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O professor do IFCS André Botelho foi eleito para a presidência da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) com um enorme desafio: enfrentar um projeto de governo que asfixia a pesquisa, sobretudo nas áreas de Ciências Humanas, alvo preferido dos ataques do bolsonarismo. Sociólogo com especialização em pensamento social brasileiro, André conversou com o Jornal da AdUFRJ sobre as tarefas das Ciências Sociais no Brasil de hoje, e traçou um retrato do conservadorismo autoritário instalado no Palácio do Planalto.


O bolsonarismo tem paralelo com alguma tendência conservadora na história brasileira?
O bolsonarismo não surgiu do nada. Há processos sociais em curso, que foram intensificados sobretudo nos últimos governos do PT, que interferiram muito diretamente em uma dinâmica tradicional da sociedade brasileira, aumentando a mobilidade social. O Estado que desenvolve uma política de cotas reconhece uma situação de injustiça histórica contra um grupo. Esse tipo de reconhecimento, que é fundamental, vai gerar também reação. A classe média passou a ter que competir com grupos e indivíduos que estavam chegando de baixo a postos que antes eram quase que exclusivos dela.
As pessoas se manifestavam nos últimos anos com faixas como “Quero meu Brasil de volta”. De que Brasil você está falando? De uma sociedade hierárquica, em que o conflito tinha pouca visibilidade? É difícil dizer que o bolsonarismo seja algo que não tenha lastro na sociedade. Percebemos que a democracia na sociedade brasileira não é um valor universal, não é um ponto pacífico.

E no que o bolsonarismo se destaca no pensamento conservador do Brasil?
Há uma diferença que precisamos estabelecer entre conservadorismo e autoritarismo. O conservador vê no passado uma espécie de chave para o futuro da sociedade. Ele quer conservar determinadas estruturas do passado, pois entende que essas estruturas são as melhores, ou garantem a ordem social. Já o autoritário não está satisfeito com a situação da sociedade, mas o modo como ele quer operar a mudança parte de cima para baixo. Muitas vezes ele quer fazer as mudanças para evitar a democracia.
Isso foi muito forte na tradição intelectual brasileira. O que me parece acontecer, no que chamamos de bolsonarismo, é uma composição dessas e outras linhagens. Não dá para esquecer dessa espécie de casamento entre autoritarismo do Estado, conservadorismo de algumas estruturas sociais, como a defesa de uma família tradicional como elemento de coesão da sociedade, mas também o componente neoliberal, que joga sobre o indivíduo a responsabilidade total sobre a sua situação.
Percebemos que determinadas posições do que é e do que deve ser o Brasil não se realizam no vazio. Elas retomam, muitas vezes, posições que já estavam em curso na sociedade. No caso do bolsonarismo não é diferente, embora a nossa tendência seja a de acentuar o seu caráter inovador.

Então o bolsonarismo é uma composição de estruturas que já existiam?
Exato. E isso é muito importante de ser compreendido porque um dos elementos mais difíceis no enfrentamento político é a sensação de que você não entende o seu adversário político, e você diz que ele é inédito. Todos somos inéditos, de certa forma, mas nenhum de nós se constrói em um vazio de relações sociais. Há uma coisa que liga o presente ao passado que é exatamente o processo social.
E não temos explorado, de fato, essa dimensão tão claramente na comunicação científica com a sociedade. Muitas vezes reforçamos essa ideia de que tudo que acontece no presente é presente, mas o presente está cheio de passado.

Tivemos eleições domingo, e o primeiro retrato do resultado é o aumento no número de eleitos representantes de minorias, como indígenas, negros e LGBTQI. O movimento dessas minorias é parte desse processo social ao qual você se refere?
Acho que sim, identifico dessa forma. As estratégias dos movimentos sociais terão que ser outras. E a democracia é importante porque ela permite que esses movimentos da sociedade sejam ouvidos, tenham reconhecimento nas estruturas de poder.
Então você consegue promover políticas de igualdade racial ou de gênero, por exemplo. Claro que faz toda a diferença você ter um estado democrático ou um estado autocrático, que é o que parece ser o que estamos vivendo. Mas isso não significa que os movimentos vão desaparecer. Nesse sentido, há indícios que apontam para a continuidade de determinados avanços, do ponto de vista social, envolvendo a representatividade de negros, mulheres, LGBTI.

A área de Ciências Sociais é vítima de primeira hora do bolsonarismo. Qual é o papel da Anpocs nesse cenário?
Precisamos lidar com uma situação de retraimento de financiamento da pós-graduação e da pesquisa, e também com esses ataques. O que pretendemos fazer é um trabalho de fortalecimento do próprio associativismo que reúne os programas de pós-graduação da Anpocs.
A primeira tarefa é mobilizar os associados, criar uma agenda mais participativa, e fortalecer nossas ações. Uma segunda frente importante é tentar desenvolver uma comunicação mais exitosa com a sociedade civil. Como uma associação acadêmica, muitas vezes nós incorremos na tendência de falar para nós mesmos. Essas duas frentes vão nos ajudar a ter condições de enfrentar mais diretamente as políticas restritivas que vêm sendo implementadas em nível federal.

E como enfrentar o discurso anticiência do governo?
Pretendemos promover um diálogo mais consistente das Ciências Sociais com outras ciências. Porque esse insulamento não favorece uma ação coletiva.
Nossa agenda propositiva tem que ser voltada mais para aquilo que é comum a outras áreas, do que sobre aquilo que nos diferencia. Parte da estratégia deles é jogar uns contra os outros. Então precisamos buscar uma resposta que passe pelo fortalecimento da cooperação. Não apenas do diálogo, mas da cooperação com outras áreas.

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