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WEBABRE1115Foto: Juliana Sayão/Arquivo PessoalAmpliar os limites da ciência passa por desbravar a fronteira mais fria e rica da Terra – a Antártida. Em busca de conexões entre o continente gelado e os desafios da pesquisa contemporânea, cientistas do mundo inteiro encaram uma rotina extenuante e adversa. Os professores da UFRJ estão entre esses destemidos pesquisadores. “Se você cair na água, em um minuto e meio você pode congelar”, afirma a pesquisadora Angelica Ribeiro, do Nupem, que já ficou mais de 30 dias seguidos na região. Após a reinauguração da Estação Comandante Ferraz no dia 15, o Jornal da AdUFRJ ouviu a lida de quem se desdobra nesse local de extremos, cuja história remonta ao século XVI. São relatos impactantes que combinam sede pelo conhecimento com a ameaça de morte. “O material coletado ajuda a reconstituir as mudanças do meio ambiente lá e aqui”, reforça Juliana Sayão, do Museu Nacional, ansiosa pelo volta ao gelo em fevereiro.

Professores da UFRJ esperam um salto de qualidade para as pesquisas brasileiras na Antártida, após a reinauguração da Estação Comandante Ferraz, no dia 15 – um incêndio havia destruído as instalações em 2012. Mas também demonstram preocupação com a continuidade dos investimentos pelo governo brasileiro no local.
“Pelo tamanho e qualidade da reforma, temos toda condição de impulsionar o trabalho no entorno e nas áreas próximas. E de receber mais pesquisadores. O reforço vem para somar com 20% a 30% das pesquisas que já são realizadas fora da base, em outras regiões e plataformas”, analisa a paleontóloga Juliana Sayão, do Museu Nacional. Ela completa: “A estação está pronta, mas se não for equipada ou não tiver manutenção, não adiantará nada”.
WEB menor1115 p5Juliana Sayão - Foto: Juliana Sayão / Arquivo PessoalA pesquisadora do Museu Nacional esteve três vezes no continente (2016, 2017 e 2018). As expedições duraram em torno de três meses. Em fevereiro próximo, ela retorna para ficar mais 45 dias. O roteiro, a princípio, não inclui a nova base. Mas uma passagem por lá não está totalmente descartada. “A previsão é acamparmos em outra região. Mas, em se tratando de Antártida, tudo pode acontecer”, explica Sayão, em referência às mudanças bruscas das condições climáticas. “Se houver tempestade, pode ser que tenhamos que passar por ela. Eu gostaria bastante. Acompanhei o processo da obra nos últimos anos. Vi a construção do primeiro bloco em 2018”.
A presença brasileira no continente gelado se justifica por dois fatores estratégicos: um passado pré-histórico comum e o impacto ambiental direto do aquecimento global. “Há 60 ou 70 milhões de anos, a Antártida fazia parte de um supercontinente com a América do Sul, Austrália e Índia. O clima era tropical. Havia muitas semelhanças ambientais”, destaca. “Com a ruptura e o deslocamento do continente para o Polo Sul, esse ecossistema ficou preservado pelo congelamento. E o material coletado lá ajuda a reconstituir as mudanças do meio ambiente lá e aqui”.
Outro ponto são os desastres ambientais provocados pelo degelo antártico. “É ele que mobiliza as massas de ar frio, conhecidas como frentes frias, que causam as tragédias das fortes chuvas de verão no Brasil”, justifica Sayão.
WEB menor1115 p4Angelica Ribeiro - Foto: Angelica Ribeiro / Arquivo PessoalA UFRJ também marca presença na Antártida para estudar macroalgas – organismos eucariotas, fotossintetizantes e pluricelulares, mas que não têm as estruturas especializadas e as formas de reprodução das plantas verdadeiras. A química e pesquisadora do Nupem, Angelica Ribeiro, destaca o potencial biotecnológico dos organismos presentes na região. As algas precisam de luz para viver. Na Antártida, a incidência solar fica restrita a um verão de poucos meses — de novembro a janeiro. “E elas passam metade do ano congeladas. São organismos altamente resistentes às condições mais estressantes”, diz.
O projeto da docente de Macaé mira o metabolismo e os gatilhos de adaptação dos organismos. A pesquisa de base visa ao desenvolvimento de produtos naturais e fármacos diversos, desde potenciais medicamentos para câncer a antibactericidas para agricultura.
O grosso do trabalho de pesquisadores, na Antártida, consiste na coleta de material em campo. Tudo é feito com esforço e cuidado. “Se você cair na água, em um minuto e meio você pode congelar e morrer”, resume Angelica Ribeiro, que chegou a ter um princípio de hipotermia, durante a temporada em que esteve embarcada noNavio Polar Almirante Maximiano, entre novembro e dezembro de 2017.
As roupas podem pesar 15 quilos e envolvem diferentes tecnologias para amenizar o frio, proteger do vento e impermeabilizar o corpo. “A Antártida é um lugar de extremos. Tudo é difícil. Respirar é difícil, andar é difícil, dormir é difícil. Comi sem parar e emagreci três quilos em um mês”, relata.

