facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

Alexandre Medeiros
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

ENTREVISTA I NORMA MENEZES, PROFESSORA DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Na primeira reunião de 2021 do Conselho de Representantes da AdUFRJ, em 9 de fevereiro, a professora Norma Menezes, da Escola de Belas Artes (EBA), chamou atenção para a gravidade do momento político que o Brasil atravessa. Ela comparou o quadro de crescente autoritarismo do governo Bolsonaro ao que vivenciou na Turquia sob o comando do presidente Recep Tayyip Erdogan, sobretudo depois da fracassada tentativa de golpe para tirá-lo do poder, em 2016. “Estive em 2019 na Universidade de Boğaziçi (Universidade do Bósforo). Muitos de nossos colegas professores foram presos ou mortos pelo regime de Erdogan. E vejo muitas semelhanças entre o que ocorreu lá e o que vem ocorrendo aqui”, diz a professora.

Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Norma Menezes reflete sobre as transformações na Turquia sob o regime de Erdogan e as inevitáveis comparações com as ações destrutivas do governo Jair Bolsonaro, como os ataques à autonomia das universidades — os dois presidentes têm o hábito de nomear reitores sem respeitar as escolhas democráticas das comunidades. Fala ainda sobre as dificuldades de comunicação da esquerda brasileira para difundir suas mensagens nas plataformas digitais, e faz um apelo ao diálogo entre as forças do campo progressista, superando eventuais divergências em nome da defesa da democracia. “É preciso unidade das diversidades para enfrentar o autoritarismo”.

Jornal da AdUFRJ — Norma, fale um pouco sobre a sua experiência na Turquia, antes e depois da tentativa de golpe de 2016. Quando você esteve lá?
Norma Menezes — Estive lá em 2013 e em 2019, ou seja, antes e depois da tentativa de golpe. Bom que se diga que esse golpe militar era benéfico ao laicismo e à WhatsApp Image 2021 02 25 at 21.52.161democracia. Erdogan está no poder central há mais de 20 anos, antes como primeiro-ministro e depois como presidente. Foi galgando posições em seu partido (Partido da Justiça e Desenvolvimento — AKP). Voltando um pouco na história, vale lembrar que o presidente Atatürk (Kemal Atatürk presidiu a Turquia de 1923 a 1938) deixou dois grandes legados aos turcos. O primeiro foi a abertura da economia para a Europa. O segundo foi deixar ao Exército a função de intervir no momento em que qualquer religião interferisse nos assuntos do Estado. Passados os anos, o populismo de Erdogan foi ganhando espaço, sobretudo no interior da Turquia, e impondo preceitos da religião muçulmana em diversos setores, afastando o país do modelo laico.

Pode dar algum exemplo prático desse movimento?
A tradição da sociedade turca preza a liberdade dentro dos espaços públicos. Era um hábito dos turcos utilizarem os espaços públicos para tomarem chá, por exemplo. E o que fez Erdogan? Paulatinamente começou a substituir esses espaços por mesquitas ou shopping centers. Ou seja, mesclando o pior do capitalismo selvagem  com o fundamentalismo religioso. Isso ocorreu em Ancara, em Istambul e em outras cidades. E foi crescendo um sentimento de insatisfação com isso. Em 2013, essa insatisfação chegou ao ápice com a decisão de Erdogan de fazer um estacionamento subterrâneo e um shopping center no lugar do Parque Gezi, em Istambul. O povo não aceitou aquilo e foi às ruas para protestar. A tradicional Praça Taksim virou o epicentro de um movimento sem líderes, que unia vários setores da sociedade, em protesto contra a escalada autoritária. E esse movimento se espalhou pelo mundo. O governo Erdogan reprimiu violentamente esses protestos.

A tentativa de golpe de 2016 foi um reflexo desses protestos e da posterior repressão?
Sim. Os militares que seguiam os preceitos deixados por Atatürk resolvem derrubar Erdogan, mas ele consegue reverter o golpe e passa a perseguir com mais violência seus opositores, entre eles os professores. São centenas de perseguidos desde então. E as milícias que Erdogan vinha armando há anos se tornam gigantescas. Em 2013, quando estive lá, caminhava pelas ruas com amigos professores e eles me apontavam os milicianos infiltrados entre a população. Desde então, isso só cresceu. Quando voltei, em 2019, vi várias universidades fechadas. Uma delas, de Humanas, com guardas na porta, fica na  Avenida Istiklal, uma das principais vias de turismo de Istambul. Há uma fortaleza policial no Parque Gezi. E a Hagia Sophia, que foi erguida há quase mil e quinhentos anos como catedral cristã e era um museu desde 1934, voltou a ser uma mesquita em 2020.

