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WEB menorWEINTRAUB2A virada do Ano I (2019) para o Ano II (2020) do Bolsonarismo foi caótica e aparentemente confusa como tudo que marca esse novo regime político que nos governa no Brasil e no mundo (com Trump, nos EUA; Boris Johnson; no Reino Unido; Bibi Netanyahu, em Israel; Viktor Orbán, na Hungria; Narendra Modi, na Índia; Scott Morrison, na Austrália; Erdogan, na Turquia). O vídeo nazista de Roberto Alvim em 16 de janeiro – não por coincidência, três dias após a indicação de “Democracia em Vertigem” ao Oscar – e a queda do diretor de teatro tomaram conta do debate, deixando em segundo plano outras dinâmicas destrutivas (por exemplo, o uso de cartórios para campanha de filiação ao Aliança para o Brasil, partido/movimento fascista de Bolsonaro).

Algo diferente ocorreu na tragédia da educação brasileira. As denúncias de equívoco das notas do ENEM começam a surgir na mesma semana do vídeo nazista de Alvim. No dia 17 de janeiro, o Ministro Weintreub admitiu “inconsistências” nas notas de 6 mil estudantes, o que, em sua opinião, seria pouco. Em janeiro, o tema se manteve em alta, talvez devido à rápida demissão do ex-secretário de Cultura. A justiça suspendeu a divulgação do SISU, o governo conseguiu derrubar a suspensão e, com isso, novos erros apareceram, agora na distribuição de cursos. O MPF contabilizou até o dia 22 de janeiro 250 ações na justiça contra os prejuízos causados pela má gestão do INEP/MEC.

Para além do caso ENEM/SISU, há, nos subterrâneos do ministério Weintraub, diversos eventos em andamento que ampliam a tragédia. O FUNDEB deixa de existir em 2020 e o ministro anunciou em 10 de janeiro uma nova PEC sobre o tema, contrariando o Congresso Nacional que tem uma proposta legislativa pronta para votar. As universidades foram alvo de um quádruplo ataque: em 24 de dezembro, o presente de Natal com a MP que regula as eleições para reitor, ferindo de morte a autonomia e democracia universitárias, acabando com a possibilidade de paridade e tornando inúteis os órgãos colegiados; em 31 de dezembro, o presente de Réveillon com a Portaria que limita as viagens acadêmicas e inviabiliza a pesquisa no Brasil; a nomeação do novo presidente da Capes, um notório defensor de conteúdos alternativos à teoria da evolução; e a portaria do CNPq (este, vinculado ao MCT, porém com impacto profundo na educação) sobre um novo método de concessão de bolsas de mestrado e doutorado que ameaça a existência dos programas de pós-graduação em ciências humanas.

Diante de tantos ataques, é visível o crescimento de uma campanha pela demissão de Weintraub. Editorais dos grandes jornais, entrevista do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ações de parlamentares. Até o MBL pediu sua saída. E o que se vê como resposta é um fortalecimento do ministro no movimento bolsonarista: Eduardo Bolsonaro e o próprio presidente Jair o prestigiaram recentemente nas redes sociais. A hashtag #FicaWeintraub foi um dos assuntos mais comentados no Twitter em 29 de janeiro.

Por que, afinal, Weintraub não cai? Infelizmente, temos respondido a isso com chavões que nos afastam da compreensão do fenômeno político e social que é o bolsonarismo. Por exemplo, a ideia de que Weintraub é burro (vide os erros de português) e que um governo de ignorantes só pode ter pessoas ineptas nos postos-chave.

Optamos, na ADUFRJ, por um caminho diferente e esta edição especial do nosso jornal é um primeiro resultado. Em nosso dossiê sobre a gestão do MEC fizemos uma pesquisa na conta pessoal do ministro no Twitter. O levantamento feito por nossa editora Ana Beatriz Magno abarcou 8% das mensagens postadas por Weintraub entre em 24 de abril de 2019 e 24 de janeiro de 2020.

Esses nove meses de manifestações públicas nos permitem apresentar uma hipótese sobre a força que o Ministro tem no governo: Weintraub se mantém no poder porque é o tipo ideal do militante bolsonarista, conforme definição do sociólogo Max Weber. Para ele, o tipo ideal é um instrumento que, através de uma simplificação da realidade, nos permite analisar melhor a complexidade de um fenômeno social. No nosso caso, os bolsonaristas. Ademais, em complemento, podemos entender o Ministro da Educação como um intelectual orgânico gramsciano do bolsonarismo. Para o revolucionário italiano Antonio Gramsci, o intelectual orgânico cumpre a função de organizar e sedimentar os valores e ideologias de um determinado movimento político e/ou grupo social. Trata-se de figura indispensável na luta de hegemonia que ocorre no capitalismo.