WEB menor1115 p5aFoto: Angelica Ribeiro/Arquivo PessoalExperiência única
No verão antártico, o sol desponta às 3h e cai por volta de 1h da manhã. Os dias com 22 horas de luz estimulam jornadas extenuantes. “A gente podia estender o trabalho das 6h até bem depois das 19h”, relata a professora do Nupem. “Com um acesso restrito aos poucos meses de verão, ninguém quer perder tempo”, completa. Quando a estação termina, o continente se fecha novamente. “O mar faz um mingau e depois congela completamente. Os navios não conseguem quebrar o gelo. O continente praticamente dobra de tamanho”.
O confinamento e a falta de privacidade também fazem parte das restrições para quem trabalha embarcado. Angelica descreve que um corredor e um pequeno local para TV eram os únicos espaços de convivência. “A gente assistia sentado em um banquinho. Ver filme com pipoca é um grande acontecimento se você está na Antártida. Não existe dar uma volta. Você nunca pode estar sozinho por questão de segurança. É uma grande lição sobre convivência e a vida”, conta.
A colega do Museu Nacional, Juliana Sayão, também fala de uma mudança de perspectiva, depois da experiência. “Quando me deparei com aquela natureza intocada, selvagem, intempéries, com aquele gelo azul, eu mudei como pessoa”, diz a paleontóloga. “O que mais me impressionou foi o vento. Na Antártida, você pode ser carregado por ele. Não há barreiras”.

 

Exploração da Antártida remonta ao século XVI

Os primeiros registros de navegação próxima à Antártida começaram no século XVI. Durante muito tempo havia dúvidas se a região era um continente ou apenas um conjunto de ilhas pequenas. A ocupação humana na região data da primeira metade do século XIX. E a conquista do Polo Sul, o ponto onde o eixo de rotação da Terra cruza a superfície, ocorreu somente em 1911 com o explorador norueguês Roald Amundsen e seu grupo.
A Antártida não tem nenhum governo e não pertence a nenhum país. Um tratado de 1959 transformou o continente em área de preservação científica, proteção ambiental e baniu qualquer exercício militar. Hoje, 29 países possuem bases de pesquisas na região.

BRASIL
O Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) foi criado em janeiro de 1982. A iniciativa é gerida por uma parceria entre os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Defesa.
No mesmo ano, a Marinha do Brasil adquiriu o navio polar “Thala Dan”, apelidado de “Barão de Teffé”. Em dezembro de 1982, o navio realizou o primeiro reconhecimento hidrográfico, oceanográfico e meteorológico do noroeste da Antártida. O sucesso da operação conduziu a incorporação do Brasil como Parte Consultiva do Tratado da Antártida em 12 de setembro de 1983. A Operação Antártida II é do verão de 1983-84.
A Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) entrou em funcionamento em 6 de fevereiro de 1984. Instalada na Península Keller, Baía do Almirantado, Ilha Rei George, Ilhas Shetlands do Sul, a estrutura era composta por oito módulos. No ano seguinte, passou a 33 módulos.
A EACF sofreu um incêndio, na madrugada do dia 25 de fevereiro de 2012, que afetou 70% de suas instalações e tirou a vida de dois militares.
Até o término da reforma, no início de 2020, os pesquisadores brasileiroas tiveram que se desdobrar para manter as investigações, contando com apoio restrito dos chamados Módulos Antárticos Emergenciais (MAE) e de navios da Marinha. Agora, a comunidade científica volta a sonhar com melhores condições para o trabalho.

WEB menor1115 p5bESTAÇÃO REFORMADA
Dividido em três grandes blocos, o novo prédio abriga 14 laboratórios internos e três externos. Além de alojamentos com capacidade para 64 pessoas.
A área total, agora, equivale a aproximadamente 4,5 mil metros quadrados. Quase o dobro da antiga estrutura. Foi projetada para resistir a ventos de até 200 km/h e aos efeitos de eventuais abalos sísmicos e ciclos de congelamento e descongelamento do solo antártico.
A administração da estação cabe à Marinha.

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