folha e opiniões mil sobre o ex-presidente Lula. Nesse ponto, é necessário salientar que o fio condutor de sua atuação no Twitter é a defesa incondicional de Bolsonaro e sua família (ver artigo ao lado), contra tudo e contra todos: França, PT, imprensa, ONGs, empresários(!); estão todos mancomunados para derrubar o “Messias” em sua missão “santa” de livrar o Brasil da esquerda. Poderia se argumentar aqui que o Twitter do ministro é pessoal – “meu twitter, minhas regras” –, mas é muito difícil conciliar tal atuação pessoal grotesca com uma postura profissional digna e confiável.

Dada essa cacofonia de tuítes histriônicos, lives patéticas (“tá chovendo fake news...”) e entrevistas sofríveis (“professor adora uma bolsinha”), não é de modo algum surpreendente que o MEC esteja mergulhado no caos atual. A confusão lastimável com provas e questões no ENEM, o “empoçamento” (verba não utilizada pelo órgão competente) de R$ 4,5 bilhões dos recursos do MEC (o campeão dos ministérios!), o atoleiro no qual se encontra a discussão do Future-se, tudo isso é perfeitamente natural quando encaramos o representante máximo da educação pelo que ele é: um aparelho ideológico do bolsonarismo. Nesses 10 meses de disfuncionalidade, Abraham Weintraub protagonizou uma agenda difusa de educação, sem meta nem métodos, mas cumpriu com valentia o seu papel de guardião desse conservadorismo tacanho que Bolsonaro representa. Talvez seja por isso que, contrariamente a outros casos, o clã não solta a sua mão. Veremos até quando a fidelidade canina do ministro será correspondida.

WEB menorFELIPEFELIPE ROSA
PROFESSOR DO INSTITUTO DE FÍSICA E DIRETOR DA AdUFRJ

 

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