Parafraseando Rodrigo Nunes e sua excelente análise sobre como Alvim errou na tática da trolagem criada pela extrema-direita nos EUA e exportada mundo afora (https://bit.ly/31lIsUl) podemos dizer que Weintraub é o Troll Ideal e o Troll orgânico que age pelo bolsonarismo para consolidar suas ideais e posições e destruir seus inimigos.

Ele ocupa uma posição na qual nenhum dos filhos pode estar, uma vez que estes são o topo da cadeia de comando, e o troll ideal e orgânico precisa ser um cidadão comum, uma pessoa média, bem-sucedida, porém alcançável para qualquer um que se esforçar. Ao mesmo tempo, ele se insere em um espaço que não pode ser ocupado por outras figuras de destaque do governo, tais como Sérgio Moro e Damares Alves, ambos com vida própria: o Ministro da Justiça tem para si o capital da lava-jato e a longa tradição política de fazer do combate à corrupção um instrumento contra as lutas populares; já a Ministra da Família é uma representante e líder da ação evangélica na política institucional.

Weintraub é, portanto, o bolsonarista típico no poder. Em seus tuítes, constrói-se uma persona que se encaixa perfeitamente na imagem que a extrema-direita projeta. É honesto: não furo filas (07/10), pago minhas próprias passagens (22/06); é trabalhador: acordo cedo (09/08), pago meus impostos (29/04); é homem de família: estou com minha esposa há 25 anos (29/04) e cuida dos filhos (22/07); é um homem simples: toca Roberto Carlos (18/01); tira uma soneca à tarde (27/10), suas férias são no Pará, em uma rede (26/07); é cioso dos valores da família, da nação, das Forças Armadas, da religião: defesa das crianças nas escolas contra imagens de sexo (21/08); exaltação do General Villas Bôas como herói que impediu a transformação do Brasil em uma ditadura (7/11); defesa da Bíblia contra a esquerda (03/08), produção de livros didáticos sem ideologia de gênero (12/01); por fim, eficiência e meritocracia: ele comemora suas boas notas em um mestrado (06/05) e seu desempenho quase perfeito em um clube de tiros (22/08).

Todos estes predicados o capacitam tanto como bolsonarista típico quanto como gestor e esses dois lugares são sintetizados na ideia de guerra que Bolsonaro lidera contra todos que querem destruir o Brasil. Assim, ele se orgulha de ser um mero soldado de uma guerra maior (16/08), um David contra Golias no enfrentamento aos poderosos interesses que o presidente enfrenta (14/10). E atesta essa posição com sua filiação à Aliança Pelo Brasil, feita de modo simples, sem pompa (23/01).

Esta humildade revela outra qualidade fundamental do bolsonarista típico: a lealdade. Weintraub defende todos os atos do governo e se soma nos ataques contra todos os adversários elencados pelo Clã Bolsonaro. Na esfera dos elogios, ele exalta o próprio presidente quando surgem as suspeitas de envolvimento da família com a execução de Marielle Franco (30/10); elogia a primeira-dama por conta do Programa Pátria Voluntária (10/07); parabeniza o ministro Moro pelo combate à violência (13/06); celebra a ministra Damares por defender as crianças (20/11); se orgulha da gestão de Paulo Guedes na economia (29/08); e agradece aos deputados que estão no Congresso defendendo o governo, tais como Carlos Jordy (01/08), Carla Zambelli (19/11) e, principalmente, Eduardo Bolsonaro. São várias as mensagens de apoio e exaltação do filho 03 (14/06, 16/07, 01/08, 14/08, 07/10, 22/01) que, por sua vez, sempre retribui bancando o ministro. Um caso típico é a tabelinha que eles fazem na defesa das escolas cívico-militares (21/08, 02/10 e 22/11).

Weintraub também parte para o ataque. De fato, esta parece ser a principal função de sua conta pessoal no Twitter. Novamente, temos um espécime exemplar do bolsonarista, aquele que age como um o troll ideal e que por isso é o intelectual/troll orgânico deste movimento. Há por trás de todos os ataques a ideia de que existe uma grande conspiração global contra o presidente Bolsonaro e contra o Brasil. Ele fala em crise falsa na Amazônia (23/08 e 26/09) produzida pelo lobby agrícola europeu e ataca com força o presidente francês por representar esses interesses (25/08). Em agosto, faz uma denúncia de sabotagem contra o ENEM e diz que a PF está investigando (08/08) e não é coincidência que, na crise provocada pelas falhas na correção, o presidente WEINTRAUB: O BOLSONARISTA TÍPICO NO PODER Bolsonaro use o mesmo termo em pronunciamento no dia 28 de janeiro. E há também a ação do judiciário que impede o governo de fazer o certo (01/08 e 26/09).