Assim como Bolsonaro, Erdogan vem fazendo intervenções nas universidades, não é?
Sim, ele acabou de nomear o novo reitor da Universidade do Bósforo, um aliado político. E isso vem gerando novos protestos, também reprimidos com violência. Tenho amigos professores demitidos. Todos têm medo de falar, estão vigiados pelos milicianos. As redes sociais são monitoradas pelo governo.

Você teme que esse quadro turco se repita aqui no Brasil com Bolsonaro, que já falou em golpe se não vencer em 2022, vem facilitando o acesso a armas e cerceando as universidades?
São muitas semelhanças, isso é alarmante. Foi esse alerta que quis fazer na reunião do Conselho de Representantes. Parece que muita gente não vem percebendo a gravidade da situação. As coisas não acontecem da noite para o dia, elas são orquestradas. E Bolsonaro tem o apoio de boa parte da população, como Erdogan. O campo progressista está em tremenda desvantagem. E tem que buscar o diálogo, as convergências. A lógica que vem nos guiando não nos une.

E qual seria a saída?
Temos que deixar de lado a dialética do confronto e da comparação. Precisamos de uma lógica diferente. Temos que criar novos focos de interesse. Se não deixarmos de lado os nossos “ismos” e abrirmos o que temos de bom uns para os outros, nós não vamos conseguir plantar as sementes da sustentabilidade para as próximas gerações. Temos que ter a capacidade de superar as diferenças para criar um conjunto diverso para enfrentar com sabedoria essa avalanche. Diversidade de pensamento não deve se transformar em adversidade. É preciso unidade das diversidades para enfrentar o autoritarismo.

Parece que há também uma dificuldade de comunicação do campo progressista com a sociedade, sobretudo nas plataformas digitais, onde os bolsonaristas atuam com vigor. Como você vê essa dificuldade, principalmente na Comunicação Visual, que é sua área de atuação?
Precisamos mudar a linguagem da nossa comunicação. Acabou de sair uma monografia, da qual fui orientadora, abordando a linguagem utilizada por canais de esquerda e de direita no Youtube. É um trabalho sensacional, feito pela estudante Adriana Buzzacchi para a conclusão do curso de Comunicação Visual Design, que merece ser analisado, sobretudo pela esquerda. Ela aborda a estética empregada por cada espectro político, as táticas audiovisuais usadas para se comunicar e engajar mais visualizações, os signos mais utilizados e a quebra da dialógica, entre outros aspectos. Ela produziu um vídeo falando de temas sensíveis, como o aborto e a fertilização in vitro, sem a utilização das linguagens de confronto e comparação tradicionalmente usadas nos canais políticos do Youtube, que acabam incitando ao ódio. No caso do vídeo produzido pela Adriana (https://bit.ly/2ZNQCFd), o espectador é convidado a refletir e se posicionar. É um bom exemplo de como podemos aprimorar nossas formas de comunicação com a sociedade.


NOMEAÇÃO DE REITOR GERA PROTESTOS EM ISTAMBUL

Desde o início de janeiro, alunos, funcionários e professores da Universidade do Bósforo, em Istambul, estão nas ruas em protesto contra a nomeação do reitor Melih Bulu, estranho aos quadros da universidade. Bulu é do partido islamista AKP, o mesmo de Erdogan. As universidades foram proibidas de eleger seus reitores após a tentativa de golpe de 2016. Centenas de acadêmicos foram presos ou expurgados. Em 2020, Erdogan nomeou 27 reitores. Os protestos incentivaram atos por toda a Turquia, duramente reprimidos pelo governo. Só na primeira semana de fevereiro, mais de 300 pessoas foram presas — em sua maioria estudantes, detidos em sua própria casa, após as manifestações.

Topo