Para além dos casos isolados, há o tempo todo o reforço quanto à existência de ataques coordenados mais gerais: quando alguns brigadistas são presos injustamente no Pará acusados de provocar os incêndios florestais, o ministro cogita serem os mesmos que se manifestaram contra ele e sua família durantes as férias (27/11). Weintraub o tempo todo se manifesta contra atores que ameaçam o Brasil, tais como grupos parasitas (05/01); ONGs (23/08); interesses privados (12/12), monopólios e oligopólios (25/10), tanto na educação, como o grupo Lemann, mas principalmente na mídia: os ataques contra a imprensa são um dos temas mais recorrentes, com tuítes que vão de 03/05 até 17/01. Outro alvo constante é o combo comunismo/esquerda/vermelho/ PT/Lula, com ataques que se iniciam em 01/05 e seguem até 23/01.

Os inúmeros ataques às universidades se inserem nesse contexto mais amplo do que ele chama de doutrinação da esquerda. O problema não é a existência do ensino superior, mas a suposta destruição que a esquerda produziu. A imagem da Balbúrdia é mobilizada pela primeira vez em maio para justificar os cortes e é utilizada até o final de outubro (28/10 e antes em 26/09 e 17/10); o mesmo vale para a maconha e o tema das drogas, cujo auge é em novembro com a denúncia de plantações da erva nas universidades (22/11 e 24/11), mas que já fora mencionada antes (27/06 e 07/10). Os ataques a Paulo Freire se concentram em agosto (01/08 e 22/08), o que ajuda no alcance internacional do bolsonarismo; no mesmo sentido, os ataques à UNE, que começam em 29/05, véspera do segundo grande ato contra os cortes (importante notar que no 15M não há manifestações de Weintraub) e seguem até novembro com o lançamento da carteira estudantil digital (25/11).

Como contraponto, Weintraub oferece a solução mágica do Future-se. Aqui temos mais um momento de bolsonarista típico ideal e intelectual orgânico. Primeiro, porque tudo que vem do bolsonarismo é sempre simples e nunca foi feito porque os interesses do sistema não permitem. Segundo, porque quase todas as soluções do bolsonarismo partem da aceitação de valores gerais que a esquerda também defende (direitos humanos e meio ambiente são mais regra do que exceção). Embora jamais fale em combate à desigualdade, Bolsonaro e seu governo defendem de modo difuso a ideia de prosperidade para os trabalhadores, de defesa dos pobres, de garantia do direito de educação, saúde, cultura, etc. Assim, o ministro afirma que, no Future-se, as universidades seguirão gratuitas; manterão sua autonomia; não serão privatizadas; e receberão mais verbas. Tudo isso sem a doutrinação feita pelos governos de esquerda (17/07 até 19/07).

O Future-se não se viabilizou, tal como ocorre com a maioria das propostas bolsonaristas. Em um país complexo como o Brasil, as mediações políticas e institucionais impõem um ritmo mais lento e as políticas públicas terminam bastante modificadas se comparadas com o desenho original do executivo. Com isso, o bolsonarismo cada vez mais se converte em uma política negativa, cujo sentido é apenas destruir (o Estado, as instituições, os direitos, a liberdade, o tecido social) para governar.

O ministro ainda não acusou o golpe da derrota no Future-se e, se isso ocorrer, provavelmente será na chave da perseguição, dos ataques, da grande conspiração que tenta impedir o presidente de salvar o Brasil. No mesmo sentido, caso Weintraub seja demitido, podemos projetar que seja uma operação do tipo “caiu para cima”, ocupando algum posto mais próximo do próprio presidente ou de Eduardo Bolsonaro. O clã sabe que não pode prescindir do bolsonarista típico no poder. Ninguém pode atuar melhor como um trolll orgânico do que figuras como Weintraub.


WEB menorJOSUEJOSUÉ MEDEIROS
CIENTISTA POLITICO, PROFESSOR DO IFCS, PESQUISADOR ESPECIALIZADO NOS ESTUDOS SOBRE POLÍTICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA E DIRETOR DA AdUFRJ

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